Jorge Gouveia, seguidor deste blog, é Professor de Física e Química na ilha da Madeira. Desde 2005 dedica parte do seu tempo livre a promover actividades experimentais de ciências com crianças do Pré-Escolar e do 1º Ciclo. Escreveu no post anterior o comentário que aqui reproduzo e comento de seguida.
Em parceria com os professores do 1º ciclo tenho explorado com alunos do 1º ano a flutuabilidade dos objectos utilizando diversos materiais. Tenho seguido algumas das suas sugestões de exploração, tais como as que refere para explorar o conceito de impulsão. As rolhas são muito boas para fazer isso, mas como as crianças têm revelado conhecer a esferovite, consegue-se pedaços deste material ainda maior, o que se revela mais eficiente, porque muitas vezes ao pressionar a rolha, esta tem tendência a se desviar ou rodar e a criança tem dificuldade em sentir a força de impulsão. As crianças gostam deste tipo de experiências, deste modo cria-se um ambiente para questioná-las sobre o que estão a sentir assim como confrontar com outros objectos. Acho que não tenho conseguido explorar o facto de outros objectos sofrerem uma impulsão. É preciso estar concentrado na linguagem das crianças, e no 1º ano é um desafio. Continuarei a tentar.
Visto que de um modo geral os professores do primeiro ciclo utilizam a palavra peso em vez de densidade, mesmo sabendo que são conceitos distintos, gosto muito de utilizar a folha de alumínio para abordar o conceito de densidade. Encorajo as crianças a amachucar o papel com o pé, até que este fique espremido e afunda na água. Nesta actividade a questão do peso surge sempre, tanto por parte dos professores como dos alunos, mas é aí que conseguimos evidenciar a contradição. Numa sessão do 1º ano uma das crianças ao ser questionada sobre as razões da flutuabilidade de um determinado objecto, referiu que esse objecto afundava porque “era mais denso”. Quis saber onde é que tinha aprendido essa palavra, e constatei que tinha sido no canal televisivo O PANDA. Penso eu, que foi num programa em que o PANDA visitou o museu da marinha e o oficial explicou como é que funciona um submarino utilizando um tubo de ensaio e uma rolha. A partir daí comecei a olhar com outros olhos para o canal PANDA.
O meu comentário
Meu caro Jorge Gouveia, muito obrigado pelo seu comentário. Tomo a liberdade de aqui o trazer para ilustrar a natureza do debate que é necessário fazer sobre a Educação nas nossas escolas, a a saber: trazer para o primeiro plano a discussão e reflexão sobre a qualidade das aprendizagens dos alunos, sobre o como se processam e sobre o papel que nelas devem assumir os professores. Isso implica deslocar o enfoque da retórica generalista e macrossistémica para o ser e o saber-fazer na sala de aula, na acção de ensinar. O grande desafio da formação é o de ser capaz de promover no futuro professor a construção do ser e do saber fazer de uma relação pedagógica fecunda para levar o aluno a aprender algo (matemática, ciências, língua materna, ...etc.).
Sobre o conteúdo do seu comentário tenho a dizer o seguinte. Concordo com as suas objecções acerca da funcionalidade das rolhas para evidenciar a impulsão; na verdade eu não explicitei que o modo como as costumo usar consiste em espetar-lhe uma agulha no centro de uma das bases e depois, com a ajuda de uma palhinha de refresco comprida, pode-se empurrá-la para o fundo, mantendo-se a agulha introduzida na palhinha. Se se utilizar um recipiente alto transparente, pode-se observar o movimento ascendente no seio do líquido, ao abandonar a rolha no fundo.
Concordo igualmente com a sua ideia de utilizar pedaços grandes de esferovite para fazer as crianças "sentirem o força de impulsão", como diz - gostei muito desta sua expressão pela forma como transpõe o conceito para o plano da experiência directa da criança. Sugiro igualmente a utilização de bolas grandes que fazem as crianças tomar consciência de como é difícil levá-las ao fundo de um balde com água. As crianças fazem força para baixo e a água não "deixa", faz força para cima.
Acho muito pertinente a sua observação sobre a necessidade de se "estar concentrado na linguagem das crianças". É fundamental captar a linguagem das crianças, descortinar-lhes os significados subjacentes para, questionando-as, as engajar num processo reflexivo gerador de significados mais enriquecidos, expressos em novas linguagens, que são afinal as aprendizagens. É na linguagem das crianças que se pode ancorar uma interacção pedagógico-didáctica inteligente.
No seu comentário faz referência à confusão entre peso e densidade nos professores. Esse é um outro problema da formação: o défice de conhecimentos dos professores nas áreas curriculares de docência.
Finalmente, em relação ao caso da criança que refere a densidade para explicar o afundamento de um corpo, que terá aprendido no canal PANDA, eu seria cauteloso em relação à ideia de que a criança esteja a usar o conceito de densidade. É mais provável uma mera correspondência linguística sem que haja o conceito. A criança pode memorizar uma correspondencia do tipo "mais denso" vai com "afundar" e "menos denso" vai com "flutuar", o que não deixa de ser uma aquisição relevante. As crianças gostam de usar palavras novas, sentem-se "importantes" na medida em que isso as distinga das demais. Temos que que ir mais fundo na pesquisa dos significados para sabermos quando é que há conceito ou apenas correspondência de termos.