terça-feira, 11 de novembro de 2008

UM BARCO "FUNDO" AGUENTA MAIS PESO

De facto o esquema explicativo leve-flutua e pesado-afunda não resolve uma grande variedade de fenómenos sobre o comportamento dos objectos na água, com que a criança já está familiarizada. Se evocarmos esse conhecimento do quotidiano e ajudarmos a criança a fazer o confronto desse conhecimento com uma "teoria" que exibe num determinado momento, ela tomará consciência de que há algo de errado no seu pensamento. Desse modo a criança torna-se mentalmente activa e inicia um processo de construção de novas teorias que sejam coerentes com o seu conhecimento.Por exemplo, a criança sabe que um navio é pesado, e no entanto flutua; e que o grão de areia é muito mais leve que o navio, e no entanto afunda-se.

Um bocado de plasticina afunda-se na água, mas se for moldada em forma de barco flutua. Isso é algo que as crianças descobrem ao tentarem moldar a plastician de diferentes modos. Todavia nem todo o "barco" de plasticina flutua.

O Óscar (10 anos) tentava construir um barco de plasticina, mas a cada tentativa de o fazer flutuar na água da bacia ele afundava-se. Argumentava então o Nelson (10 anos) que a água não tinha força que chegue para aguentar o barco.

- Que fazer então?

- Pôr mais água na bacia, respondeu o Óscar.

Atendendo ao ponto de vista da criança, considerando a sua limitada experiência, a sugestão avançada apresenta uma lógica aparentemente incontestável. Se um homem não consegue pôr em movimento um carro empanado, talvez dois o consigam, talvez três... Este conhecimento tem-no o Óscar a partir da sua experiência. Da sua experiência ele sabe igualmente que a quantidade de que é feita uma estrutura é tanto maior quanto maior o peso que tiver que sustentar: uma ponte para passagem de automóveis, camiões, comboios, etc., tem incomparavelmente mais madeira, mais ferro, mais cimento armado, do que uma simples passagem aérea para passagem de peões. Por que não pensar então que maior quantidade de água teria "força" suficiente para fazer flutuar o barco (1)?

O Óscar fez exactamente aquilo que era sugerido pela sua explicação para o facto de o barco não flutuar: encheu a bacia até cima e colocou novamente o barco na água. Constatou que o barco continuava a afundar-se e abandonou a sua hipótese de que a quantidade de água tinha importância. Olhando os outros barcos a flutuar em pouca água, concluiu que o problema poderia estar no próprio barco. O Luis diz que as paredes do barco devem ser altas. O Óscar empenhava-se agora na construção de um barco com paredes bem altas.

No diálogo com os alunos, num apelo à constante reflexão sobre o que eles próprios estavam conseguindo fazer e observar, surgiu a ideia de que quanto mais fundo for o barco (maior concavidade) melhor ele flutua. Eis-nos perante uma hipótese que as observações sugerem.

- Haverá alguma maneira de termos a certeza de que é realmente assim ?

Então o Nelson sugere fazer-se dois barcos, com concavidades diferentes, e ver qual aguenta mais peso.

- Com que quantidades de plasticina vamos fazer os barcos?

- Duas barras para cada barco, foi a resposta.

Tendo-se discutido o plano de investigação nos seus múltiplos aspectos, processo em que os alunos já vinham a ser treinados, foi realizada a investigação. Apresenta-se a título de exemplo, os dados da investigação de um grupo de alunos.


Barco Grande: tamanho da concavidade - 25 cm3; numero de taxas que sustenta - 93

Barco Pequeno: tamanho da concavidade - 12 cm3; numero de taxas que sustenta - 28

O procedimento de medição da dimensão da concavidade foi uma questão difícil de resolver, que exigiu muita reflexão e discussão na turma. Acabou por ser reconhecido que o volume de água que a concavidade pode conter é equivalente ao volume da concavidade. Assim, utilizando um recipiente graduado com determinada quantidade de água, deitou-se água na concavidade até esta ficar cheia. O volume da concavidade é dado pelo resultado da diferença entre o volume de água inicial no recipiente e o volume de água no final.


1) Evidentemente pode-se argumentar desde logo que no mar a quantidade de água é imensa, e no entanto nem todos os objectos flutuam aí. Mas essa discussão é já outra fase de abordagem da questão.

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