sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Elevar cada criança ao limite superior do potencial que há dentro de si .

São de referir vários factores que conferem à faixa etária dos 5/6 aos 11/12 anos, um período óptimo cujas potencialidades deveriam ser mais exploradas:

a) o elevado poder interrogativo das crianças1

b) o elevado potencial de criatividade que se apresenta ainda no seu estado natural quase-virgem2;

c) a plasticidade das suas ideias e esquemas mentais, o que significa ausência de concepções alternativas enraizadas e resilientes, e ausência do “síndrome” de resposta "certa"3, o que propicia elevada capacidade reflexiva;

d) a frequente ocorrência de noções intuitivas que, ao invés de antagónicas com os conceitos científicos, correspondem a uma fase embrionária de um processo de evolução conceptual;

e) o elevado ritmo de maturação das estruturas cognitivas.

Este conjunto de factores contribuem para uma banda larga da zona de desenvolvimento proximal proposto por Vygotsky (1987). Quer isto dizer que há uma acentuada discrepância entre a idade mental evidenciada pela criança, quando resolve problemas sozinha e o nível que ela pode alcançar quando socialmente estimulada, ora pelo adulto, ora pela interacção com outras crianças. Isso significa que há uma grande margem de superação dos níveis tradicionalmente reconhecidos às crianças, quer do ponto de vista da aprendizagem, quer do ponto de vista do desenvolvimento intelectual.

A resolução cooperativa de problemas de Ciências, induzida e intencionalmente estimulada pelo adulto, é uma estratégia educacional poderosíssima para as crianças. É ao longo dos primeiros anos de escolaridade que as funções psicológicas superiores estão em fase de amadurecimento (Vygotsky, 1987). Assim esses primeiros anos afiguram-se como um período óptimo de aprendizagem e desenvolvimento por via do processo experimental reflexivo.

Os sistemas educativos deveriam rentabilizar a fecundidade dessa faixa etária, promovendo uma intervenção educacional orientada para elevar cada criança ao limite superior do potencial que há dentro de si.

1 As crianças manifestam perplexidades e colocam questões em relação a factos e fenómenos que muitos adultos já não questionam, embora continuem a não os entender. Por exemplo, perguntam as crianças: " Se a Terra é redonda e há pessoas por baixo de nós, com as pernas para o ar, como é que essas pessoas não caem?". Vários professores do 1º ciclo têm-nos dado conta dessa questão, entre outras, e reconhecem que aceitam como adquirido esse facto, sem contudo o compreenderem, não dispondo de qualquer explicação para a criança. E no entanto basta às crianças explorarem um íman, para depois serem induzidas a estabelecer uma analogia entre a Terra e o íman para que elas concluam, "pois é, a Terra é tipo íman". Há um nível de compreensão inteligível e plausível para a criança que não passa de modo algum pela abordagem do princípio da interacção gravitacional.

2 Um dos factos mais marcantes que temos constatado nas intervenções na sala de aula, é o inesgotável potencial de boas ideias que as crianças conseguem apresentar nas suas discussões e reflexões de grupo. Ao professor compete saber agir como catalisador de um processo de refinamento e melhoria da qualidade dessas ideias.

3 Pode dizer-se que são mais suaves os obstáculos epistemológicos à construção do novo conhecimento. Ou seja, se o novo conhecimento se constrói contra um conhecimento já existente (Bachelard, 1972), no caso das crianças o conhecimento já existente é um obstáculo menor.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As crianças versus adultos face a problemas experimentais.

A formação inicial e contínua de professores, a par das intervenções em salas de aula do 1º ciclo, têm-me permitido analisar as diferenças de abordagem de adultos e crianças face a problemas idênticos. Constata-se que há uma variada gama de problemas e questões práticas que as crianças resolvem de forma mais rápida e fluente do que os adultos.

Por exemplo, como fazer flutuar um pedaço de plasticina?

Em qualquer turma do 2º, 3º ou 4º anos de escolaridade (1), há sempre um aluno que ao fim de alguns minutos resolve fazer um "barco" de plasticina e num ápice a ideia é apropriada por toda a turma. Rapidamente todos os grupos têm os seus barcos de plasticina a flutuar. Todavia, os professores ou estudantes da formação inicial têm mais dificuldades.

É notório que as crianças admitem um grande leque de possibilidades para resolverem as questões colocadas e manifestam um grande empenho em as tentarem, sem quaisquer constrangimentos. Pelo contrário, o número de possibilidades admitidas pelos adultos é muito limitado, manifestam uma grande preocupação em tentarem apenas soluções tidas apriori como “correctas” e evitam o “ridículo” de tentativas “extravagantes”.

Em conclusão, o que faz a diferença no maior grau de sucesso por parte das crianças é o seu mais elevado potencial criativo e o carácter lúdico de que se revestem os desafios colocados, o que suscita neles iniciativa e grande empenhamento; ao contrário os adultos ficam frequentemente numa atitude passiva à espera da solução após as primeiras tentativas falhadas.

Talvez isso explique um facto que me causou grande perplexidade. Apliquei um teste de conhecimentos e capacidades científicos elementares em duas turmas do 4º ano de escolaridade, em que se havia desenvolvido uma intervenção de cerca de 15 horas; as médias obtidas as foram 62,8% e 74,0%. Decidi aplicar o mesmo teste a uma turma de estudantes universitários do 1º ano do curso de professores do 1º ciclo e a média foi de 47,7% (Sá, 1994; 2002 http://www.portoeditora.pt/ficha.asp?ID=34060 ).

A questão de fundo que toda esta situação suscita é a seguinte:

- não estaremos nós a desperdiçar um tempo irrecuperável ao negligenciarmos esforços de iniciação à abordagem experimental reflexiva das Ciências numa faixa etária tão fértil?

(1) Não refiro o 1º ano porque não tenho experiência dessa actividade nesse ano.

domingo, 14 de dezembro de 2008

As crianças aplicam o conhecimento adquirido sobre a combustão a situações novas.

Sugere-se ao leitor, caso queira ter a visão cronológica do desenvolvimento da aula, que leia, de baixo para cima a sequência dos posts desde ESTUDO DA COMBUSTÃO I em http://geniociencia.blogspot.com/2008/11/fazer-os-alunos-pensar-sobre-as-suas.html até este post.

ESTUDO DA COMUSTÃO VII
A finalizar a aula, foram colocadas algumas questões que exigiam dos alunos a aplicação do conhecimento adquirido a situações novas:

- Se distraidamente um automobilista, tiver provocado um incêndio no interior do seu carro, aconselhá-lo-ias a abrir ou a fechar as janelas, depois de saír? Porquê

- A uma pessoa cujas roupas se incendiassem, expô-la-ias ao vento para que as chamas se apagassem, ou embrulhá-la-ias com um cobertor? Porquê?

- Ao remexer-se um braseiro, o brilho das brasas aumenta ou diminui? Porquê?

- No combate aos incêndios, os bombeiros preferem dias de vento ou dias calmos? Porquê?

Na primeira questão as crianças manifestaram-se divididas. Estava-se já no fim da aula e pressa com que a questão foi colocada parece não ter deixado claro que a permanência de janelas abertas ou fechadas ocorreria com o condutor já fora do carro. Isso poderá ter levado alguns alunos a imaginarem a situação aflitiva em que ficaria uma pessoa fechada dentro de um automóvel dentro do qual se desencadeara um incêndio. Perante a afirmação de um aluno de que as janelas deveriam ficar abertas, um outro ri-se comenta com ironia: Depois das experiências que fizeste ainda dizes isso. Nas restantes questões os alunos não tiveram dificuldade em dar as respostas correctas.

Em conclusão, é notória a capacidade dos alunos aplicarem a novas situações o conhecimento de que o ar é necessário para os fenómenos de combustão e que as alterações que vai sendo sujeito confere ao ar propriedades que levam à extinção da combustão.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O ar é necessário para a chama estar acesa! O ar transforma-se na presença da chama, acabando esta por se apagar!

ESTUDO DA COMBUSTÃO VI

Proponho aos grupos que façam medições do tempo de duração da chama, no mesmo frasco, várias vezes consecutivas. Apenas um grupo obteve tempos sensivelmente iguais. Peço que discutam em grupo as explicações para as diferenças encontradas nos tempos de duração da chama medidos.

As explicações revelam ideias bastante evoluídas:

a) a diminuição progressiva do tempo de combustão acontece em resultado de, nas 2ª e 3ª vez, haver restos de ar da experiência anterior;

b) quando da 2ª medição para a 3ª há um aumento do tempo de combustão, há quem explique a quebra da tendência de diminuição dizendo que demoraram mais tempo entre a 2ª e a 3ª experiência, o que terá permitido a renovação do ar;

c) nos casos em que os tempos são iguais alguns alunos dizem que o frasco terá ficado aberto bastante tempo o que terá permitido a total renovação do ar.

Análise interpretativa

O ar é necessário para a chama estar acesa!
O ar transforma-se na presença da chama, acabando esta por se apagar!

De um modo geral há uma compreensão de que o ar se altera com a combustão, ficando em piores condições para que a chama se mantenha acesa. É essa a explicação que dão para a diminuição do tempo de duração da chama em sucessivas medições no mesmo frasco. Essa ideia é bastante consistente, de tal modo que, mesmo quando essa diminuição de tempo não ocorre, os alunos apresentam explicações que referem o facto de, por diversos motivos, ter ocorrido uma renovação não intencional do ar. A compreensão do papel do ar na combustão foi adquirida pela acumulação de evidência favorável a essa teoria. E é essa acumulação de evidência que faz prevalecer a teoria do ar em detrimento das restantes.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Um experiência que reforça a teoria da importância do ar na combustão

ESTUDO DA COMBUSTÃO V
Sugeri então aos alunos que fizessem a seguinte experiência: inverter o frasco sobre a vela e retirá-lo quando a chama estivesse para se apagar: a chama reaviva-se instantaneamente. A actividade foi realizada com visível satisfação. Concedi tempo para que as crianças brincassem, repetindo a experiência algumas vezes consecutivas. Porque ficou a chama outra vez maior?, perguntei a dada altura. A Sofia (10 anos) responde que "a vela apanhou mais ar". O Tiago (9 anos) explica o reavivar da chama quando se levanta o frasco do seguinte modo: "Quando abrimos a boca (para respirar) "é o mesmo que levantar o frasco". Pergunto se o ar no momento em que o frasco é invertido sobre a chama e após a extinção da chama permanece igual dentro do frasco. Vários alunos dizem que não. A Francisca (9 anos) diz que "o ar lá dentro já não é 'capaz'”. Outras respostas: "o ar fica usado"; "tem que haver movimentos de ar"; "a vela é como uma pessoa, se fecharmos a boca e o nariz morremos"; "a vela com o mesmo ar morre".

Análise interpretativa

A importância do ar para conservar a chama
A experiência é bastante elucidativa para os alunos reconhecerem a importância do ar no reavivar da chama. Isso está patente nas analogias com o fenómeno da respiração. Surge agora a ideia de que o ar sofre algum tipo de transformação em consequência da chama e que a renovação do ar é necessária para que a chama não se apague: tem que haver movimentos de ar; a vela com o mesmo ar morre.

Todavia alguns alunos continuam a afirmar que são válidas as três diferentes teorias anteriormente sustentadas para explicar as diferenças de tempo de combustão em frascos de diferentes tamanhos. Parece persistir ainda a causalidade baseada na covariança de dois factores e a ausência de perspectiva científica.

domingo, 30 de novembro de 2008

Três teorias quanto à duração da chama: a causalidade baseada na covariança de dois factores.

ESTUDO DA COMBUSTÃO IV
Os alunos notaram que em alguns dos frascos a vela se apaga primeiro do que noutros. Pegar então nesta questão seria uma forma de ir mais fundo na busca das ideias dos alunos quanto à causa de extinção da chama. Porquê então as diferenças de tempo?, perguntei. Aí é introduzido o factor tamanho dos frascos. Que importância tem o tamanho do frasco?, perguntei de novo. A Vânia (9 anos) acha que esse factor não tem importância, mas o Zé Pedro (9 anos) argumenta que os maiores têm mais ar. O Filomeno (9 anos), reafirmando a ideia de que é o aquecimento que faz a vela apagar-se afirma que nos frascos pequenos aquece mais depressa e por isso a vela apaga-se primeiro. O Luis (9 anos) diz que a vela precisa de ar para se manter acesa. O Zé Pedro (9 anos) afirma que o calor sobe e por isso quanto mais alto for o frasco, mais tempo a chama dura porque tem espaço para subir. Note-se que o mesmo aluno (Zé Pedro) que havia introduzido o factor quantidade de ar, volta-se agora para a teoria do calor dando-lhe uma outra nuance.

Análise interpretativa

Três teorias: 1) aquecimento do frasco; 2) quantidade de ar; 3) espaço para o calor subir

Em síntese, as ideias explicativas para o menor tempo de combustão nos frascos mais pequenos são: a) o frasco pequeno aquece mais depressa; b) no frasco pequeno há menos ar; c) no frasco grande há mais espaço por cima da vela para o calor poder subir.

Estas explicações das crianças contêm três teorias implícitas que se podem tornar explícitas nestes termos:

a) quanto mais depressa aquece o frasco mais depressa a chama se apaga;
b) quanto menos ar tiver o frasco mais depressa a chama se apaga;
c) quanto mais espaço houver por cima da chama para o calor subir mais tempo dura a chama.

Vários alunos dizem que todas as teorias são correctas. O ponto de vista dos alunos é compreensível, pois nenhuma das três teorias foi refutada pela evidência. De facto os frascos mais pequenos aquecem mais depressa e aí a chama extingue-se mais rapidamente; há menos ar nos frascos mais pequenos e aí a chama extingue-se também mais rapidamente; nos frascos maiores que foram usados há uma maior distância entre a chama e o fundo do frasco e verifica-se que nesses frascos a chama tem maior duração do que em frascos menores.

Por outras palavras, diferentes alunos seleccionam como causa da mais rápida extinção da vela no frasco menor, a mudança observável que mais lhe prende a atenção. Trata-se do que Khun (1988) designa de causalidade baseada na simples covariança de factores, sendo os factores covariados dados facilmente observáveis.

O facto de os alunos aceitarem as três teorias como igualmente plausíveis revela a ausência da perspectiva científica, segundo a qual as teorias competem entre si e apenas a melhor delas acaba por "sobreviver".

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Chama apaga-se porque o frasco fica "quente"! Chama apaga-se porque o frasco fica "embaciado"!

ESTUDO DA COMBUSTÃO III
Depois do trabalho de formulação de previsões, solicitei aos alunos que invertessem o frasco sobre a vela acesa e fizessem as suas observações. Ao verificarem que a chama se apaga, pedi que apresentassem explicações para o facto. Porque o frasco fica quente e porque o frasco fica embaciado, foram algumas das respostas. (…). Não é feita nenhuma referência ao ar (...)

Análise interpretativa

Causalidade baseada na covariança de dois factores
De facto o frasco fica quente em consequência da chama ser introduzida no fasco, acabando por se apagar. É também verdade que o frasco fica embaciado em consequência da chama ser introduzida no frasco, acabando por se apagar.

As duas teorias explicativas tomam como causa outras observações que surgem associadas ao fenómeno que se pretende explicar - a extinção da chama. A contiguidade temporal do aquecimento do frasco, bem como do embaciamento, em relação à extinção da chama, faz com que cada um daqueles efeitos seja tomados como causa. Todavia o que os alunos tomam como causas da extinção da chama, são de facto consequências da combustão.

Estamos perante uma perspectiva de causalidade baseada na covariança de dois factores: se o factor A sofre um variação visível, sendo acompanhada de uma variação de um factor B, igualmente visível, então a alteração em B é a causa da alteração em A. Esta perspectiva conduz á formulaçao de teorias não científicas. Os alunos precisam de ser ajudados pelo professor a construir outra perspectiva de causalidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A relevância do pensamento dialógico do professor!

ESTUDO DA COMBUSTÃO II
A aula sobre a combustão da vela prosseguiu. Perguntei o que achavam os alunos que aconteceria à chama se se invertesse o frasco sobre a vela - procurava eu saber se os alunos tinham a noção de que a chama se apagaria. Os alunos fazem as seguintes previsões:

- A chama apaga-se;

- O frasco fica mais quente;

- A vela derrete-se;

- A chama fica maior porque o ar não sai;

- O frasco com o calor fica preto;

- O frasco fica cheio de lume.

Nesse momento foi claro para mim que a maior parte das previsões das crianças não vinham de encontro ao propósito da minha questão. Compreendi que tinha de fazer um esforço de descentração de mim próprio e ir no encalço das ideias dos alunos.

Análise interpretativa

Pensamento dialógico do professor
Esta discrepância entre o propósito do professor e o entendimento que dele faz o aluno é uma situação muito comum na sala de aula, da qual o professor muitas vezes não chega a tomar consciência.

Para melhorar a qualidade do ensino é necessário desenvolver o pensamento dialógico do professor em oposição ao pensamento unilógico. O professor com pensamento dialógico tem a capacidade de se colocar no ponto de vista do aluno, valorizando, de forma genuina, as ideias e modos de pensar dos alunos, na medida em que desenvolveu a compreensão de que essa é a via para que as crianças pensem realmente. A discrepância entre o propósito que o professor tem em mente, com as actividades de ensino, e a interpretação que dela fazem os alunos, adoptando estes propósitos não coincidentes com os do professor, dificulta a comunicação na sala de aula e reduz as possibilidades da aprendizagens pessoalmente significativas para os alunos.

sábado, 22 de novembro de 2008

FAZER OS ALUNOS PENSAR SOBRE AS SUAS IDEIAS: promover aprendizagens de superior qualidade!

ESTUDO DA COMBUSTÃO I
Numa turma do 4º ano fazia-se o estudo experimental da combustão de uma vela dentro de um frasco. Quando a professora solicitou a previsão acerca do que aconteceria, se se invertesse um frasco sobre a vela acesa, houve quem dissesse que a vela se apagaria "porque o frasco tapado não tem ar". Eu, que participava na aula, senti-me impelido a intervir pois esta resposta oferecia boas possibilidades de explorar e discutir ideias. De frasco na mão perguntei se o ar nele contido deixava de existir ao ser tapado com a mão. Ao mesmo tempo que fazia a pergunta eu tapava o frasco. O André Jorge (9 anos) depois de reflectir respondeu:

- O frasco aberto tem mais ar porque pode entrar sempre, o ar entra e sai quando o frasco está aberto.

Perguntei se o frasco podia entrar sempre, por forma a aumentar a quantidade de ar do frasco. O Zé Pedro (9 anos) respondeu:

- Não, porque o frasco tem um certo tamanho.


Após uma razoável discussão, os alunos concluíram que não havia razão para as quantidades de ar serem diferentes antes e depois de se tapar o frasco. A quantidade de ar era determinada pelo tamanho do frasco.

Análise interpretativa

A ideia de que o frasco tapado não tem ar é equivalente à noção encontrada em crianças mais pequenas de que mesmo em recintos fechados não há ar. Por exemplo, uma sala só tem ar se tiver uma janela aberta. Estas ideias sugerem uma noção embrionária de ar indissociável das circunstâncias em que a criança o sente (no rosto, nos cabelos, etc), ou em que são visíveis os seus efeitos (movimento de objectos, abanar de árvores, etc.). A noção de ar da criança é então o ar em movimento, o que, do seu ponto de vista, se torna incompatível com recipientes fechados.

Mas se a criança admite que, antes de tapado, o frasco tem ar e considera que, depois de tapado, deixa de ter ar, há uma consequência lógica com a qual a criança tem que ser confrontada:

- O ar sai instantaneamente quando o frasco é tapado?

Verifica-se que a criança não considera plausível que o ar saia, se já lá estava, e a atenção logo se volta noutra direcção: saber se há mais ar no frasco tapado ou aberto. A ideia de que o frasco aberto tem mais ar, "porque o ar pode entrar sempre" é ainda um reminiscência da noção de ar associada a movimento. Todavia a reflexão e troca de pontos de vista conduz à compreensão de que a quantidade de ar é determinada pela dimensão do frasco.

As crianças têm uma grande capacidade de melhorarem a qualidade das suas ideias quando são estimuladas a pensar sobre as próprias ideias, mesmo antes das evidências experimentais. Embora sejam frequentemente contraditórias, as crianças têm grande apreço pela lógica, reagindo muito positivamente à estimulação tendente à eliminação das suas contradições e incongruências (Sá, 1996, http://hdl.handle.net/1822/8165 ).

Mas podemos olhar este mesmo fenómeno por um outro ponto de vista: o professor que investiga as ideias dos alunos, e ensina no diálogo crítico com essas ideias, é dotado de elevadas competências de ensino e com naturalidade obterá elevadas aprendizagens dos seus alunos.

Na última aula com os meus alunos de Mestrado (1) diziam-me alguns que a forma de actuação acima descrita requer uma grande perspicácia do professor. E eu lhes digo que o Mestrado que estão a frequentar é um programa de treino que os habilitará a serem professores perspicazes, com elevadas competências de perscrutar a mente dos alunos, desse modo ficando aptos a estimular o seu pensamento, promovendo as capacidades cognitivas e elevando a qualidade das aprendizagens. E essas competências serão extensivas a diferentes áreas curiculares.

1) Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico, a decorrer na Universidade do Minho.

sábado, 15 de novembro de 2008

AVALIAÇÃO: OS PROFESSORES TÊM RAZÃO!

Faço um desvio á linha temática deste blog para me pronunciar sobre a grave situação que se vive nas escolas básicas e secundárias, devido à imposição do Modelo de Avalição dos Professores. Li o Decreto Regulamentar da Avaliação, analisei cuidadosamente as fichas e finalmente li as perguntas e respostas do Portal do Ministério da Educação. O que aqui faço é transcrever excertos de texto da responsabilidade do ME, que faço seguir dos meus comentários.
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No Portal do Ministério da Educação consta um resumo do Decreto Regulamentar da Avaliação dos Professores (Decreto Regulamentar nº2/2008 de 10 de Janeiro). Aí lê-se que a avaliação de desempenho tem como referência os objectivos e as metas fixados no projecto educativo e no plano anual de actividades dos agrupamentos e das escolas, podendo ainda considerar os objectivos definidos no projecto curricular de turma (artigo 8º).

Comentário:

Se “o projecto curricular de turma” consubstancia os objectos de aprendizagem dos alunos, nas diferentes áreas curriculares, e a consequente acção do professor na sala de aula, pode-se então concluir que não é isso o principal foco de interesse da avaliação dos professores. Só a título subsidiário esse aspecto é referido: “podendo ainda considerar…” . O que parece ser verdadeiramente importante na acção do professor é o que é periférico à acção de ensinar e fazer aprender, tais como “projecto educativo e plano anual de agrupamentos e escolas” – um tipo de expressões que são fundamentalmente muita parra e pouca uva. Por isso os professores ficam nas escolas até ás 9 da noite em intermináveis reuniões (frequentemente 9, 10, 11 e 12 horas na escola, como tenho constatado), em vez de prepararem as suas aulas e preservarem uma vida familiar saudável, numa sociedade progressivamente desestruturada e desumanizada.

Analisei as respostas e questões do Portal do ME, de que dou conta a seguir, com os meus comentários (faço notar que essa lista de respostas e questões já foi alterada).

P: Quem avalia os professores?

R: Os professores são avaliados nas suas escolas pela direcção executiva e pelos professores coordenadores de departamento curricular. O presidente do Conselho Executivo pode delegar a avaliação nos restantes membros da direcção executiva, e os coordenadores do departamento curricular podem delegá-la noutros professores titulares. Os professores responsáveis pela avaliação são, em regra, os professores mais experientes.

Comentário

A avaliação de professores é uma competência de grande complexidade e exigência, que requer formação a ser fornecida por especialistas, que podem ser recrutados em instituições de formação de professores. Tem que haver alguma forma de habilitar e certificar as competências de avaliador. A condição de professor coordenador ou membro do Conselho Executivo não confere em si mesmo, como que por magia, competência para a avaliação dos professores.

P: O que se avalia no desempenho dos docentes?

R: A avaliação incide sobre duas dimensões do trabalho docente: (1) (...) (2) e um momento de avaliação, realizado pela direcção executiva, que avalia o cumprimento do serviço lectivo e não lectivo (assiduidade), a participação do docente na vida da escola (por exemplo, o exercício de cargos/funções pedagógicas), o progresso dos resultados escolares dos alunos e o contributo para a redução do abandono escolar, a formação contínua, a relação com a comunidade (em particular com os pais e os encarregados de educação), entre outros.

Comentário

Um dos parâmetros de avaliação será então o "progresso dos resultados escolares dos alunos e o contributo para a redução do abandono escolar”. Esta formulação atira para os ombros do professor todo o peso da responsabilidade pelos resultados escolares e pelo abandono escolar. No actual clima de controlo e sentimento de bode expiatório que a classe carrega, esse sentimento torna-se mais acentuado. Ora, sabemos bem que para tais resultados concorrem múltiplos factores, entre os quais o professor é apenas um deles, e muitas vezes o de menor relevância. Isto é particularmente válido no que diz respeito ao abandono escolar. (Que pode fazer o professor perante filhos de famílias desestruturadas, sem meios para ter uma refeição diária, que vivem o tempo todo na rua, etc.?)

O melhor contributo que um professor pode dar para os bons resultados dos seus alunos e para contrariar o abandono escolar é uma genuína prática de ensino responsável e com a melhor qualidade que lhe é possível. Todavia a prévia fixação de metas, em torno de resultados que escapam ao seu controlo, sem que seja possível estabelecer um critério válido para as previsões, tenderá a impor sobre o professor o stress de ter que inventar “expedientes” para se apresentar em conformidade com os padrões de uma “boa avaliação”, subvertendo assim o carácter genuíno das práticas de ensino. Este cenário tende a transformar o ensino numa “engenharia mecanicista” para satisfazer padrões externos ao que deveria ser a saudável dinâmica de uma comunidade de aprendizagem turma-professor.

P: Como se faz a avaliação?

R: A avaliação (...) Inicia-se pela definição de objectivos individuais e inclui o preenchimento da ficha de auto-avaliação, a observação de aulas, a análise de documentação, e culmina com o preenchimento das fichas de avaliação pelos avaliadores, a realização de entrevista individual dos avaliadores com o respectivo avaliado e, finalmente, a realização da reunião dos avaliadores para atribuição da avaliação final. Está também prevista uma conferência de validação das propostas de avaliação com a menção qualitativa de Excelente, de Muito Bom ou de Insuficiente pela comissão de coordenação da avaliação.

Comentário

São evidentes os sinais de que os professores e as escolas não sabem como lidar com isto. O resultado mais óbvio que até hoje se conhece é uma atmosfera de vigilância, de controlo e de profundo mal-estar nas escolas. É isso que os professores têm revelado sentir e é isso que têm repudiado de forma maciça. Nesta luta estão unidos os professores avaliadores e os professores avaliados - os avalidos não confiam nas decisões dos avaliadores e os avaliadores não confiam em si próprios para tomar as decisões que têm de tomar. Esta desconfiança e insegurança só podem suscitar sentimentos de desorientação e revolta. Tais estados de alma afastam a atenção dos professores do que deve ser uma tranquila dedicação aos seus alunos. Eu diria mais: o que as imagens fazem chegar a nossas casas são o desespero dos professores, perante os discursos autistas da Ministra e do Primeiro-Ministro, que apregoam a normalidade. Já ninguém pode acreditar que acreditem no que dizem.

P: E os professores e as escolas estão preparados para avaliar?

R: Sim. Por um lado, os professores estão bastante familiarizados com o acto de avaliar, uma vez que a avaliação dos seus alunos é uma componente essencial e permanente do seu trabalho.

Comentário

Presumir que o facto de os professores avaliarem os seus alunos os habilita para a avaliação de professores é de uma tão grande demagogia que só a ignorância de quem não sabe do que fala pode explicar. Aquele “sim” [os professores e as escolas estão preparados], face ao estrondoso clamor dos professores é um insulto.

P: Como se mede o progresso dos resultados escolares?
Comentário 1
Começo por comentar a pergunta. Os “resultados escolares” são as notas, dadas pelo professores, que podem exprimir ou não a qualidade das aprendizagens. Falar de notas e de qualidade de aprendizagens são pois coisas bem distintas. Nos tempos que correm, o País está possuído de um estranho ilusionismo que toma a classificação, o certificado, o canudo, etc. como sinónimos de sucesso, de mérito, independentemente de como são obtidos e do que valem em termos de conhecimentos e competências. Esse fenómeno percorre todos os escalões de ensino, desde o 1º ciclo ao mestrado e doutoramento nas universidades. Um trabalho sério em favor do conhecimento e competência efectivos deve começar pela honestidade do labor de cada dia, pondo de parte o pensamento nas notas. Essas serão o sucedâneo natural do trabalho rigoroso e sério do quotidiano dos professores e alunos. E esse é o melhor caminho para melhorar os índices de literacia em estudos internacionais, onde as notas dadas pelos professores nada contam.

R: (...) As escolas têm muitos instrumentos de avaliação do progresso dos resultados escolares. Pode contabilizar-se o progresso dos resultados escolares dos alunos no ano/disciplina face ao ano lectivo anterior; o progresso das aprendizagens verificado, por exemplo, relativamente a um teste diagnóstico realizado no início do ano;

Comentário 2
A ideia-chave não é afinal “resultados escolares”, mas sim “progresso dos resultados escolares”. O professor terá que ter sempre em mente a nota que o aluno já teve e a nota que lhe virá a dar. Para ter boa avaliação é de toda a conveniência fazer subir a média da turma. Quem pode garantir que esta situação não vai induzir mecanismos de defesa, como dar melhores notas do que as do ano anterior, apenas para evidenciar o desejado “progresso”? Isto é absolutamente contrário ao rigor, exigência e honestidade necessários a) para melhorar a qualidade das aprendizagens dos alunos, e b) para promover o desenvolvimento profissional dos professores.

A sugestão de um teste diagnóstico para medir o “progresso dos resultados escolares” brada aos céus - venha de lá um pingo de bom-senso. Só quem nunca foi professor não sabe que o teste diagnóstico destina-se, por definição, a dar ao professor conhecimentos sobre o grau de preparação dos alunos, em determinada matéria, no momento em que inicia o processo de ensino, a fim de melhor decidir como e por onde começar. Jamais um teste diagnóstico poderá servir para verificar se no final do ano houve progresso dos resultados. Com bom ou mau ensino, os alunos terão sempre melhores resultados num determinado teste no final do ano do que no início. Se a diferença for nula é porque o professor teve 100% de absentismo.

P: Considerar o progresso dos alunos vai inflacionar as notas?

R: Isso não é possível, porque não são as notas que contam, mas, sim, os progressos observados. Por outro lado, existem mecanismos que impedem a mera inflação artificial das notas: são comparados resultados dos alunos num ano com os do ano anterior, com outros alunos da mesma disciplina e com outras disciplinas da mesma turma, ou com os objectivos definidos pelas escolas. Estão também definidos mecanismos de correcção de desvios, tendo em conta as diferenças entre classificações internas e classificações externas. Esta é, aliás, uma falsa questão; que releva do desconhecimento do trabalho docente e do processo de avaliação. Desde logo porque as classificações são públicas, comparáveis, recorríveis e facilmente escrutináveis. Mas também, e principalmente, porque as notas têm de ser fundamentadas em vários elementos de avaliação aferidos e validados pelos professores e pelos órgãos de gestão pedagógica das escolas. Os conselhos de turma e os conselhos pedagógicos têm uma intervenção fundamental no controlo da avaliação dos alunos. Além disso, o facto de os objectivos individuais e das escolas serem definidos pelos professores no seu conjunto é a principal garantia de que não há enviesamentos inflacionistas, por um lado, e de que é tido em conta o contexto socioeducativo, por outro.

Comentário - conclusão

Se a confusão já era grande, ao chegar a este naco de prosa não consigo mais resistir ao esforço de tentar ser esclarecido pelas perguntas-respostas do Portal do ME. Interrogo-me se compreende o que diz quem escreveu este último parágrafo. Interrogo-me se quis dizer alguma coisa, de facto, ou quis apenas proferir palavras, num exercício gratuito de pseudo-erudição (vejo muito disso …). E interrogo-me acima de tudo se há um pequeno vislumbre do caos que tudo isso representa, se tomado à letra, fosse objecto de um ensaio prático.

As fichas que analisei cuidadosamente não permitem a tomada de decisões fiáveies, válidas e criteriosas. Para cada enunciado genérico, cada avaliador tem apenas como referência a sua experiência de professor, o que dará lugar a uma disparidade de critérios impossível de gerir. Sem formação em avaliação e sem um período experimental, com a correspondente avaliação, não é possível erguer um sistema de avaliação justo, que inspire confiança entre os professores, que potencie efectivamente a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos, bem como o desenvolvimento profissional dos professores.
Concluo que:

OS PROFESSORES TEM RAZÃO!

JAMAIS ESTE MODELO DE AVALIAÇÃO PODE TER SIDO OBJECTO DE UM TRABALHO DE CONSTRUÇÃO REFLECTIDA, IMBUÍDO DE UM SENTIDO DE RESPONSABILIDADE PLENA, COMPATÍVEL COM A COMPLEXIDADE DO PROBLEMA QUE SE PROPÕE RESOLVER.

É POSSÍVEL UM MODELO SIMPLIFICADO, VÁLIDO, CREDÍVEL E EXEQUÍVEL!

ESTE MODELO DEVE SER SUSPENSO PARA DAR LUGAR A UM OUTRO!

PROPOSTAS? CLARO QUE HÁ PROPOSTAS. PROCURANDO, SEM SECTARISMO POLÍTICO, HÁ MASSA CRÍTICA NO PAÍS PARA CONTRIBUIR PARA UMA BOA SOLUÇÃO.

A EDUCAÇÃO NÃO PODE CONTINUAR A SER O CAMPO DE BATALHA EM QUE ESTÁ TRANSFORMADA!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

UM BARCO "FUNDO" AGUENTA MAIS PESO

De facto o esquema explicativo leve-flutua e pesado-afunda não resolve uma grande variedade de fenómenos sobre o comportamento dos objectos na água, com que a criança já está familiarizada. Se evocarmos esse conhecimento do quotidiano e ajudarmos a criança a fazer o confronto desse conhecimento com uma "teoria" que exibe num determinado momento, ela tomará consciência de que há algo de errado no seu pensamento. Desse modo a criança torna-se mentalmente activa e inicia um processo de construção de novas teorias que sejam coerentes com o seu conhecimento.Por exemplo, a criança sabe que um navio é pesado, e no entanto flutua; e que o grão de areia é muito mais leve que o navio, e no entanto afunda-se.

Um bocado de plasticina afunda-se na água, mas se for moldada em forma de barco flutua. Isso é algo que as crianças descobrem ao tentarem moldar a plastician de diferentes modos. Todavia nem todo o "barco" de plasticina flutua.

O Óscar (10 anos) tentava construir um barco de plasticina, mas a cada tentativa de o fazer flutuar na água da bacia ele afundava-se. Argumentava então o Nelson (10 anos) que a água não tinha força que chegue para aguentar o barco.

- Que fazer então?

- Pôr mais água na bacia, respondeu o Óscar.

Atendendo ao ponto de vista da criança, considerando a sua limitada experiência, a sugestão avançada apresenta uma lógica aparentemente incontestável. Se um homem não consegue pôr em movimento um carro empanado, talvez dois o consigam, talvez três... Este conhecimento tem-no o Óscar a partir da sua experiência. Da sua experiência ele sabe igualmente que a quantidade de que é feita uma estrutura é tanto maior quanto maior o peso que tiver que sustentar: uma ponte para passagem de automóveis, camiões, comboios, etc., tem incomparavelmente mais madeira, mais ferro, mais cimento armado, do que uma simples passagem aérea para passagem de peões. Por que não pensar então que maior quantidade de água teria "força" suficiente para fazer flutuar o barco (1)?

O Óscar fez exactamente aquilo que era sugerido pela sua explicação para o facto de o barco não flutuar: encheu a bacia até cima e colocou novamente o barco na água. Constatou que o barco continuava a afundar-se e abandonou a sua hipótese de que a quantidade de água tinha importância. Olhando os outros barcos a flutuar em pouca água, concluiu que o problema poderia estar no próprio barco. O Luis diz que as paredes do barco devem ser altas. O Óscar empenhava-se agora na construção de um barco com paredes bem altas.

No diálogo com os alunos, num apelo à constante reflexão sobre o que eles próprios estavam conseguindo fazer e observar, surgiu a ideia de que quanto mais fundo for o barco (maior concavidade) melhor ele flutua. Eis-nos perante uma hipótese que as observações sugerem.

- Haverá alguma maneira de termos a certeza de que é realmente assim ?

Então o Nelson sugere fazer-se dois barcos, com concavidades diferentes, e ver qual aguenta mais peso.

- Com que quantidades de plasticina vamos fazer os barcos?

- Duas barras para cada barco, foi a resposta.

Tendo-se discutido o plano de investigação nos seus múltiplos aspectos, processo em que os alunos já vinham a ser treinados, foi realizada a investigação. Apresenta-se a título de exemplo, os dados da investigação de um grupo de alunos.


Barco Grande: tamanho da concavidade - 25 cm3; numero de taxas que sustenta - 93

Barco Pequeno: tamanho da concavidade - 12 cm3; numero de taxas que sustenta - 28

O procedimento de medição da dimensão da concavidade foi uma questão difícil de resolver, que exigiu muita reflexão e discussão na turma. Acabou por ser reconhecido que o volume de água que a concavidade pode conter é equivalente ao volume da concavidade. Assim, utilizando um recipiente graduado com determinada quantidade de água, deitou-se água na concavidade até esta ficar cheia. O volume da concavidade é dado pelo resultado da diferença entre o volume de água inicial no recipiente e o volume de água no final.


1) Evidentemente pode-se argumentar desde logo que no mar a quantidade de água é imensa, e no entanto nem todos os objectos flutuam aí. Mas essa discussão é já outra fase de abordagem da questão.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO: uma condição fundamental da aprendizagem!

O sentimento de liberdade de comunicação na sala de aula (1) é uma condição básica de uma frutuosa aprendizagem. Isso pressupõe a ausência de juízos precipitados por parte de pais e professores sobre o que está “errado” no que a criança diz (2). Se esta interioriza, que a expressão do que vai na sua mente tem um elevado risco de ser julgado como errado, tende a evitar esse juízo, calando-se. Na criança contrai-se o corpo e a mente em vez da expansão. O fluxo do pensamento e das ideias pára e a qualidade da aprendizagem fica mais pobre.

Qualquer comentário da criança pode ser incorporado na dinâmica da aprendizagem, sem juízos de valor negativos (3). Note-se que se a criança bloqueia a comunicação, não há lugar para as ideias menos boas mas também não há para as ideias brilhantes. E muitas das ideias “erradas” revelam uma elevada capacidade imaginativa - ao comunicá-las a criança expressa a sua criatividade e cria oportunidades de reflexão colectiva.

Recordo-me de uma aula de uma turma do 2º ano, em que a professora-estagiária abordava os meios de comunicação. A dada altura referia-se aos correios, tendo um aluno dito que costumava meter cartas no marco do correio para o pai, que estava em França. Perguntou então a professora como é que as cartas metidas no marco chegavam a França. O Luís (7 anos), tropeçando nas palavras, dizia com entusiasmo que “por baixo da terra os homens tinham feito um furo muito grande, que chegava até à França, e que as cartas iam por aí”.

Numa das aulas seguintes os alunos faziam bolinhas de plasticina e colocavam-nas na água de uma bacia, verificando o seu afundamento. Foi então colocado aos alunos a seguinte questão:

- Haverá alguma forma de fazer a plasticina flutuar?

Os alunos achatam a plasticina, fazem uma “salsicha”, fazem bonecos com pernas e braços, etc. Todas as tentativas resultavam infrutíferas, quando o Luís disse bem alto para todos:

- Vou fazer um “barco”!

Moldou uma concavidade na plasticina, colocou-a cuidadosamente na água e, para espanto e alegria de todos, a plasticina ficou a flutuar. Toda a turma se empenhava então a fazer “barquinhos” de plasticina.

O Luís era a mesma criança que imaginava um “furo” debaixo da terra para as cartas chegarem à França.

- Caro leitor, será então verdade que os corpos leves flutuam e os pesados vão ao fundo?
- Será verdade que um grão de areia é pesado e um navio é leve?
- Que dizem a isto os seus filhos?


1) Esta noção de liberdade não faz a apologia do professor sem autoridade; pelo contrário, a autoridade é indispensável em qualquer professor. Esta liberdade está ao serviço de uma clima de trabalho sério e responsável. As crianças são capazes de entender isto muito bem.
2) Pomos de parte considerações sobre os castigos corporais da escola salazarista.
3) Não consideramos aqui os exercícios gratuitos de exibicionismo ou de chamadas de atenção injustificadas.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O VULCÃO: "UM MONTE A PEGAR FOGO"!

Antigamente a escola presumia (e frequentemente ainda é assim) que, ao ser abordado um determinado tópico científico do currículo escolar, a mente da criança era uma espécie de receptáculo vazio, no que diz respeito a esse tópico. Competia então ao professor "verter" o conhecimento da lição para a mente da criança. Isso era (e ainda é frequentemente...) ensinar. A criança supostamente deixava entrar aquela informação na sua mente, mantendo-se muito atenta ao professor. Isso seria aprender.

Mas, para mostrar que tinha aprendido, basicamente o aluno tinha que memorizar os enunciados da lição, que estavam no livro, e depois repeti-los com as mesmas palavras (1). Por isso, para o professor, usar uma linguagem pessoal para dar a lição, ou simplesmente ler o livro na aula, é por vezes tido como indiferente.

Entretanto sabemos, já há bastante tempo, que a memorização sem compreensão não é aprendizagem (2). E sabemos também que a mente da criança não é o tal receptáculo vazio pronto a ser preenchido. Como foi referido em post anterior as crianças constróem de forma espontânea as suas teorias sobre o mundo físico natural que as rodeia (Ex:. o "penedo" que crese...).

Mas há uma nova realidade que precisa igualmente de ser considerada pelos professores:

A mente das crianças está recheada de grande quantidade de imagens, informação e conhecimentos resultantes da sua interacção com a TV e outros meios audio-visuais. E as crianças são capazes de compreender o significado de certos modelos representativos de uma realidade que não está directamente acessível.

Exemplo disso é o caso do vulcão: "um monte a pegar fogo".

É um facto que os fenómenos de vulcanismo não constituem uma realidade tangível no quotidiano crianças. Todavia constatou-se, numa turma de jardim-de-infância, que muitas crianças têm conhecimentos sobre esse assunto e desenvolvem boas aprendizagens a partir das ideias iniciais.

Enquanto observam cartões ilustrados com vulcões em actividade dizem:

- “há uma explosão e sai fumo”
(Rui, 5 anos);
- “parece um monte a pegar fogo”
(Patrícia, 5 anos).

Perante a proposta de um grupo de alunas-educadoras de construírem um (modelo) vulcão, uma criança manifesta receio dizendo que “é perigoso”. E ao longo do desenvolvimento da actividade incorporam facilmente os termos “vulcão” e “lava” e explicam que não gostariam de morar nas proximidades de um vulcão “porque a lava escorre pelo monte até às casas” (Patrícia, 5 anos) e que “a lava é perigosa porque queima” (Sara, 5 anos).

O momento em que o modelo de vulcão entra em erupção as crianças experimentam um misto de medo, curiosidade e encantamento.

1) Durante o meu ensino secundário nunca entendi nada acerca da Lei de Arquimedes e no entanto terei repetido vezes sem conta que "um corpo mergulhado no seio de um líquido, fica sujeito à acção de uma força vertical, dirigida de baixo para cima, de valor igual ao peso do volume de líquido deslocado". Perceberam? A ideia de "seio de um líquido" fazia-me muita confusão. Então o líquido tinha seios? E esta coisa de "peso de volume de líquido deslocado"? Um verdadeiro quebra cabeças! Estávamos no equivalente ao 9º ano de hoje. Mas acabávamos por perceber que "saber" era simplesmente dizer aquilo direitinho de cor, e o que parecia ser um quebra-cabeças deixava de o ser.

2) Mesmo na tabuada, que toda a gente deve saber de cor, não se pode dispensar a compreensão por parte do aluno de que quando diz 8x5=40, está a referir-se a uma soma de 5 parcelas iguais, de valor igual a 8. Lembro-me bem de que a tabuada era memorizada como uma música que se entoava em coro, sem essa compreensão.

domingo, 19 de outubro de 2008

Ciências para crianças:uma recomendação da UNESCO

A Ciência (…) pode ser realmente divertida. As crianças, em qualquer parte do mundo, ficam intrigadas com problemas simples, sejam eles problemas idealizados ou problemas reais identificados no mundo que os rodeia. Se o ensino das Ciências se centrar em tais problemas, explorando as vias de captar os interesses das crianças, nenhuma área curricular pode ser mais motivadora e mais estimulante para as crianças.

(in Harlen, 1983, Reunião de especialistas da UNESCO para o Ensino das Ciências na escola primária, 1980).

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O "penedo" que cresce! A Lua, uma amiga inseparável!

As crianças constroem de forma espontânea as suas teorias sobre o mundo físico natural que as rodeia. No processo de ensino importa perscrutar o pensamento da criança, desvendar essas ideias na sua mente e tomá-las como ponto de partida para promover a aprendizagem. A titulo de exemplo, apresentam-se a seguir dois textos que relatam recordações de infância do autor publicados em Sá, J. (2002). Renovar as Práticas no 1º Ciclo pela Via das Ciências da Natureza. Porto: Porto Ediora , 2º Edição. (pp 31-32)

O "penedo" que cresce!

Num esforço para buscar vagas recordações de infância, lembro-me do fascínio que sobre mim exerciam os "penedos" - rochas que emergiam do solo e patenteavam toda a sua imponência à margem das estradas que sulcavam as montanhas. " Este é mais velho do que aquele, está mais crescido", pensava para comigo. E quando uma pequena porção de rocha aflorava ainda ao nível do solo, era inevitável que "ali estava para nascer um penedo". Naturalmente, quando depois passava uma segunda vez junto de um "penedo" que me despertara a atenção, observava atentamente as suas proporções: "estaria já maior?" Se era já razoavelmente grande, estaria no estado adulto e tal como as pessoas teria deixado de crescer. Caso contrário, era notório que os "penedos" cresciam muito lentamente, de modo que não era perceptível o seu crescimento em curto espaço de tempo. Uma porção de rocha que não estivesse implantada no solo de forma visível não poderia crescer, não era sequer um "penedo".

É evidente que este "conhecimento" acerca dos "penedos" fora construído a partir da minha compreensão sensorial do comportamento das plantas. Por isso os "penedos" nascem e crescem. Se morriam ou não, já não me lembro. Isso requeria o conceito de vida nas plantas que provavelmente eu ainda não teria. Certo é que os "penedos" pareciam ser eternos, enquanto as plantas, pelo menos certas plantas, deixavam de existir ao fim de algum tempo. Na ausência da noção de que as plantas têm vida não poderia dizer que morriam.

A Lua, uma amiga inseparável!

Outra das minhas recordações tem a ver com a Lua. Que medo eu tinha, quando já noite escura, me pediam para fazer um recado qualquer. ( ...) Ah, mas se estava uma noite de luar não havia temor que me apoquentasse. Para além da claridade que afastava os fantasmas da escuridão, a Lua caminhava sempre a par comigo para onde quer que eu fosse. Era uma companheira inseparável. E quantas vezes eu corria o mais que podia para a deixar para trás e mostrar-lhe que seria capaz de chegar primeiro ao meu destino. Mas era em vão: eu corria, corria e ela lá ia sempre a meu lado. E era tão grande a sua lealdade que jamais me quis dar uma lição, correndo ela mais depressa e chegando primeiro. A Lua acompanhava-me para me proteger dos medos e fantasmas; era uma amiga leal e inseparável. Eu tinha para com ela um grande afecto.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Ainda a rã: observações, registos escritos, estratégias, medições e cálculos.

Depois da fase de observações e do registo escrito das mesmas, chegou a altura de os diferentes grupos comunicarem à turma o que tinham para dizer sobre a rã.

Foram referidas as seguintes observações:

- por baixo a rã é branca;
- as patas de trás têm uma membrana interdigital (novo vocábulo aprendido) entre os dedos;
- as patas de trás têm 10 dedos e as da frente têm 8;
- as pernas de trás são mais compridas do que as da frente;
- as pernas de trás funcionam como uma mola;
- têm os olhos salientes (novo vocábulo aprendido);
- a pele não é lisa, têm aspecto granulado (novo vocábulo aprendido);
- faz sempre movimentos com a garganta;
- mantém a cabeça fora da água para respirar;
- têm um risco longitudinal (novo vocábulo aprendido) ao meio das costas;
- faz movimentos na barriga ao respirar;
- a pele é viscosa
(novo vocábulo aprendido).

Os alunos explicam bem a finalidade das patas traseiras maiores e da membrana interdigital. Explicam que se não houvesse membrana, a água passava entre os dedos e era-lhe mais difícil nadar. Falam dos mergulhadores que usam barbatanas para nadar mais depressa e de animais que vivem em meio aquático: o pato e o pinguim.

A professora chama a atenção dos alunos para o movimento da garganta quando inspira e engole ar. É dada informação de que da rã não inspira com nós; aqueles movimento são para engolir ar. Depois a professora pede-lhes que façam de rãs e os alunos de forma divertida engolem ar.

O interesse dos alunos no que cada porta-voz do grupo está a dizer é bem patente quando lhe pedem que fale mais alto.

É introduzida uma nova questão:

- Será possível medir o salto da rã?

O Zé Pedro pergunta se se pretende medir o salto em altura ou em comprimento, tendo sido esclarecido que o que interessa é a distância percorrida em cada salto. Os alunos são solicitados a discutir em grupo a questão, por indicação da professora. Eles revelam nesta altura uma atitude investigativa e uma capacidade de discussão das questões em grupo que dá gosto ver.

Várias soluções foram propostas:

a) fazer uma marca no princípio do salto e outra no fim e medir a distância entre as marcas (esta solução foi sugerida em dois grupos);

b) o André Jorge sugeriu marcar a fita métrica no chão e depois pôr a rã sobre essa fita marcada no chão;

c) outra solução idêntica seria colocar a rã ao lado da fita.

Nestes dois últimos casos os alunos compreenderam a objecção de que a rã muito provavelmente não saltaria na direcção da fita métrica. Então, em alternativa a esta ideia, foi sugerido rodar a fita sobre o ponto fixo inicial para o ponto onde a rã ficasse após o salto.

Mas na discussão geral todos aceitaram que a melhor solução seria a das duas marcas, inicial e final. Os alunos vão então buscar giz e as fitas métricas e passam a fazer a medição dos saltos e os respectivos registos. Fazem-no com eficácia e uma visível satisfação. Cada grupo não se contenta com a medição de um salto e medem vários na tentativa de obterem o mais longo possível.

No final calculam as médias aritméticas dos diversos saltos medidos. De acordo com a aprendizagem anterior que já fizeram de média aritmética, neste caso a média será a distância de cada salto "como se os saltos fossem todos iguais". Resolvem com naturalidade as questões de cálculo propostas, havendo algumas dificuldades em fazer divisões de um número menor (caso em que a distância está expressa em metros) por um número maior. A professora considera que estas questões vieram ajudar a aperfeiçoar os cálculos que exigem o dividendo expresso em décimas/centésimas/milésimas.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

As crianças são a melhor fonte de conhecimento acerca do que é um ensino de qualidade - o caso da rã.


Era um aula em que uma turma de alunos do 4º ano fariam observações sobre rãs. Eu próprio, com a ajuda de um grupo de alunos as tínhamos ido buscar, na margem do rio Cávado e depois fui levá-las ao mesmo local.

Cada grupo tinha uma rã dentro de uma bacia com água - desse modo é facil mantê-las confinadas a esse espaço, evitando-se a desordem que seria vê-as saltar pela sala. A excitação dos alunos era grande. A professora começou por perguntar "o que vamos fazer com o animal"? Várias respostas: "vamos investigar"; "vamos observá-lo"; "vamos fazer o mesmo que com o caracol".

A professora sugere que durante cinco minutos observem e peguem a rã sem a molestarem. Observo que em dois grupos os alunos se dão conta de que a rã é mais escura fora da água do que dentro, algo que eu desconhecia e que prendeu a minha atenção. É visível o interesse e satisfação dos alunos em observarem, mexerem, pegarem nas rãs.

Passado esse tempo é dada a indicação para registarem o maior número de observações. Durante os registos os alunos interrogam-se acerca dos termos a utilizar e sobre como se escrevem. Quando não conseguem resolver as suas dificuldades quanto às palavras necessárias, pedem ajuda ao investigador ou à professora. (...) Num dos grupos viram a rã ao contrário para constatarem que tem a parte de baixo branca.

Os alunos estão completamente absorvidos e, estranhamente, há um clima de serenidade e silêncio que a mim próprio me surpreende. Não resisti, por isso, a pôr-lhes uma pergunta, ainda antes da discussão das observações:

- Imaginem que em vez de terem aqui as rãs dávamos esta aula de outra maneira. Eu dizia-vos por palavras como era a rã, escrevia no quadro para vocês copiarem e até podia fazer um desenho. Que acham vocês de uma aula assim?

Instantaneamente muitos braços se erguem no ar para pedirem a palavra, sendo algumas das respostas as seguintes:

- Nós ficávamos a saber que o Dr Sá sabe coisas acerca da rã mas nós ficávamos sem saber nada;

- O Dr Sá tinha observado uma rã e nós também queríamos observar para aprender como ele;

- Com a rã aqui na sala nós descobrimos por nós mesmos -
diz o Fernando enfatizando o significado das palavras com o gesto de bater com a mão no peito;

- Se o Dr Sá desse esta aula a escrever coisas no quadro nós perdíamos o interesse;

- A professora às vezes diz que desiste das aulas de Ciências por causa do barulho, mas se estas aulas fossem dadas só a escrever no quadro éramos nós que desistíamos.
(Tiago Filomeno, 9 anos).

Fiquei completamente siderado perante a impressionante força da mensagem expressa pelas crianças. Muita da psicologia da aprendizagem contida nos manuais estava ali, dita em palavras simples de crianças de 9/10 anos.

sábado, 11 de outubro de 2008

Tive pena de voltar para Portugal com os meus filhos.

Com a devida autorização, publico uma mensagem que uma colega da UM me enviou:

Professor

Desde que tive um filho no 1º ano da escola inglesa, onde a sala dele era o tal laboratorio de investigação de que fala na sua mensagem, tive sempre pena de ter voltado para Portugal com os meus filhos.

A sala deles tinha de tudo, para fazer medições de sólidos, medições de produtos a utilizar na cozinha, etc. Tinha livros, havia música, e também tinha as cadeiras, as mesas e um espaço amplo onde eles se sentavam em roda, no chão, para falar sobre o dia que chegava ao fim e planear o dia seguinte...

Não sei avaliar quanto isto era diferente de algumas salas que os meus filhos têm tido desde que voltei... Até as cadeiras e as mesas estão frequentemente partidas e não estavam adequadas ao tamanho deles…

Concordo inteiramente consigo e tenho pena que realmente não façam os meus filhos pensar, quando estudam matemática, e não consigam promover a motivação e o gosto dos meus filhos pela leitura.

Sou engenheira e por isso não sei se a minha linguagem exprime bem o que quero dizer em matéria de educação.

Mas, sentar os meus filhos em casa numa mesa a fazer coisas, e acabarmos por pegar em livros da estante, para ir buscar material, fazer trabalhos de recorte e contagem, fazer medições, ir pesquisar no computador, fazer qualquer coisa no computador para completar o trabalho, é simplesmente encantador para mim e para eles e, por isso, não entendo muito bem quando me falam em crianças desmotivadas.

E quando o meu filho me diz que o professor de ciências vai para a aula e quer que estejam calados enquanto ele lê o que está no livro….só me
apetece-me chorar.

Desculpe o meu à-vontade

Um abraço

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Aos meus colegas da Universidade do Minho


Caros colegas

Como pais todos nos interessamos pela educação dos nossos filhos, independentemente da nossa especialidade académica. Como investigador sobre esse nível de ensino, tenho a forte convicção de que é necessário promover uma consciência pública favorável a uma renovação do ensino do 1º ciclo, onde as aprendizagens permanecem a um nível muito pobre face às capacidades das crianças: é muito grande a discrepância e o que as crianças aprendem e o que seriam capazes de aprender. E não são exercícios de propaganda como o Magalhães, a que temos assistido, que vão mudar essa situação.

Em 1936, o Ministro de Educação de Salazar, Carneiro Pacheco, proclamava, em decreto-lei, que O ensino primário elementar trairia a sua missão se continuasse a sobrepor um estéril enciclopedismo racionalista, fatal para a saúde moral e física da criança, ao ideal prático e cristão de ensinar bem a ler, escrever e contar, e exercer as virtudes morais e um vivo amor a Portugal. Essa herança continua lá, sob a forma de um ler, escrever e contar minimalista e mecanicista, segundo métodos que se transmitem de geração em geração.

São estas motivações que me levam a criar o blog http://geniociencia.blogspot.com/ de que vos dou conhecimento.

Deixo aos interessados o link do Repositorium http://hdl.handle.net/1822/8095 que dá acesso a um powerpoint que serviu de base à apresentação pública do Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico (1º ciclo).

Cordiais cumprimentos.
Joaquim Sá

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A invisibilidade do ar - um obstáculo intransponível?

No post anterior vimos que crianças com 5 anos revelam já a noção de que respiram e de que precisam de ar para respirar. Porém, Sutherland (1996), no seu livro O desenvolvimento cognitivo actual, escreve:

Aos 7 e 8 anos de idade, as crianças, geralmente, apercebem-se de que a respiração é essencial à vida humana. Mas foi apenas nos anos mais avançados do ensino primário que se aperceberam que o ar está envolvido no processo e que entra e sai constantemente. (1996: 209-210).

Mais adiante acrescenta o mesmo autor:

A invisibilidade do ar era um problema insuperável até chegarem aos anos mais avançados do ensino primário. (1996: 211).

Comentário:

Mesmo aos olhos de alguns pais mais atentos à educação e desenvolvimento dos seus filhos, tais afirmações carecem de fundamento. Bem antes dos 7/8 anos as crianças desenvolvem a noção de que precisam de respirar para viver. Por outro lado, a mais embrionária noção de respiração é indissociável da experiência pessoal da criança de inspirar e expirar, ou seja, o ar é parte intrínseca da sua noção de respiração.

A invisibilidade do ar não constitui obstáculo a que as crianças, bem antes do fim da escolaridade primária, adquiram muitos conhecimentos e a compreensão de variados fenómenos e factos que envolvem o ar.

Conclusão:

Há ideias que se tomam como absolutamente válidas em função da autoridade científica de determinado autor, em determinada época. Há muitas verdades "intemporais" que estão completamente falidas. E assim, corremos o risco de aceitar e impor aos outros como verdade científica, aquilo que a simples evidencia do quotidiano revela ser falso.

Sutherland, P. (1996). O Desenvolvimento Cognitivo Actual. Lisboa: Instituto Piaget.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

As crianças são contraditórias, mas tem apreço pela lógica.

Sabemos que as crianças são contraditórias, mas isso não significa que não têm apreço pela lógica. Como exemplo demonstrativo apresento-vos um diálogo que travei com um grupo de crianças de 5 anos. Iniciei a discussão com um frasco de viro na mão (ver http://hdl.handle.net/1822/8097):

- O que há dentro deste frasco?, perguntei.
- Não tem nada,
disseram.
- Nada? Já ouviram falar de ar?,
perguntei.
- Já.
- Há ar nesta sala?
- Não, só se abrirmos uma janela.
- Mas vocês respiram ou não dentro da sala?
- Sim, respiramos.
- E o que é preciso para vocês respirarem?
- Ar.
- Então o que é preciso haver na sala para vocês poderem respirar?
- É preciso ar.
- Então na sala há ar ou não?
- Há.
- E dentro deste frasco o que há?
- Tem ar.


Esta situação, a par de muitas outras ocorridas com crianças mais crescidas, põe em evidência o seguinte:

- a falta de lógica da criança tem as suas raízes na ausência de consciência das suas contradições.

Temos, porém, verificado que a criança tem um grande apreço pela lógica, e empenha-se na eliminação da contradição logo que toma consciência dela. A tomada de consciência das contradições e incongruências do seu pensamento, por parte da criança, tem uma importância nuclear na promoção do seu raciocínio lógico. Para isso tem um papel fundamental o desenvolvimento de competências da estimulação reflexiva do adulto. Um dos importantes aspectos desse processo consiste em ajudar a criança a trazer à consciência conhecimentos do quotidiano que já possui, permitindo que ela os confronte com as ideias que está a expressar numa situação de aprendizagem.

É muito corrente as crianças tratarem o conhecimento do quotidiano como dissociado das situações escolares de aprendizagem. Neste caso, as crianças têm já o conhecimento de que respiram e de que precisam de ar para respirar. Todavia, não recorrem a esses conhecimentos para responder se há ar na sala e respondem de forma contraditória com o seu próprio conhecimento.

A este propósito vale a pena evocar do conceito de memória de trabalho (Damásio, 1995). Corresponde à quantidade de informação, imagens, conhecimentos, etc. que são mobilizados em simultâneo e se mantêm activados na mente enquanto o sujeito se confronta com uma questão ou problema. Neste caso, de início os conhecimentos sobre a relação entre ar e respiração estavam fora da memória de trabalho da criança. O questionamento do adulto ajudou a criança a ampliar a sua memória de trabalho, ficando apta a fazer face à questão. Assim foi resolvida a contradição entre o conhecimento que a criança já possuía e a sua ideia inicial de que não existia ar na sala.

domingo, 5 de outubro de 2008

CRIANÇAS, sujeitos reflexivos na aprendizagem! É POSSÍVEL?

Vasculhando alguns documentos antigos, tropecei no texto da intervenção que fiz na sessão pública de apresentação do livro Crianças Aprendem a pensar Ciências: uma abordagem interdisciplinar - Projecto ENEXP (a apresentação do livro esteve a cargo da Professora Maria Odete Valente do Dep. Educação da FCL). Transcrevo aqui as palavras que então proferi (Outubro de 2004), persistindo assim na ideia de que é necessário impulsionar um movimento transformador na educação do país.

Permitam-me que vos diga algumas breves palavras acerca das motivações que estiveram no origem do Projecto ENEXP, do qual resultou a publicação deste livro. Do meu ponto de vista permanece actual a seguinte questão:

- Será que a ideia de uma aprendizagem em que as crianças são sujeitos reflexivos, construtores de ideias e conhecimento, é uma figura de retórica ou é de facto algo que pode tornar-se uma realidade tangível na sala de aula?

O "sim" parece a resposta politicamente correcta, mas é minha convicção que são poucas as pessoas que no seu íntimo acreditam nisso. Frequentemente isso diz-se nos meios académicos porque é assim que "deve ser"...

Penso que prevalece o reconhecimento tácito de que aquela perspectiva não passa de uma ingenuidade, talvez uma ideologia romântica que não resiste ao mais elementar confronto com a realidade. Por vezes admite-se que, com alunos muito inteligentes e em turmas muito pequenas, aquele pensamento pedagógico poderia tornar-se realidade.

Eu não posso deixar de concordar que não é fácil acreditar-se na viabilidade de um ensino em que as crianças, de forma responsável e numa atmosfera de liberdade e comunicação, testam e criam ideias a partir das actividades experimentais, explicitam-nas, reflectem sobre elas, discutem-nas seriamente e, sob orientação do professor, chegam a um consenso em torno da melhor ideia: o conhecimento adquirido. Não é fácil acreditar-se porque essa visão do ensino e da aprendizagem contrasta com a representação que temos de nós próprios como alunos-aprendizes, é algo que não vivenciámos, que não observámos, algo que se afigura afinal estranho e contrário à nossa experiência de vida como estudantes.

Eu só passei realmente a acreditar na perspectiva construtivista e reflexiva da aprendizagem por experiência vivida e partilhada com os alunos, em salas de aula do 1º ciclo, a partir do início dos anos 90. E nessa experiência, as mais optimistas expectativas foram superadas; tive que me libertar de muitas ideias sobre o que é suposto que as crianças sejam capazes de aprender e pensar.

Ficou assim adquirida a convicção de que as experiências de aprendizagem, que tinham sido proporcionadas, eram sentidas como muito importantes pelas crianças e tinham um elevado potencial educativo.

Comecei então a preocupar-me com a operacionalização das práticas de ensino que podem induzir nos alunos um esforço voluntário e autoregulado de pensamento e acção - o questionamento reflexivo é uma competência fundamental do professor.

As "planificações", os enunciado de objectivos e metodologias elucidam-nos muito pouco acerca da natureza das práticas (*). Comecei então a achar importante fazer a narrativa escrita de boas práticas: contar uma aula como quem conta uma história, apresentando os acontecimentos na sua sequência natural, referindo os personagens, as suas acções e partes do seu discurso, dando ênfase a incidentes relevantes, que se tornam objecto de reflexão. Assim se desenvolveu uma poderosa metodologia - os diários de aula - em que os meus alunos têm sido treinados como forma de relatarem e avaliarem as suas práticas. Um bom diário de aula permite ao leitor sentir a atmosfera da aula, visualizar os protagonistas da aprendizagem em acção, fornecendo-lhe assim as bases para replicar um processo semelhante.

O projecto Ensino Experimental – aprender a pensar (Projecto ENEXP) tem como motivação fundamental validar instrumentos que ajudem os professores a construírem boas práticas de ensino experimental reflexivo. O projecto tinha como finalidade conceber e testar na sala de aula guias de ensino experimental das ciências para os primeiros 4 anos de escolaridade. Essas ideias estão expressas num livro que foi enviado ao ex-ministro de Educação Professor Marçal Grilo, tendo este reagido com o apoio e incentivo que me foram transmitidos em audiência para a qual fui convidado.

Mas um projecto tão ambicioso requeria uma equipa muito sólida, recursos apropriados e um sério compromisso - uma verdadeira task-force. Tivemos essa expectativa que não se concretizou. Fizemos o que nos foi possível, cumprindo apenas a parte do projecto correspondente ao 1º ano de escolaridade.

Este livro tem um carácter conceptual e metodológico acerca do projecto; seguir-se-á um outro com publicação dos 8 guias de ensino que foram testados no 1º ano de escolaridade [publicado em 2007].

Obrigado a todos pela vossa presença.

O Magalhães: a vertigem tecnológica dos "ricos" que continuam pobres!

Assino por baixo o que escreve José Pacheco Pereira no Público em 27/09/08:


Há várias perguntas de fundo a fazer, que deveriam ter sido feitas e cuja resposta deveria ser prévia às sessões de propaganda para a televisão. A primeira e mais fundamental das perguntas é a de saber se a distribuição de computadores individuais para as crianças do ensino básico tem sentido pedagógico e utilidade no combate à info-exclusão. Sobre isto a maioria dos pedagogos responde não à primeira e a maioria dos estudos responde também não à segunda questão. Não é unânime a resposta, mas existem muitas dúvidas. Um relatório do Departamento de Educação americano é explícito: "A tecnologia parece ser completamente irrelevante quando se trata de ajudar estudantes a melhorarem os seus níveis de aproveitamento académico." É que nestas coisas nem tudo o que parece evidente para os deslumbrados dos gadgets é verdadeiro.

Não é líquido que um computador individual na sala de aula do ensino básico (o problema é diferente para outros níveis de ensino) possa beneficiar a aquisição das competências básicas, em particular na leitura e na matemática. No caso da leitura é claramente contraproducente, afastando as crianças da leitura "plana", corrida, na fluência do texto, fundamental na ficção e na poesia, a favor de uma leitura em volume, com o uso do hipertexto, com outras virtualidades, mas que não substituem a leitura "literária".(...)A questão essencial é que todas as crianças tenham facilidade de contacto com os computadores, não é ter um computador individual nesta faixa etária. Desse ponto de vista, tem muito mais sentido facilitar a presença de computadores em casa para a família...

E a propósito acrescento o que eu escrevi em 1996, na minha Tese de Doutoramento (http://hdl.handle.net/1822/8165):

Ao longo de anos, tivemos a oportunidade de constatar que as escolas do 1º ciclo de hoje oferecem as mesmas condições de ensino que as escolas frequentadas pelo investigador, há mais de 30 anos. Igualmente se constata que as práticas não sofreram grandes alterações: o livro, lápis e papel (em substituição da lousa de outros tempos) continuam a ser os materiais didácticos praticamente exclusivos. As crianças raramente vêem uma balança e massas marcadas quando lhes são ensinadas as unidades de massa; raramente vêem a medida de litro e seus submúltiplos quando estas noções lhes são ensinadas; aprendem mecanicamente a andar com vírgulas para esquerda e para a direita, sem nunca (...) constatarem experimentalmente que 1 litro é equivalente a 10 decilitros.

Mais recentemente, retomo o assunto em livro publicado em 2007:

Por isso, as nossas crianças não têm a oportunidade de desenvolver os conceitos primários que se constroem na relação directa com os objectos concretos, manipulando-os, sentindo-os e experimentando-os. Sem os conceitos primários faltam os alicerces para a construção do edifício de conceitos indispensáveis à cidadania e a uma formação profissional de qualidade. Grande parte dos alunos universitários, que se vão tornando professores, não sabe se 5 cm3 está mais próximo da capacidade de uma colher de sopa ou da de um garrafão, pela mesma razão que grande parte dos alunos do 4º ano do 1º ciclo não o sabem.

Comentário final:

O Magalhães bem poderá ser um brinquedo, capaz de servir à criança mais um pedaço de vivência virtual, distraindo-a de uma interacção reflexiva com o mundo real, processo insubstituível na construção das aprendizagem básicas. E quanto aos professores, o Magalhães semeia uma mensagem de confusão e desorientação pedagógica.

Estaremos por ventura a esquecer que um cubo, desenhado no monitor de um computador, não passará de um conjunto de linhas num plano, se a criança não o tiver manuseado, sentindo-lhe a forma, o espaço que ocupa, as arestas, as faces, os vértices, a textura, etc?

Será que as crianças que vão ter um "Magalhães", só para si, têm ao seu dispor uma caixa de sólidos geométricos (como o dito cubo), por exemplo?

Recomendo vivamente ao Sr Primeiro-Ministro que mande averiguar quantas escolas do 1º ciclo não têm uma coisa tão simples e barata como essa caixa de madeira. Algo singelo, pedagogicamente importante, como outras coisas simples que lá não estão... que, todavia, jamais justificarão o espectáculo mediático de propaganda.