sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cancelado programa de Ciências para o 1.º ciclo

Notícia do Público, Bárbara Wong, 13/08/10

O Ministério da Educação decidiu deixar de financiar o Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências do 1.º ciclo, destinado aos docentes deste ciclo de escolaridade. "O programa termina porque cumpriu os objectivos", justificou ontem a tutela, que também confirma o fim do seu financiamento ao abrigo do Programa Operacional do Potencial Humano. Os programas para a Matemática e o Português vão manter-se.

Notícia em:
http://jornal.publico.pt/noticia/13-08-2010/cancelado-programa--de-ciencias--para-o-1%c2%ba-ciclo-20012992.htm

Sobre este programa de formação de professores do Ministério da Educação, por dever de consciência cívica e responsabilidade académica, tomei em tempo a minha posição crítica, tendo enviado o meu parecer à Senhora Ministra da Educação. Aí afirmo:

(…) consideramos que este tipo de proposta didáctica coloca um patamar de exigência cognitiva de partida que não está ao alcance dos alunos do 1º ciclo. Numa pespectiva vygotskiana, dir-se-á que a tarefa colocada à criança situa-se acima do limite superior da zona de desenvolvimento proximal, o que equivale a dizer que cai claramente fora do alcance cognitivo do aluno. Em vez do envolvimento intelectual e sócio-afectivo desejável gera-se a indiferença e a desmotivação dos alunos.

(…) do meu ponto de vista esta abordagem tende a fazer da ciência para crianças num engenharia mecanicista de exercícios repetitivos em volta das variáveis a manipular e controlar. Por isso não a recomendo.

O parecer completo está acessível neste blog em

Foi muito tempo ... tendo as Comissões de Certificação de manuais escolares, designadas pelo ME, adoptado aquele programa como referência, e por via disso frequentemente sugeriram nas suas recomendações que os manuais do 1º ciclo incluissem o padrão de actividades experimentais de manipulação e controlo de variáveis, em termos que são de todo desajustados ao desenvolvimento mental da faixa etária dos alunos do 1º ciclo.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Universidade do Minho cria modelo inovador de ensino experimental das ciências para crianças

"O Instituto de Educação da Universidade do Minho tem vindo a desenvolver uma inovação pedagógica, com a designação de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências no 1º Ciclo, que tem melhorado visivelmente o estilo reflexivo e a auto-confiança das crianças, bem como o seu desenvolvimento das capacidades cognitivas, da linguagem e das competências para resolver novos problemas do quotidiano."

Ver em:

http://www.ie.uminho.pt/ModuleLeft.aspx?mdl=~/Modules/UMEventos/EventoView.ascx&ItemID=3119&Mid=171&lang=pt-PT&pageid=3&tabid=0

http://umonline.uminho.pt/uploads/clipping/NOT_32825/20100811452528063750.pdf

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

UM APELO À INOVAÇÃO EDUCACIONAL

[Texto de introdução a uma nova publicação que está no prelo]

Desde 1990 vem-se desenvolvendo na Universidade do Minho uma linha de investigação e inovação pedagógica sobre o Ensino Experimental das Ciências para crianças. No trabalho continuado ao longo de duas décadas desenvolvemos uma teoria, uma prática de sala de aula e os instrumentos didácticos de suporte ao que designamos de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências (EERC). Nesse processo de ensino parte-se de questões, problemas e fenómenos que se tornam objecto de reflexão e investigação experimental. As situações experimentais são geradoras de diferentes ideias que suscitam a comunicação, a discussão e a argumentação entre os alunos e o professor. E todo o processo é mediado pela acção intencional do professor, que promove uma atmosfera de estimulação do pensamento e da criatividade, baseada em princípios de respeito mútuo, de liberdade de comunicação e de expressão da afectividade.

Os resultados da nossa investigação* demonstram de forma clara que, nesta forma de ensinar, as crianças desenvolvem as suas capacidades cognitivas, melhoram a qualidade das suas aprendizagens no domínios da língua e das ciências**, desenvolvem competências de resolver novos problemas do quotidiano e tornam-se mais reflexivos, face aos seus pares. Os alunos tornam-se pensadores activos e críticos, desenvolvem competências sociais, promovem a sua auto-estima, a motivação intrínseca, a autonomia, a capacidade de tomar decisões e aprendem a lidar de forma positiva com as situações de insucesso. E vivem a aprendizagem com alegria e elevada satisfação pessoal. Esta vivência de aprendizagem promove a inteligência emocional dos alunos, o que eleva o desempenho do seu intelecto e faz deles sujeitos com mais elevada consciência de si próprios.

Propomos neste guia uma investigação orientada pelo professor em que aos alunos:

1. Exprimem os seus conhecimentos e ideias do quotidiano sobre o tópico da aula
2. Discutem essas ideias e fazem previsões de resultados experimentais
3. Testam experimentalmente as suas previsões: plano + execução experimental
4. Fazem observações experimentais e fazem os correspondentes registos
5. Contrastam as previsões com as observações
6. Apresentam novas ideias explicativas e discutem-nas com os seus pares e o professor
7. Ampliam o conhecimento de todos em discussão/reflexão focalizada pelo professor
8. Consolidam e expandem o conhecimento em forma de trabalho escrito na ficha do aluno

As questões-chave apresentadas no início de cada actividade, são as questões que pretendem sugerir ao professor os aspectos centrais a serem objecto de estudo e investigação experimental. As aprendizagens podem ter incidência em diferentes domínios: conceptual, processos científicos e técnicas e procedimentos; isso está assinalado com X em cada tabela de aprendizagens. O domínio conceptual diz respeito aos conhecimentos adquiridos; o domínio dos processos científicos diz respeito às capacidades de construção do conhecimento científico aplicadas e desenvolvidas; o domínio das técnicas e procedimentos diz respeito ao desenvolvimento de destrezas de manipulação dos instrumentos e dos materiais e à execução dos procedimentos experimentais. Na secção O professor ensina os alunos a investigar são apresentadas orientações que pretendem ajudar o professor a conduzir as actividades de ensino experimental.

Estas práticas foram testadas e validadas por outros professores, em diferentes anos de escolaridade. Faço pois um apelo entusiástico a todos para que ousem dar aos seus alunos a oportunidade de realizarem os percursos de aprendizagem aqui propostos.
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*Sá, J. G. (1996). Estratégias de Desenvolvimento do Pensamento Científico em Crianças do 1º Ciclo do Ensino Básico. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga; Sá, J. (2002). Renovar as Práticas no 1º Ciclo pela Via das Ciências da Natureza. Porto: Porto Editora, 2ª edição; Sá, J. com Varela, P. (2004). Crianças Aprendem a Pensar Ciências: uma abordagem interdisciplinar. Porto: Porto Editora; Sá, J. & Varela, P. (2007). Das Ciências Experimentais à Literacia: uma proposta didáctica para o 1º ciclo. Porto: Porto Editora; Varela; P (2010). Ensino Experimental das Ciências no 1º Ciclo: construção reflexiva de significados e promoção de competências transversais. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga.

**Não testámos a hipótese de que o EERC promove melhores desempenhos em Matemática, mas a experiência de sala de aula torna essa hipótese tão plausível quanto as que foram testadas. As capacidades cognitivas são uma ferramenta com que o aluno opera na construção das aprendizagens de diferentes domínios curriculares, o que sustenta essa hipótese.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A avaliação "interna" dos professores: os custos, os benefícios e as alternativas

O modelo de avaliação de professores que vem sendo discutido desde há 4 anos, mantém no actual acordo entre Ministério e Sindicatos parte significativa dos seus aspectos anteriores. Uma das minhas grandes reservas sempre foi a de saber se uma avaliação inter-pares poderá ser justa, promotora de um clima de colaboração e de bom relacionamento entre os professores, de modo a resultar em efectivo benefício da qualidade do ensino e das aprendizagens.

Não é isso que se tem visto no ensaio já efectuado com o modelo anterior. Há sinais de revolta e indignação por parte de professores experientes e dedicados que se sentem humilhados por colegas sem perfil pedagógico, exercendo funções de chefia burocrática, que não perderam tempo e a oportunidade de mostrarem "quem manda", usando o poder da avaliação. Uma forte componente de avaliação externa parece ser essencial não só para evitar fenómenos desta natureza, mas também para que as diferenças de mérito resultantes da avaliação não sejam imputadas pelos professores como "injustiças" praticadas pelos colegas, o que contribuiriria para a degradação do relacionamento no seio da classe. Lídia Jorge, em depoimento ao Público (10/01/10), suscita de certo modo essa questão:

[...] este acordo histórico ainda não terminou. Ele só ficará selado quando Isabel Alçada verificar a que professores, durante estes dois anos, foram atribuídas as notas de excelente, e tirar daí as suas conclusões. Talvez resolva anular os seus efeitos. É que os professores duma escola constituem uma família. Experimentem criar um escalão de avaliação entre os membros duma mesma família que se autovigia. Sobre os métodos de avaliação desejo a Isabel Alçada e aos sindicatos muitas noites de boa maratona.

Alguém de fora da "família" deverá ter um papel importante na avaliação. Do meu ponto de vista essa componente de avaliação externa deverá envolver as instituições de formação.

Outro aspecto que se me afigura muito problemático é o da exigência de observação de aulas. Por mais atributos de objectividade que se pretendam imputar a esse método de avaliação, é sempre uma situação isolada e artificial, e por esse motivo aquele momento é susceptível de múltiplas contingências. Acresce tratar-se de um processo muito trabalhoso, logo, bastante caro, e perturbador da vida das escolas.

Eu avalio intervenções pedagógicas de alunos meus, da formação inicial, da formação contínua e de pós-graduação através de diários de aula (narrativa da aula) método sobre o qual eles recebem formação previamente. Nesse método um professor pode revelar-se um investigador do seu próprio ensino. A natureza dos posts deste blog podem elucidar o leitor sobre o que poderá ser um diário de aula.

Vão já muitos anos de experiência e a validade e a consistência do método têm sido comprovados. Com um ou dois diários de aula e a sua discussão com o avaliador dispensar-se-ia uma maratona de milhares de horas de aula a assistir.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ciências no 1º CEB não pode ser a aplicação de uma carta de controlo!

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

Continuando os dois posts anteriores...

Nas sessões seguintes (guião "Sombras e imagens") continuamos a explorar os factores que influenciam a sombra de um objecto. Considerando as dificuldades identificadas, simplificamos os registos e nalguns casos deixamos de o fazer, devido à sua morosidade e falta de motivação dos alunos e dos professores, com quem eu fazia parceria.

De um modo geral, não conseguimos que os alunos lidassem com as questões-problema, no final, de forma que isso lhes fizesse sentido. Podemos admitir que para isso tenha contribuído a minha inexperiência, bem como a dos professores que acompanhei na orientação destas actividades com crianças. A motivação dos alunos era grande, aparentemente, face à novidade, mas a sua atenção e interesse ficava-se pela observação e manipulação dos materiais. As dificuldades dos alunos faziam com que as actividades se prolongassem por demasiado tempo. Esta experiência parece dar razão ao professor Joaquim Sá, quando afirma que:

«Acresce dizer-se que este tipo de treino dos alunos só está ao alcance de alguém especializado, sendo certo que a cultura profissional dos professores não lhes permite a recepção de tais propostas didácticas, sob a forma de orientações normativas que seriam obrigados a seguir.»

Constatámos alguma apreensão por parte dos alunos quando trabalhávamos sobre a mesma experiência, com o intuito de controlar uma nova variável. O professor Joaquim Sá, tem razão quando chama a atenção para este facto:

«Importa ainda ter-se na devida consideração o facto de as crianças, depois de eventualmente terem estudado a influência de um factor sobre um fenómeno, sentirem-se entediadas com o sentimento de repetição, ao passarem ao estudo de um outro factor, sobre o mesmo fenómeno, e depois outro e outro....».

Para nós, adultos, até achamos que faz muito sentido andar a controlar isto e a aquilo. Mas, e os alunos?

Penso que ao utilizar o caderno de registo, o processo fica comprometido, na medida em que o professor canaliza toda a sua atenção para construir e encaminhar os alunos num processo artificial e moroso. Torna-se artificial dar respostas a um suposto planeamento, ajudado pelo professor.

É conhecida a dificuldade em mobilizar os professores do 1º CEB para o ensino experimental das ciências. Para quem contacta com os professores e alunos, percebe que a dificuldade de implementar experiências na sala de aula, pende sempre para o lado dos professores. Após três anos de implementação do Programa Nacional de Formação de Professores do 1º Ciclo em Ensino Experimental das Ciências, seria interessante conhecer os resultados do programa. Em particular, o impacto junto dos professores e alunos, assim como, a avaliação das aprendizagens que o programa promove ao nível dos alunos.

É muito ambicioso esperar que os professores exploram as actividades tendo em conta as orientações sugeridas pelos guiões. Porquê? A utilização dos os guiões pressupõe uma atitude de investigação-acção e uma grande motivação para as ciências. É difícil encontrar professores com estas características. Adaptando ou não os guiões didácticos para professores à vontade/estilo de cada professor, a verdade é que os efeitos produzidos ficarão muito aquém do esperado.

A promoção das ciências não pode ser o prolongamento do programa de «Ciência Viva» na sala de aula, em que impera a novidade lúdica e a manipulação dos materiais mais ou menos livre. Mas também não pode ter por base a realização de investigações seguindo uma carta de controlo. Eu sei que o espírito do programa nacional não é este… Mas sinto que é demasiado ambicioso, e por isso não posso deixar de considerar que é de ter em conta o seguinte pensamento do professor Joaquim Sá sobre a estrutura da investigação:

«…coloca um patamar de exigência cognitiva de partida que não está ao alcance dos alunos do 1º ciclo. Numa perspectiva vygotskiana, dir-se-á que a tarefa colocada à criança situa-se acima do limite superior da zona de desenvolvimento proximal, o que equivale a dizer que cai claramente fora do alcance cognitivo do aluno. Em vez do envolvimento intelectual e sócio-afectivo desejável gera-se a indiferença e a desmotivação»

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Controlo de variáveis no 1º CEB: pobre de significado para os alunos e frustrante para os professores

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

Actividade B (guião "Sombras e imagens") [ http://sitio.dgidc.min-edu.pt/experimentais/Paginas/Recursos_Didacticos.aspx ]

Voltamos à reflexão iniciada sobre a exploração em sala de aula do guião sobre «Sombras e Imagens», incidindo agora nas actividades B. Com estas actividades pretende-se investigar os factores de que depende a sombra de um objecto.

Questão-problema I: «O que acontece à sombra de um objecto se aumentar o comprimento deste?»

“Antes da experimentação”, como é sugerido, tentámos focar a atenção dos alunos na questão O que vamos mudar… (identificação da variável independente). Fizemos algumas tentativas inicias para induzir aquilo que queríamos que os alunos referissem – o tamanho do objecto. Tínhamos o material à sua frente e estabelecido um diálogo em torno das diferentes dimensões dos objectos. Após essas tentativas infrutíferas, fomos avançando, não ditando, mas quase…

Passámos à questão O que vamos medir… (identificação da variável dependente). Mediante a nossa insistência, os alunos lá iam dizendo que utilizariam a régua para medir.

Seguiu-se O que vamos manter e como… (identificação e modo de controlo das variáveis). Mais uma vez foi muito difícil para os alunos.

Quando se abordou O que e como vamos fazer… os alunos conseguiram expressar alguns procedimentos.

Quando chegámos à tabela Os nossos registos… os alunos mediram e registaram o comprimento de cada objecto. No entanto, a sombra não foi medida três vezes como o sugerido, pois isso não fazia sentido, dava o mesmo valor. Tanto os professores como alunos não percebiam para quê fazer várias medidas do mesmo comprimento, para em seguida se fazer uma média aritmética.

Quanto a O que pensamos que vai acontecer e porquê… foi necessário introduzir questões do género “qual é a tua opinião, a sombra irá ficar maior, menor ou igual?”. Só com este tipo de questões, que contém todas as possíveis respostas, os alunos são capazes seleccionar a opção correcta. Foi necessário proceder do mesmo modo quanto às razões da previsão seleccionada.

Na fase de Experimentação … os alunos alternaram os vários materiais de diferentes tamanhos e observaram e muitos esqueciam-se de medir o comprimento da sombra. A posição dos resultados da medida gerou alguma confusão devido ao formato da tabela: contempla espaços para comprimentos que não foram realizados por considerarmos desnecessário.

Quando chegou A resposta à questão-problema é … pretendíamos fazer um debate em grande grupo. Este é um momento com muito significado para os professores, pela possibilidade que oferece de ficarem a saber que aprendizagem foi realmente conseguida pelos alunos. No entanto, nesta altura os alunos já se apresentam cansados. Na realidade, todo aquele trabalho que supostamente iria convergir para uma clarificação da questão inicial, simplesmente não acontece para a maioria dos alunos. A questão inicial revelou-se, mais uma vez, uma situação nova, desligada do que se supunha ser um processo de investigação.

Um desabafo pessoal…
No fim das sessões, sentia-me com a consciência tranquila, pois tinha dado o meu melhor para aqueles alunos passarem momentos maravilhosos. Por outro, era uma frustração ao sentir que os alunos não conseguem acompanhar o processo. Depois, nas sessões seguintes tentava melhorar mas apareciam novas situações e mantinha-se sempre o mesmo padrão.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Questão-problema, previsão e resposta à questão-problema

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

No ano lectivo 2006/2007 através do Despacho nº 2143/2007, DR, 2ª série, Nº29, 9-02-2007, o Ministério da Educação lançou o «Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências para Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico». Este programa tem sido prorrogado e está previsto até o ano lectivo de 2009/2010. Em consequência deste programa, a comissão técnico-consultiva de acompanhamento concebeu e editou um conjunto de guiões didácticos para apoiar os professores e alunos envolvidos neste programa. Estes recursos didácticos estão à disposição do público interessado, em particular os professores do 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB)
[http://sitio.dgidc.min-edu.pt/experimentais/Paginas/Recursos_Didacticos.aspx ]

No ano lectivo transacto, 2008/2009, tive a oportunidade de explorar na sala de aula, em parceria com os professores titulares de três turmas do 3º ano do 1º CEB, o tópico de experiências com a luz. Isto passou-se em São Martinho, na Ilha da Madeira.

A minha experiência permite-me sustentar alguns dos aspectos apontadas pelo professor Joaquim Sá na sua reflexão sobre a manipulação e controlo de variáveis. As considerações que pretendo fazer dizem respeito ao guião sobre «Sombras e Imagens» incluindo o caderno de registos para crianças. Tendo em vista contribuir para a reflexão necessária, submeto à crítica de todos aqueles que trabalham no terreno. Apresento este primeiro texto a que se seguirá um outro.

Actividade A

Questão-problema I:«Porque não vemos os objectos no escuro?»

Esta actividade revelou-se muito útil e interessante para alunos e professores. O que significa este sucesso? Os trabalhos começaram do seguinte modo: observar um objecto dentro de uma caixa através do orifício. Os alunos foram confrontados com actividades altamente motivadoras, onde tiveram oportunidade de opinar, prever, observar e fizeram registos. As opiniões dos alunos foram de um modo geral no sentido correcto: ver o objecto luminoso ou iluminado e não ver o objecto não iluminado. Ficou claro ser necessário conduzir a actividade com grande atenção às ideias dos alunos, ouvindo e clarificando o significado das palavras "objecto iluminado" e "objecto luminoso". Se as palavras dos alunos não forem aproveitadas nos devidos momentos, origina-se uma confusão entre os dois termos. Foi isso que aconteceu nalgumas turmas. As crianças esquecem-se facilmente do significado de cada uma das palavras “iluminado" e "luminoso” e têm dificuldade em preencher o quadro de registos que é proposto. Por isso, fiquei com dúvidas se devia de insistir muito no termo sem repetir as experiências.

Para as crianças que erravam, demos oportunidade para repetir. Tentámos que o registo fosse efectuado com o material à sua frente e a experimentação acompanhada de algumas questões de modo a diagnosticar possíveis contradições. Resultou? Após a experimentação, foi patente que a maioria dos alunos já não se lembrava da questão-problema de partida. Aqui tinha sempre a mesma dúvida: será mesmo assim? Compreendi esta situação ao ler o que diz o professor Joaquim Sá sobre memória de trabalho: “Uma dimensão muito crítica na planificação de uma investigação (...) é a reduzida memória de trabalho dos alunos, nesta idade.».

Outra dificuldade que surgiu foi o facto de os alunos acharem desnecessário voltar a responder à questão-problema, depois das actividades experimentais. Como já tinham respondido à questão em forma de previsão, ao ser-lhes explicado que depois das actividades deviam voltar a dar uma resposta, ficavam admirados e diziam “já respondi”.

Nas duas sessões seguintes abordámos as questões-problema II e III: «Como se propaga a luz?» e «Será que todos os materiais se deixam atravessar pela luz?», respectivamente. Estas decorreram de uma forma muito semelhante à primeira sessão. Na previsão da questão-problema II, desenharam rectas a partir de uma fonte luminosa. A palavra «propagação» mereceu algumas considerações, pois os alunos não sabiam o seu significado. O discurso que utilizei passava pela exemplificação de um determinado percurso/caminho (isto é, a trajectória). Geralmente a trajectória desenhada pelos alunos contempla rectas. O registo na tabela - visibilidade da luz através de uma mangueira, em curva, em linha recta e com um nó (vejo a luz; não vejo a luz) - revelou-se relativamente fácil. Foi mais difícil estabelecer a relação entre os resultados da experimentação “vejo a luz” e o facto desta viajar em linha recta. Por último, mais uma vez, esqueceram-se da questão inicial. As suas respostas iam ao encontro das suas previsões pictóricas iniciais.

Relativamente à questão-problema III, decorreu de modo semelhante à II, despertando muito interesse. Os professores distribuíram vários materiais pelos alunos: cartão, papel, vegetal, acetato não colorido, acetato colorido, plástico, espelho e celofane colorido. De acordo com o que observavam ou não através do material, registaram na tabela (vejo o objecto: nítido, pouco nítido, não vejo o objecto). Alguns materiais geraram algumas contradições interessantes. Foi o caso do espelho. Alguns afirmavam que o espelho deixava passar a luz. Gerava um debate interessante e o(s) aluno(s) tentavam corrigir a contradição.

Foi moroso seleccionar os objectos/materiais tendo em conta os seguintes grupos: a) materiais através dos quais foi possível ver o objecto de forma nítida; b) materiais através dos quais não foi possível ver o objecto de forma nítida; e c)materiais através dos quais não foi possível ver o objecto. Após esta sistematização, os materiais ficavam classificados de acordo com as suas características: transparentes, translúcidos, opacos. Por último, a resposta à questão-problema surgiu como algo de novo e quando foram relembrados das previsões, não ficaram admirados como tinha acontecido na questão anterior. Pelo contrário, ao constatarem que tinham errado na previsão, mostravam interesse em responder correctamente, pois a maioria tinha previsto apenas uma possibilidade (deixa-se atravessar ou não se deixa atravessar pela luz).

Comentário:

A memória de trabalho pode ser treinada e desenvolvida. Ela é tanto mais crítica quanto maior for a "distância" entre a questão-problema e o retorno final à questão-problema.