domingo, 4 de outubro de 2009

Ciências no 1º CEB não pode ser a aplicação de uma carta de controlo!

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

Continuando os dois posts anteriores...

Nas sessões seguintes (guião "Sombras e imagens") continuamos a explorar os factores que influenciam a sombra de um objecto. Considerando as dificuldades identificadas, simplificamos os registos e nalguns casos deixamos de o fazer, devido à sua morosidade e falta de motivação dos alunos e dos professores, com quem eu fazia parceria.

De um modo geral, não conseguimos que os alunos lidassem com as questões-problema, no final, de forma que isso lhes fizesse sentido. Podemos admitir que para isso tenha contribuído a minha inexperiência, bem como a dos professores que acompanhei na orientação destas actividades com crianças. A motivação dos alunos era grande, aparentemente, face à novidade, mas a sua atenção e interesse ficava-se pela observação e manipulação dos materiais. As dificuldades dos alunos faziam com que as actividades se prolongassem por demasiado tempo. Esta experiência parece dar razão ao professor Joaquim Sá, quando afirma que:

«Acresce dizer-se que este tipo de treino dos alunos só está ao alcance de alguém especializado, sendo certo que a cultura profissional dos professores não lhes permite a recepção de tais propostas didácticas, sob a forma de orientações normativas que seriam obrigados a seguir.»

Constatámos alguma apreensão por parte dos alunos quando trabalhávamos sobre a mesma experiência, com o intuito de controlar uma nova variável. O professor Joaquim Sá, tem razão quando chama a atenção para este facto:

«Importa ainda ter-se na devida consideração o facto de as crianças, depois de eventualmente terem estudado a influência de um factor sobre um fenómeno, sentirem-se entediadas com o sentimento de repetição, ao passarem ao estudo de um outro factor, sobre o mesmo fenómeno, e depois outro e outro....».

Para nós, adultos, até achamos que faz muito sentido andar a controlar isto e a aquilo. Mas, e os alunos?

Penso que ao utilizar o caderno de registo, o processo fica comprometido, na medida em que o professor canaliza toda a sua atenção para construir e encaminhar os alunos num processo artificial e moroso. Torna-se artificial dar respostas a um suposto planeamento, ajudado pelo professor.

É conhecida a dificuldade em mobilizar os professores do 1º CEB para o ensino experimental das ciências. Para quem contacta com os professores e alunos, percebe que a dificuldade de implementar experiências na sala de aula, pende sempre para o lado dos professores. Após três anos de implementação do Programa Nacional de Formação de Professores do 1º Ciclo em Ensino Experimental das Ciências, seria interessante conhecer os resultados do programa. Em particular, o impacto junto dos professores e alunos, assim como, a avaliação das aprendizagens que o programa promove ao nível dos alunos.

É muito ambicioso esperar que os professores exploram as actividades tendo em conta as orientações sugeridas pelos guiões. Porquê? A utilização dos os guiões pressupõe uma atitude de investigação-acção e uma grande motivação para as ciências. É difícil encontrar professores com estas características. Adaptando ou não os guiões didácticos para professores à vontade/estilo de cada professor, a verdade é que os efeitos produzidos ficarão muito aquém do esperado.

A promoção das ciências não pode ser o prolongamento do programa de «Ciência Viva» na sala de aula, em que impera a novidade lúdica e a manipulação dos materiais mais ou menos livre. Mas também não pode ter por base a realização de investigações seguindo uma carta de controlo. Eu sei que o espírito do programa nacional não é este… Mas sinto que é demasiado ambicioso, e por isso não posso deixar de considerar que é de ter em conta o seguinte pensamento do professor Joaquim Sá sobre a estrutura da investigação:

«…coloca um patamar de exigência cognitiva de partida que não está ao alcance dos alunos do 1º ciclo. Numa perspectiva vygotskiana, dir-se-á que a tarefa colocada à criança situa-se acima do limite superior da zona de desenvolvimento proximal, o que equivale a dizer que cai claramente fora do alcance cognitivo do aluno. Em vez do envolvimento intelectual e sócio-afectivo desejável gera-se a indiferença e a desmotivação»