domingo, 21 de junho de 2009

Rolhas, esferovite, bolas para evidenciar a força de Impulsão

Jorge Gouveia, seguidor deste blog, é Professor de Física e Química na ilha da Madeira. Desde 2005 dedica parte do seu tempo livre a promover actividades experimentais de ciências com crianças do Pré-Escolar e do 1º Ciclo. Escreveu no post anterior o comentário que aqui reproduzo e comento de seguida.

Em parceria com os professores do 1º ciclo tenho explorado com alunos do 1º ano a flutuabilidade dos objectos utilizando diversos materiais. Tenho seguido algumas das suas sugestões de exploração, tais como as que refere para explorar o conceito de impulsão. As rolhas são muito boas para fazer isso, mas como as crianças têm revelado conhecer a esferovite, consegue-se pedaços deste material ainda maior, o que se revela mais eficiente, porque muitas vezes ao pressionar a rolha, esta tem tendência a se desviar ou rodar e a criança tem dificuldade em sentir a força de impulsão. As crianças gostam deste tipo de experiências, deste modo cria-se um ambiente para questioná-las sobre o que estão a sentir assim como confrontar com outros objectos. Acho que não tenho conseguido explorar o facto de outros objectos sofrerem uma impulsão. É preciso estar concentrado na linguagem das crianças, e no 1º ano é um desafio. Continuarei a tentar.

Visto que de um modo geral os professores do primeiro ciclo utilizam a palavra peso em vez de densidade, mesmo sabendo que são conceitos distintos, gosto muito de utilizar a folha de alumínio para abordar o conceito de densidade. Encorajo as crianças a amachucar o papel com o pé, até que este fique espremido e afunda na água. Nesta actividade a questão do peso surge sempre, tanto por parte dos professores como dos alunos, mas é aí que conseguimos evidenciar a contradição. Numa sessão do 1º ano uma das crianças ao ser questionada sobre as razões da flutuabilidade de um determinado objecto, referiu que esse objecto afundava porque “era mais denso”. Quis saber onde é que tinha aprendido essa palavra, e constatei que tinha sido no canal televisivo O PANDA. Penso eu, que foi num programa em que o PANDA visitou o museu da marinha e o oficial explicou como é que funciona um submarino utilizando um tubo de ensaio e uma rolha. A partir daí comecei a olhar com outros olhos para o canal PANDA.


O meu comentário

Meu caro Jorge Gouveia, muito obrigado pelo seu comentário. Tomo a liberdade de aqui o trazer para ilustrar a natureza do debate que é necessário fazer sobre a Educação nas nossas escolas, a a saber: trazer para o primeiro plano a discussão e reflexão sobre a qualidade das aprendizagens dos alunos, sobre o como se processam e sobre o papel que nelas devem assumir os professores. Isso implica deslocar o enfoque da retórica generalista e macrossistémica para o ser e o saber-fazer na sala de aula, na acção de ensinar. O grande desafio da formação é o de ser capaz de promover no futuro professor a construção do ser e do saber fazer de uma relação pedagógica fecunda para levar o aluno a aprender algo (matemática, ciências, língua materna, ...etc.).

Sobre o conteúdo do seu comentário tenho a dizer o seguinte. Concordo com as suas objecções acerca da funcionalidade das rolhas para evidenciar a impulsão; na verdade eu não explicitei que o modo como as costumo usar consiste em espetar-lhe uma agulha no centro de uma das bases e depois, com a ajuda de uma palhinha de refresco comprida, pode-se empurrá-la para o fundo, mantendo-se a agulha introduzida na palhinha. Se se utilizar um recipiente alto transparente, pode-se observar o movimento ascendente no seio do líquido, ao abandonar a rolha no fundo.

Concordo igualmente com a sua ideia de utilizar pedaços grandes de esferovite para fazer as crianças "sentirem o força de impulsão", como diz - gostei muito desta sua expressão pela forma como transpõe o conceito para o plano da experiência directa da criança. Sugiro igualmente a utilização de bolas grandes que fazem as crianças tomar consciência de como é difícil levá-las ao fundo de um balde com água. As crianças fazem força para baixo e a água não "deixa", faz força para cima.

Acho muito pertinente a sua observação sobre a necessidade de se "estar concentrado na linguagem das crianças". É fundamental captar a linguagem das crianças, descortinar-lhes os significados subjacentes para, questionando-as, as engajar num processo reflexivo gerador de significados mais enriquecidos, expressos em novas linguagens, que são afinal as aprendizagens. É na linguagem das crianças que se pode ancorar uma interacção pedagógico-didáctica inteligente.

No seu comentário faz referência à confusão entre peso e densidade nos professores. Esse é um outro problema da formação: o défice de conhecimentos dos professores nas áreas curriculares de docência.

Finalmente, em relação ao caso da criança que refere a densidade para explicar o afundamento de um corpo, que terá aprendido no canal PANDA, eu seria cauteloso em relação à ideia de que a criança esteja a usar o conceito de densidade. É mais provável uma mera correspondência linguística sem que haja o conceito. A criança pode memorizar uma correspondencia do tipo "mais denso" vai com "afundar" e "menos denso" vai com "flutuar", o que não deixa de ser uma aquisição relevante. As crianças gostam de usar palavras novas, sentem-se "importantes" na medida em que isso as distinga das demais. Temos que que ir mais fundo na pesquisa dos significados para sabermos quando é que há conceito ou apenas correspondência de termos.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sugestões para os professores sobre flutuação-afundamento

Nos 1º/2º anos de escolaridade é importante que os alunos comecem por observar e descrever os fenómenos de flutuação e afundamento, que façam previsões sobre o comportamento de determinados objectos, que registem as suas observações e que confrontem as suas observações com as previsões. É igualmente importante aceder às suas teorias e, na medida do possível, dar aos alunos as primeiras oportunidades de testarem as suas ideias.

Prosseguindo, sugerimos uma abordagem experimental e de questionamento orientada para a compreensão de que a água exerce uma acção sobre os objectos. Alunos do 1º/2º ano de escolaridade, ao observarem e serem questionados sobre a ascensão de uma rolha de cortiça no seio da água, são capazes de explicar o fenómeno nestes termos: “a água empurra a rolha para cima”. Daí poder-se-á evoluir para a formulação de que a “água faz força na rolha para cima”. A partir do momento em que os alunos compreendem que a água exerce uma força sobre os objectos, podemos introduzir o termo impulsão para designar essa força.

As crianças começam por admitir uma força sobre os objectos que sobem e ficam a flutuar, mas têm mais dificuldade em reconhecer que essa força se exerce igualmente sobre os objectos que afundam; falta o efeito observável da força – subir e ficar a flutuar. Deverá então explorar-se a possibilidade de as crianças generalizarem a ideia de que a água exerce uma força sobre todo e qualquer objecto nela introduzido, independentemente de flutuar ou não. Esta generalização é uma aprendizagem de valor cognitivo claramente superior à de que a água exerce uma força sobre os objectos que flutuam. O questionamento reflexivo é uma competência fundamental do professor no sentido de estimular o pensamento dos alunos.

– Vejamos o prego. Será que a água também empurra o prego para cima?

– Na mesma água há um prego e uma rolha. Por que razão a água “escolheu” empurrar a rolha e se “esqueceu” do prego?

Será de explorar até que ponto faz sentido para as crianças que “a água também empurra o prego, mas não tem força que chegue para o fazer subir”.

Também ao nível dos 3º e 4º anos é desejável que se faça esta abordagem, no caso de os alunos estarem pela primeira vez a estudar estes fenómenos. Depois, recomenda-se uma orientação para o desenvolvimento da compreensão de que o comportamento do objecto na água é o resultado do balanço entre duas forças. Numa experiência imaginária, em que subitamente a água fosse retirada do recipiente, é claro para os alunos que o objecto a flutuar cairia no fundo do recipiente. Porquê? Os alunos compreenderão que é o peso dos corpos que os faz cair (“o peso puxa para baixo”). E poderão então compreender que os objectos introduzidos na água ficam sujeitos a duas forças se sentidos contrários: o peso a impulsão. Uma figura, em que as duas forças são representadas através de segmentos de recta orientados (vectores), tornará mais claro o modelo do objecto sujeito à acção de duas forças.

Recorrendo a situações experimentais de afundamento e de ascensão, no seio da água, seguida de flutuação, poderemos então fazer os alunos reflectir sobre a relação de grandeza entre o peso e a impulsão, em cada uma das situações. Podem ocorrer as seguintes possibilidades:

a) Peso menor do que a Impulsão [ P< I]

O corpo sobe no seio do líquido, até á superfície, ocorrendo a situação b)

b) Peso igual à Impulsão
[ P = I ]

O corpo flutua.
Ao chegar à superfície, parte do volume do corpo fica fora do líquido, o que origina a diminuição do valor da impulsão que iguala então o valor do peso. Os alunos deverão reflectir sobre o facto de um corpo estar todo mergulhado enquanto sobe e ficar parcialmente de fora do líquido, quando flutua.

c) Peso superior à Impulsão [ P > I ]

O corpo afunda-se.

Finalmente poderão ser objecto de investigação situações em que os objectos se afundam ou flutuam, consoante modificações neles introduzidas (folha de papel de alumínio comprimida afunda; plasticina em forma de barco flutua). Estas investigações poderão levar à construção de relações entre as modificações efectuadas e o aumento/diminuição da “força da água”, a impulsão.

Nota final

Tendo em vista a compreensão científica dos fenómenos aqui tratados, condição necessária para uma adequada reflexão e compreensão das questões didácticas suscitadas, recomenda-se o estudo dos seguintes tópicos científicos:
- fluido;
- massa, volume e densidade;
- força, peso e impulsão;
- a relação do valor da impulsão com a parte do corpo submersa no fluido;
- condições de flutuação, considerando:
i) a relação de grandeza entre o peso do corpo e o valor da impulsão;
ii) a relação de grandeza entre a densidade média do corpo e a densidade do fluido.

Indo um pouco mais além, poderá ainda estudar-se como é que os fluidos geram forças verticais, dirigidas para cima, sobre os corpos. A impulsão é a resultante das forças de pressão exercidas pelo fluido sobre os corpos nele imersos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Flutuação-afundamento: o resultado de um jogo de forças aplicadas sobre o objecto

Excerto do diário de aula
No início da aula (4º ano de escolaridade) sobre flutuação-afundamento, ainda antes de qualquer actividade experimental, questionei os alunos: - Porque razão há objectos que flutuam e objectos que se afundam? Foi sugerido aos alunos que discutissem a questão em grupo, o que era já um hábito de muitas aulas anteriores. (…) No grupo 2 diz-se: a plasticina vai ao fundo porque é mais pesada do que a água; a água empurra para cima mas a água não aguenta a plasticina. Há um aluno que comenta: é como se tivesse os braços a segurar. (…) O Tiago do grupo 4 afirma: a água tem força.

Análise interpretativa
Há já o conhecimento de que um pedaço de plasticina se afunda, sendo porém reconhecido, de forma muito clara, que água exerce sobre o objecto uma força dirigida para cima. De forma menos explícita há alunos que revelam a compreensão de que a "força da água" se opõe à tendência natural do corpo para cair: a água empurra para cima mas a água não aguenta a plasticina. Das palavras destes alunos é possível inferir um modelo de duas acções de sentidos opostos, e que o comportamento do corpo depende do balanço entre essas duas acções: peso do corpo, para baixo, e impulsão, para cima.

Excerto do diário de aula
Na parte final da aula, depois de concluídas as actividades experimentais (1), suscitei a discussão com vista a levar os alunos a considerar duas forças sobre o corpo de cuja relação depende a flutuabilidade. Por analogia com a situação de um objecto sustentado sobre a minha mão, os alunos reconhecem que a mão faz força sobre o objecto, do mesmo modo que a água faz força sobre o barco que flutua. – A água faz força para cima ou para baixo? – perguntei. – Para cima, respondem vários alunos de forma peremptória. Com naturalidade os alunos introduzem a expressão força da água. – Porque é necessária a força da água para os corpos flutuarem?, perguntei. – Por causa da força do corpo, responde o Alexandre (9 anos). Proponho que reflictam sobre o que é a "força do corpo". O Tiago responde que é o peso dele. (…). A ideia de que as duas forças têm sentidos inversos está clara na seguinte formulação: A força da água empurra para cima e a força do corpo puxa para baixo. O Filomeno (8 anos) foi chamado ao quadro e desenhou um corpo a flutuar com as setas correspondentes ao peso e à impulsão com os respectivos sentidos. O Zé Pedro não teve dúvidas de que as forças eram iguais no caso da flutuação, mas vários alunos inclinavam-se para a ideia de que para ocorrer a flutuação a "força da água" tem que ser maior do que o peso.

Análise interpretativa
As ideias que já tinham sido expressas no início da aula manifestam-se agora com maior clareza. O corpo, depois de introduzido na água, fica sujeito a duas forças de sentidos opostos: A força da água empurra para cima e a força do corpo puxa para baixo, dizem os alunos. A força do corpo, dirigida para baixo, é o peso dele. Não foi introduzido o termo impulsão, mas cremos que os alunos assimilariam com facilidade essa nova palavra. A representação gráfica das duas forças, surgiu com uma naturalidade não esperada, da parte de um aluno com menos de 9 anos de idade. O modelo de duas forças de sentidos inversos actuando sobre o corpo, revelou-se bem mais acessível do que imaginávamos. Pelo contrário, a noção de conservação do peso, quando introduzimos modificações num corpo, revelou-se ser de grande complexidade.

1) As actividades experimentais são:
a) uma bolinha de papel de alumínio flutua e, depois de comprimida, afunda-se. A compressão causa uma diminuição de volume e, por isso, passa a ser menor o volume de líquido deslocado, logo a impulsão diminui. O peso passa então ser maior do que a impulsão e, consequentemente, dá-se o afundamento;
b) uma bolinha de plasticina afunda-se e, depois de moldada em forma de barco, flutua. A forma de barco faz com que o volume de plasticina imerso na água passe a ser maior, logo aumenta o volume de água deslocado e, consequentemente aumenta o valor da impulsão. O valor da impulsão passa a igualar o peso, ocorrendo assim a flutuação.