domingo, 5 de outubro de 2008

CRIANÇAS, sujeitos reflexivos na aprendizagem! É POSSÍVEL?

Vasculhando alguns documentos antigos, tropecei no texto da intervenção que fiz na sessão pública de apresentação do livro Crianças Aprendem a pensar Ciências: uma abordagem interdisciplinar - Projecto ENEXP (a apresentação do livro esteve a cargo da Professora Maria Odete Valente do Dep. Educação da FCL). Transcrevo aqui as palavras que então proferi (Outubro de 2004), persistindo assim na ideia de que é necessário impulsionar um movimento transformador na educação do país.

Permitam-me que vos diga algumas breves palavras acerca das motivações que estiveram no origem do Projecto ENEXP, do qual resultou a publicação deste livro. Do meu ponto de vista permanece actual a seguinte questão:

- Será que a ideia de uma aprendizagem em que as crianças são sujeitos reflexivos, construtores de ideias e conhecimento, é uma figura de retórica ou é de facto algo que pode tornar-se uma realidade tangível na sala de aula?

O "sim" parece a resposta politicamente correcta, mas é minha convicção que são poucas as pessoas que no seu íntimo acreditam nisso. Frequentemente isso diz-se nos meios académicos porque é assim que "deve ser"...

Penso que prevalece o reconhecimento tácito de que aquela perspectiva não passa de uma ingenuidade, talvez uma ideologia romântica que não resiste ao mais elementar confronto com a realidade. Por vezes admite-se que, com alunos muito inteligentes e em turmas muito pequenas, aquele pensamento pedagógico poderia tornar-se realidade.

Eu não posso deixar de concordar que não é fácil acreditar-se na viabilidade de um ensino em que as crianças, de forma responsável e numa atmosfera de liberdade e comunicação, testam e criam ideias a partir das actividades experimentais, explicitam-nas, reflectem sobre elas, discutem-nas seriamente e, sob orientação do professor, chegam a um consenso em torno da melhor ideia: o conhecimento adquirido. Não é fácil acreditar-se porque essa visão do ensino e da aprendizagem contrasta com a representação que temos de nós próprios como alunos-aprendizes, é algo que não vivenciámos, que não observámos, algo que se afigura afinal estranho e contrário à nossa experiência de vida como estudantes.

Eu só passei realmente a acreditar na perspectiva construtivista e reflexiva da aprendizagem por experiência vivida e partilhada com os alunos, em salas de aula do 1º ciclo, a partir do início dos anos 90. E nessa experiência, as mais optimistas expectativas foram superadas; tive que me libertar de muitas ideias sobre o que é suposto que as crianças sejam capazes de aprender e pensar.

Ficou assim adquirida a convicção de que as experiências de aprendizagem, que tinham sido proporcionadas, eram sentidas como muito importantes pelas crianças e tinham um elevado potencial educativo.

Comecei então a preocupar-me com a operacionalização das práticas de ensino que podem induzir nos alunos um esforço voluntário e autoregulado de pensamento e acção - o questionamento reflexivo é uma competência fundamental do professor.

As "planificações", os enunciado de objectivos e metodologias elucidam-nos muito pouco acerca da natureza das práticas (*). Comecei então a achar importante fazer a narrativa escrita de boas práticas: contar uma aula como quem conta uma história, apresentando os acontecimentos na sua sequência natural, referindo os personagens, as suas acções e partes do seu discurso, dando ênfase a incidentes relevantes, que se tornam objecto de reflexão. Assim se desenvolveu uma poderosa metodologia - os diários de aula - em que os meus alunos têm sido treinados como forma de relatarem e avaliarem as suas práticas. Um bom diário de aula permite ao leitor sentir a atmosfera da aula, visualizar os protagonistas da aprendizagem em acção, fornecendo-lhe assim as bases para replicar um processo semelhante.

O projecto Ensino Experimental – aprender a pensar (Projecto ENEXP) tem como motivação fundamental validar instrumentos que ajudem os professores a construírem boas práticas de ensino experimental reflexivo. O projecto tinha como finalidade conceber e testar na sala de aula guias de ensino experimental das ciências para os primeiros 4 anos de escolaridade. Essas ideias estão expressas num livro que foi enviado ao ex-ministro de Educação Professor Marçal Grilo, tendo este reagido com o apoio e incentivo que me foram transmitidos em audiência para a qual fui convidado.

Mas um projecto tão ambicioso requeria uma equipa muito sólida, recursos apropriados e um sério compromisso - uma verdadeira task-force. Tivemos essa expectativa que não se concretizou. Fizemos o que nos foi possível, cumprindo apenas a parte do projecto correspondente ao 1º ano de escolaridade.

Este livro tem um carácter conceptual e metodológico acerca do projecto; seguir-se-á um outro com publicação dos 8 guias de ensino que foram testados no 1º ano de escolaridade [publicado em 2007].

Obrigado a todos pela vossa presença.

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