domingo, 4 de outubro de 2009

Ciências no 1º CEB não pode ser a aplicação de uma carta de controlo!

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

Continuando os dois posts anteriores...

Nas sessões seguintes (guião "Sombras e imagens") continuamos a explorar os factores que influenciam a sombra de um objecto. Considerando as dificuldades identificadas, simplificamos os registos e nalguns casos deixamos de o fazer, devido à sua morosidade e falta de motivação dos alunos e dos professores, com quem eu fazia parceria.

De um modo geral, não conseguimos que os alunos lidassem com as questões-problema, no final, de forma que isso lhes fizesse sentido. Podemos admitir que para isso tenha contribuído a minha inexperiência, bem como a dos professores que acompanhei na orientação destas actividades com crianças. A motivação dos alunos era grande, aparentemente, face à novidade, mas a sua atenção e interesse ficava-se pela observação e manipulação dos materiais. As dificuldades dos alunos faziam com que as actividades se prolongassem por demasiado tempo. Esta experiência parece dar razão ao professor Joaquim Sá, quando afirma que:

«Acresce dizer-se que este tipo de treino dos alunos só está ao alcance de alguém especializado, sendo certo que a cultura profissional dos professores não lhes permite a recepção de tais propostas didácticas, sob a forma de orientações normativas que seriam obrigados a seguir.»

Constatámos alguma apreensão por parte dos alunos quando trabalhávamos sobre a mesma experiência, com o intuito de controlar uma nova variável. O professor Joaquim Sá, tem razão quando chama a atenção para este facto:

«Importa ainda ter-se na devida consideração o facto de as crianças, depois de eventualmente terem estudado a influência de um factor sobre um fenómeno, sentirem-se entediadas com o sentimento de repetição, ao passarem ao estudo de um outro factor, sobre o mesmo fenómeno, e depois outro e outro....».

Para nós, adultos, até achamos que faz muito sentido andar a controlar isto e a aquilo. Mas, e os alunos?

Penso que ao utilizar o caderno de registo, o processo fica comprometido, na medida em que o professor canaliza toda a sua atenção para construir e encaminhar os alunos num processo artificial e moroso. Torna-se artificial dar respostas a um suposto planeamento, ajudado pelo professor.

É conhecida a dificuldade em mobilizar os professores do 1º CEB para o ensino experimental das ciências. Para quem contacta com os professores e alunos, percebe que a dificuldade de implementar experiências na sala de aula, pende sempre para o lado dos professores. Após três anos de implementação do Programa Nacional de Formação de Professores do 1º Ciclo em Ensino Experimental das Ciências, seria interessante conhecer os resultados do programa. Em particular, o impacto junto dos professores e alunos, assim como, a avaliação das aprendizagens que o programa promove ao nível dos alunos.

É muito ambicioso esperar que os professores exploram as actividades tendo em conta as orientações sugeridas pelos guiões. Porquê? A utilização dos os guiões pressupõe uma atitude de investigação-acção e uma grande motivação para as ciências. É difícil encontrar professores com estas características. Adaptando ou não os guiões didácticos para professores à vontade/estilo de cada professor, a verdade é que os efeitos produzidos ficarão muito aquém do esperado.

A promoção das ciências não pode ser o prolongamento do programa de «Ciência Viva» na sala de aula, em que impera a novidade lúdica e a manipulação dos materiais mais ou menos livre. Mas também não pode ter por base a realização de investigações seguindo uma carta de controlo. Eu sei que o espírito do programa nacional não é este… Mas sinto que é demasiado ambicioso, e por isso não posso deixar de considerar que é de ter em conta o seguinte pensamento do professor Joaquim Sá sobre a estrutura da investigação:

«…coloca um patamar de exigência cognitiva de partida que não está ao alcance dos alunos do 1º ciclo. Numa perspectiva vygotskiana, dir-se-á que a tarefa colocada à criança situa-se acima do limite superior da zona de desenvolvimento proximal, o que equivale a dizer que cai claramente fora do alcance cognitivo do aluno. Em vez do envolvimento intelectual e sócio-afectivo desejável gera-se a indiferença e a desmotivação»

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Controlo de variáveis no 1º CEB: pobre de significado para os alunos e frustrante para os professores

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

Actividade B (guião "Sombras e imagens") [ http://sitio.dgidc.min-edu.pt/experimentais/Paginas/Recursos_Didacticos.aspx ]

Voltamos à reflexão iniciada sobre a exploração em sala de aula do guião sobre «Sombras e Imagens», incidindo agora nas actividades B. Com estas actividades pretende-se investigar os factores de que depende a sombra de um objecto.

Questão-problema I: «O que acontece à sombra de um objecto se aumentar o comprimento deste?»

“Antes da experimentação”, como é sugerido, tentámos focar a atenção dos alunos na questão O que vamos mudar… (identificação da variável independente). Fizemos algumas tentativas inicias para induzir aquilo que queríamos que os alunos referissem – o tamanho do objecto. Tínhamos o material à sua frente e estabelecido um diálogo em torno das diferentes dimensões dos objectos. Após essas tentativas infrutíferas, fomos avançando, não ditando, mas quase…

Passámos à questão O que vamos medir… (identificação da variável dependente). Mediante a nossa insistência, os alunos lá iam dizendo que utilizariam a régua para medir.

Seguiu-se O que vamos manter e como… (identificação e modo de controlo das variáveis). Mais uma vez foi muito difícil para os alunos.

Quando se abordou O que e como vamos fazer… os alunos conseguiram expressar alguns procedimentos.

Quando chegámos à tabela Os nossos registos… os alunos mediram e registaram o comprimento de cada objecto. No entanto, a sombra não foi medida três vezes como o sugerido, pois isso não fazia sentido, dava o mesmo valor. Tanto os professores como alunos não percebiam para quê fazer várias medidas do mesmo comprimento, para em seguida se fazer uma média aritmética.

Quanto a O que pensamos que vai acontecer e porquê… foi necessário introduzir questões do género “qual é a tua opinião, a sombra irá ficar maior, menor ou igual?”. Só com este tipo de questões, que contém todas as possíveis respostas, os alunos são capazes seleccionar a opção correcta. Foi necessário proceder do mesmo modo quanto às razões da previsão seleccionada.

Na fase de Experimentação … os alunos alternaram os vários materiais de diferentes tamanhos e observaram e muitos esqueciam-se de medir o comprimento da sombra. A posição dos resultados da medida gerou alguma confusão devido ao formato da tabela: contempla espaços para comprimentos que não foram realizados por considerarmos desnecessário.

Quando chegou A resposta à questão-problema é … pretendíamos fazer um debate em grande grupo. Este é um momento com muito significado para os professores, pela possibilidade que oferece de ficarem a saber que aprendizagem foi realmente conseguida pelos alunos. No entanto, nesta altura os alunos já se apresentam cansados. Na realidade, todo aquele trabalho que supostamente iria convergir para uma clarificação da questão inicial, simplesmente não acontece para a maioria dos alunos. A questão inicial revelou-se, mais uma vez, uma situação nova, desligada do que se supunha ser um processo de investigação.

Um desabafo pessoal…
No fim das sessões, sentia-me com a consciência tranquila, pois tinha dado o meu melhor para aqueles alunos passarem momentos maravilhosos. Por outro, era uma frustração ao sentir que os alunos não conseguem acompanhar o processo. Depois, nas sessões seguintes tentava melhorar mas apareciam novas situações e mantinha-se sempre o mesmo padrão.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Questão-problema, previsão e resposta à questão-problema

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

No ano lectivo 2006/2007 através do Despacho nº 2143/2007, DR, 2ª série, Nº29, 9-02-2007, o Ministério da Educação lançou o «Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências para Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico». Este programa tem sido prorrogado e está previsto até o ano lectivo de 2009/2010. Em consequência deste programa, a comissão técnico-consultiva de acompanhamento concebeu e editou um conjunto de guiões didácticos para apoiar os professores e alunos envolvidos neste programa. Estes recursos didácticos estão à disposição do público interessado, em particular os professores do 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB)
[http://sitio.dgidc.min-edu.pt/experimentais/Paginas/Recursos_Didacticos.aspx ]

No ano lectivo transacto, 2008/2009, tive a oportunidade de explorar na sala de aula, em parceria com os professores titulares de três turmas do 3º ano do 1º CEB, o tópico de experiências com a luz. Isto passou-se em São Martinho, na Ilha da Madeira.

A minha experiência permite-me sustentar alguns dos aspectos apontadas pelo professor Joaquim Sá na sua reflexão sobre a manipulação e controlo de variáveis. As considerações que pretendo fazer dizem respeito ao guião sobre «Sombras e Imagens» incluindo o caderno de registos para crianças. Tendo em vista contribuir para a reflexão necessária, submeto à crítica de todos aqueles que trabalham no terreno. Apresento este primeiro texto a que se seguirá um outro.

Actividade A

Questão-problema I:«Porque não vemos os objectos no escuro?»

Esta actividade revelou-se muito útil e interessante para alunos e professores. O que significa este sucesso? Os trabalhos começaram do seguinte modo: observar um objecto dentro de uma caixa através do orifício. Os alunos foram confrontados com actividades altamente motivadoras, onde tiveram oportunidade de opinar, prever, observar e fizeram registos. As opiniões dos alunos foram de um modo geral no sentido correcto: ver o objecto luminoso ou iluminado e não ver o objecto não iluminado. Ficou claro ser necessário conduzir a actividade com grande atenção às ideias dos alunos, ouvindo e clarificando o significado das palavras "objecto iluminado" e "objecto luminoso". Se as palavras dos alunos não forem aproveitadas nos devidos momentos, origina-se uma confusão entre os dois termos. Foi isso que aconteceu nalgumas turmas. As crianças esquecem-se facilmente do significado de cada uma das palavras “iluminado" e "luminoso” e têm dificuldade em preencher o quadro de registos que é proposto. Por isso, fiquei com dúvidas se devia de insistir muito no termo sem repetir as experiências.

Para as crianças que erravam, demos oportunidade para repetir. Tentámos que o registo fosse efectuado com o material à sua frente e a experimentação acompanhada de algumas questões de modo a diagnosticar possíveis contradições. Resultou? Após a experimentação, foi patente que a maioria dos alunos já não se lembrava da questão-problema de partida. Aqui tinha sempre a mesma dúvida: será mesmo assim? Compreendi esta situação ao ler o que diz o professor Joaquim Sá sobre memória de trabalho: “Uma dimensão muito crítica na planificação de uma investigação (...) é a reduzida memória de trabalho dos alunos, nesta idade.».

Outra dificuldade que surgiu foi o facto de os alunos acharem desnecessário voltar a responder à questão-problema, depois das actividades experimentais. Como já tinham respondido à questão em forma de previsão, ao ser-lhes explicado que depois das actividades deviam voltar a dar uma resposta, ficavam admirados e diziam “já respondi”.

Nas duas sessões seguintes abordámos as questões-problema II e III: «Como se propaga a luz?» e «Será que todos os materiais se deixam atravessar pela luz?», respectivamente. Estas decorreram de uma forma muito semelhante à primeira sessão. Na previsão da questão-problema II, desenharam rectas a partir de uma fonte luminosa. A palavra «propagação» mereceu algumas considerações, pois os alunos não sabiam o seu significado. O discurso que utilizei passava pela exemplificação de um determinado percurso/caminho (isto é, a trajectória). Geralmente a trajectória desenhada pelos alunos contempla rectas. O registo na tabela - visibilidade da luz através de uma mangueira, em curva, em linha recta e com um nó (vejo a luz; não vejo a luz) - revelou-se relativamente fácil. Foi mais difícil estabelecer a relação entre os resultados da experimentação “vejo a luz” e o facto desta viajar em linha recta. Por último, mais uma vez, esqueceram-se da questão inicial. As suas respostas iam ao encontro das suas previsões pictóricas iniciais.

Relativamente à questão-problema III, decorreu de modo semelhante à II, despertando muito interesse. Os professores distribuíram vários materiais pelos alunos: cartão, papel, vegetal, acetato não colorido, acetato colorido, plástico, espelho e celofane colorido. De acordo com o que observavam ou não através do material, registaram na tabela (vejo o objecto: nítido, pouco nítido, não vejo o objecto). Alguns materiais geraram algumas contradições interessantes. Foi o caso do espelho. Alguns afirmavam que o espelho deixava passar a luz. Gerava um debate interessante e o(s) aluno(s) tentavam corrigir a contradição.

Foi moroso seleccionar os objectos/materiais tendo em conta os seguintes grupos: a) materiais através dos quais foi possível ver o objecto de forma nítida; b) materiais através dos quais não foi possível ver o objecto de forma nítida; e c)materiais através dos quais não foi possível ver o objecto. Após esta sistematização, os materiais ficavam classificados de acordo com as suas características: transparentes, translúcidos, opacos. Por último, a resposta à questão-problema surgiu como algo de novo e quando foram relembrados das previsões, não ficaram admirados como tinha acontecido na questão anterior. Pelo contrário, ao constatarem que tinham errado na previsão, mostravam interesse em responder correctamente, pois a maioria tinha previsto apenas uma possibilidade (deixa-se atravessar ou não se deixa atravessar pela luz).

Comentário:

A memória de trabalho pode ser treinada e desenvolvida. Ela é tanto mais crítica quanto maior for a "distância" entre a questão-problema e o retorno final à questão-problema.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Construção de novos significados: o processo da Linguagem e da Comunicação excelentes

Quando a criança constrói significados novos, recorre à sua própria linguagem, porém, esta já não é suficiente para exprimir o que é “novo” para ela. Carece então de novos vocábulos, bem como novas formas de articulação verbal para exprimir tais significados, passando a evidenciar um discurso renovado com surpreendente facilidade. O significado construído pela criança evolui para um nível mais elaborado mediante a apresentação de um enunciado formal que vai ancorar-se no significado previamente construído.

Se, pelo contrário, se fornece uma palavra cujo significado pretendemos transmitir por via de um enunciado, dificilmente a criança vai incorporar o novo vocábulo na sua linguagem, se não dispõe da capacidade de abstracção para o compreender e se não teve a oportunidade de construir o significado por via de uma abordagem concreta.

A título ilustrativo apresentamos um ciclo de aprendizagem ocorrido em duas turmas do 1º ano de escolaridade no âmbito do Projecto ENEXP (Sá e Varela, 2000). Aquando do estudo da germinação do feijão, as crianças começaram por observar diferentes sementes e só depois a sua atenção foi orientada para o feijão. Após abrirem, observarem e desenharem o interior do feijão, as atenções focalizam-se no embrião e os alunos comentam e descrevem o que observam na sua linguagem informal.

- O feijão tem umas coisas que parecem umas asas
(André).
- Que te faz lembrar? (Investigador)
- (…) folhas.
O Rui acrescenta:
- É uma planta.
- Pois, não é bem uma planta. Chama-se ‘embrião’. Porque é que o feijão tem um embrião? (Investigador)

Seguem-se algumas interacções verbais e um aluno acaba por exprimir com muita clareza o conhecimento adquirido:

- O embrião cresce e vai dar um feijoeiro.

Noutra turma desenvolve-se um processo muito semelhante:
- As duas partes são diferentes, uma tem uma coisinha. (João Carlos)
- Que te parece essa coisinha? (Investigador)
- Parece uma pele. (Fábio)
- (…)
- Parecem folhas de planta. (Elisabete)

O investigador introduz o termo “embrião”. O momento é propício para os alunos compreenderem que o embrião é a parte da semente que vai dar origem a uma nova planta. Após alguma troca de ideias o João conclui:

- Do embrião vai nascer uma planta nova.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Manipulação e Controlo de Variáveis no Ensino Experimental das Ciências no 1º Ciclo: algumas reflexões fundadas na investigação.

Por diferentes meios, vem ganhando terreno a ideia de que as actividades experimentais de eleição, no ensino das ciências no 1º ciclo do ensino básico, devem ser os “ensaios controlados, ou seja, actividades que envolvem manipulação e controlo de variáveis”. Por exemplo, no guião sobre Dissolução em Líquidos, para professores do Programa de Formação Contínua de Professores do 1º Ciclo em Ensino Experimental das Ciências, promovido pelo Ministério da Educação, são formuladas 7 questões-problema. Em cada questão pretende-se que os alunos investiguem, sob orientação do professor, a influência de diferentes factores no tempo de dissolução de um rebuçado. Sendo o tempo de dissolução a variável dependente, nas diferentes investigações as variáveis independentes são, sucessivamente: o tamanho do rebuçado, o tipo de rebuçado, o estado de divisão do rebuçado, a quantidade de líquido, a forma de agitação da mistura, a temperatura e o tipo de líquido. Lê-se na pág. 19:

Cada questão diz respeito ao estudo da influência de uma variável independente na dissolução de rebuçados (solutos) através do tempo necessário para a sua dissolução completa (…). Por isso é fundamental que as crianças reconheçam que a resposta a cada uma das questões só será válida se a experiência for conduzida controlando as restantes variáveis – ensaio controlado.

1. Análise do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo dos alunos

Para a condução da actividade em sala de aula são sugeridas as seguintes questões a formular pelo professor: a) o que vamos mudar? (VI); b) o que vamos medir? (VD); c) o que vamos manter e como? (VC); d) como vamos registar?; e) o que pensamos que vai acontecer e porquê?; f) o que e como vamos fazer?

Significa isto que os alunos do 1º ciclo (não é feita nenhuma indicação específica quanto ao ano de escolaridade em que tais actividades são mais recomendáveis), deverão antecipar mentalmente um conjunto de acções e procedimentos que envolvem a identificação de uma variável dependente, escolher em cada caso qual das variáveis será tratada como independente, e reconhecer que haverá necessidade de controlar 5 variáveis, devendo indicar ou pelo menos compreender o procedimento de controlo. E são 7 os problemas a investigar seguindo este padrão.

Eu investiguei aturadamente este problema de educação científica, em duas turmas do 4º ano de escolaridade, entre 1992 e 1994; é pois meu dever cívico e de consciência, tornar público o meu pensamento sobre esta matéria, com toda a seriedade.

Uma dimensão muito crítica na planificação de uma investigação desta natureza é a reduzida memória de trabalho dos alunos, nesta idade. A memória de trabalho é o conjunto de informações, ideias, imagens que o aluno precisa ter activados na sua mente, de forma simultânea e durante um certo período de tempo, para os manipular e relacionar adequadamente em construções cognitivas de nível elevado, como é por exemplo a (estratégia de) solução para um problema. Em termos mais práticos, a memória de trabalho corresponde à necessidade de o aluno manter uma consciência clara do problema em investigação, ao longo de todos os passos da elaboração do plano, bem como durante a sua execução, tendo sempre a noção do sentido de cada tarefa no contexto global da investigação, por forma a utilizar os dados recolhidos, interpretá-los e com essa interpretação dar a resposta consciente à questão de partida.

Sobre este tipo de exigência intelectual, ainda antes de falarmos dos alunos do 1º ciclo, posso desde já afirmar que a clareza mental de um fio condutor, que não se perde no caminho de atalhos por que passa o processo, mantendo-se viva desde o princípio até ao fim para voltar ao princípio, é algo que a grande maioria dos meus alunos da formação inicial (educadores e professores) não consegue adquirir. E não conseguem porque não estão treinados a pensar e isso coloca-lhes uma exigência de esforço intelectual que não são capazes ou não estão dispostos a fazer. Portanto, a primeira dificuldade neste tipo de abordagem estará nos próprios professores.

Voltando aos alunos, eles poderão dar respostas às questões sugeridas, acertando umas e errando outras, corrigirão com a ajuda de outras questões (por adivinhação ou por compreensão), mas o sentido global do conjunto das suas respostas parciais vai-se perdendo e no final, dificilmente se lembram do problema inicial. É ilusório esperar-se que o aluno tenha um plano de investigação em mente e o execute, porque o sentido pessoal e a compreensão perderam-se pelo caminho, apesar da muita ajuda do adulto. A transição do pensamento directamente ligado à acção e objectos para um estádio de pensamento abstracto em forma de antecipação mental da acção para a sua posterior execução, é complexa e processa-se de forma lenta e gradual.

É preciso dizer com clareza que tal padrão de raciocínio requer estruturas cognitivas do domínio das operações formais, do ponto de vista da teoria de desenvolvimento cognitivo de Piaget, cujo início se prevê pelos 12 anos. As actividades investigação que envolvem manipulação e controle de variáveis equivalem ao raciocínio hipotético-dedutivo, que requer a capacidade de dissociar os factores que fazem parte de um todo, imaginar o efeito possível de um factor sobre outro (hipótese), quando são verificadas certas condições, que devem ser estabelecidas (saber quais as variáveis a controlar e como o fazer). E só se passa à acção depois deste raciocínio baseado em enunciados abstractos, que continuam a fazer parte integrante da acção.

Embora tenhamos resultados de investigação que antecipam os estádios de desenvolvimento conceptual piagetianos em vários domínios (à semelhança de outros autores), consideramos que este tipo de proposta didáctica coloca um patamar de exigência cognitiva de partida que não está ao alcance dos alunos do 1º ciclo. Numa pespectiva vygotskiana, dir-se-á que a tarefa colocada à criança situa-se acima do limite superior da zona de desenvolvimento proximal, o que equivale a dizer que cai claramente fora do alcance cognitivo do aluno. Em vez do envolvimento intelectual e sócio-afectivo desejável gera-se a indiferença e a desmotivação.

Da minha experiência de trabalho directo com as crianças, posso dizer que alunos do 4º ano reconhecem com facilidade que há algo de errado numa investigação sobre o crescimento das plantas, em que uma planta seja colocada ao sol e não regada, e outra seja colocada num armário e regada. Elas sabem que a luz solar e a água são ambas importantes para o desenvolvimento de uma planta e, reflectindo, compreendem que se está a comparar algo que não é comparável: efeito do sol sem água e efeito da ausência do sol com água . A partir de exemplos de não controlo podem chegar à compreensão da necessidade de controlo. Todavia, se pretendermos que sejam capazes de planificar e executar investigações controladas, crianças de 10 anos só o poderão fazer depois de um intenso treino cognitivo.

2. Análise do ponto de vista da natureza da abordagem das ciências experimentais no 1º ciclo

Temos que nos interrogar sobre o sentido que faz para as crianças uma investigação exaustiva da influência das diversas variáveis sobre um determinado fenómeno, sem se chegar a fazer o enfoque do estudo no próprio fenómeno.

A investigação sobre em que medida o tempo de dissolução de um rebuçado é influenciado pelas variáveis (tipo de rebuçado, estado de divisão, quantidade de solvente, temperatura do solvente, agitação da mistura, tipo de solvente), não se preocupa com o fenómeno de dissolução.

Que significado, que modelo mental é o aluno capaz de construir para tornar inteligível na sua mente o facto de o solvente se ter transformado ou ter mesmo deixado de se ver (caso das soluções transparentes)? Com esse modelo mental (logo no 1º ano os alunos constróem modelos de grande valor epistemológico no processo de evolução conceptual) poderá o aluno fazer conjecturas explicativas para a influência de uma determinada variável no processo de dissolução? Que definição é o aluno capaz de dar/comprender para o fenómeno de dissolução? Do meu ponto de vista é por aí que se deve começar.

Importa ainda ter-se na devida consideração o facto de as crianças, depois de eventualmente terem estudado a influência de um factor sobre um fenómeno, sentirem-se entediadas com o sentimento de repetição, ao passarem ao estudo de um outro factor, sobre o mesmo fenómeno, e depois outro e outro....

Na conjugação das objecções apontadas, do meu ponto de vista esta abordagem tende a fazer da ciência para crianças num engenharia mecanicista de exercícios repetitivos em volta das variáveis a manipular e controlar. Por isso não a recomendo.

Essa perspectiva, que se pretende agora introduzir de forma generalizada, por via das recomendações das Comissões de Certificação dos manuais escolares, nomeadas pelo Ministério da Educação (tive oportunidade de ler alguns relatórios de apreciação de manuais escolares), carece de uma melhor ponderação, sob o ponto de vista da sua adequação ao desenvolvimento cognitivo dos alunos, bem como da natureza da abordagem do ensino experimental das ciências no 1º ciclo. Pretende-se que o ensino experimental das ciências no 1º ciclo proporcine actividades de aprendizagem pessoalmente significativas, relevantes, motivadoras e intelectualmente estimulante para as crianças. Essa matéria deveria pois ser objecto de um debate e reflexão imbuídos de cultura científica, livre de quaisquer condicionamentos das lógicas de poder. É urgente encarar-se a Educação com uma cultura científica.

Faço notar que no livro Renovar as Práticas no 1º Ciclo pela Via das Ciências da Natureza (Sá, 1994, 2002), estão apresentadas várias actividades de investigação do tipo “ensaio controlado”, todavia é necessário atender ao que está escrito no prefácio:

(…) o conjunto de actividades do IV capítulo deve ser visto como um programa de desenvolvimento de competências de pensamento. Com efeito essas actividades foram implementadas em duas turmas de alunos do 4º ano, na sequência em que estão apresentadas e, consequentemente, a crescente complexidade das questões e problemas a serem investigados acompanha o amadurecimento inerente ao efeito cumulativo do treino a que os alunos foram submetidos. Quer isto dizer que aí estão contempladas algumas actividades que não são susceptíveis de serem apresentadas a uma turma como acto isolado, em particular as actividades de investigação que envolvem uma planificação prévia, por parte dos alunos, em que têm que manipular uma variável independente, uma variável dependente e variáveis de controlo. Tais actividades de investigação requerem operações mentais ao nível do pensamento formal e, por isso, não estariam ao alcance das crianças desta idade (Sá, 2002:11)

Acresce dizer-se que este tipo de treino dos alunos só está ao alcance de alguém especializado, sendo certo que a cultura profissional dos professores não lhes permite a recepção de tais propostas didácticas, sob a forma de orientações normativas que seriam obrigados a seguir. Só de uma forma bastante mitigada e em situações familiares, deverão as propostas de ensaio controlado ser recomendadas nos manuais escolares.

3. Análise do ponto de vista da autonomia do aluno na investigação experimental

Na crítica aos manuais escolares é frequente as Comissões de Certificação dizerem nos seus pareceres: “…não promovem a planificação da actividade pelo próprio alunos..” Concordo com a crítica. Porém, a “planificação das actividades pelos próprios alunos” comporta o risco de uma interpretação simplista, que perde de vista todo o complexo trabalho de orientação, questionamento e estímulo sustentados, da parte do professor, na promoção dessa autonomia. É preciso conhecer a cultura profissional dos professores, as suas práticas e a natureza da formação que se faz, para se ponderar devidamente a natureza da recepção de que uma dada orientação vai ser alvo. A construção de um certo grau de autonomia na aprendizagem é um desafio de grande complexidade para os professores. Não é difícil conseguir esse resultado nos alunos, mas é muito difícil a aquisição das competências para esse efeito, nos professores. Mas a escolástica nebulosa desfoca o olhar do essencial, fecha caminhos e torna "impossível" o que é transformador.

Para uma melhor compreensão e aprofundamento destas questões recomendo a consulta da Tese de Doutoramento (Sá, 1996) disponível on line em http://hdl.handle.net/1822/8165 - seleccionar capítulo 4 e procurar as secções seguintes:

3.4.2. Conclusões acerca do desenvolvimento de competências de investigação na turma 92/93
3.4.3. Perspectiva evolutiva do desenvolvimento de competências de investigação na turma 93/94
3.4.4. Conclusões acerca do desenvolvimento de competências de investigação na turma 93/94
3.4.5. A turma 93/94 versus turma 92/93 quanto ao desenvolvimento de competências de investigação
3.5. Papel do investigador e/ou professora

Trata-se de um trabalho de investigação conduzido em duas turmas do 4º ano, com 64 horas de ensino das ciências em cada uma. Neste trabalho designamos por “investigação” a actividade do tipo “ensaios controlados, ou seja, manipulação e controlo de variáveis”.

Joaquim Sá (jgsa@iec.uminho.pt)

Director do Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico - Universidade do Minho

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Flutuação: Peso e Impulsão ou densidade do corpo e densidade do líquido?

Até aqui ainda não falámos da flutuação em termos da densidade do corpo e da densidade do fluido (líquido ou gás). Pela minha experiência, depois de actividades de ensino experimental adequadas, crianças do 4º ano são capazes de prever que dados dois corpos com o mesmo peso (e massa), com volumes diferentes, se um dos corpos flutua esse será o maior deles. Todavia o conceito de densidade é complexo para as crianças do 1º ciclo, não sendo recomendável, do meu ponto de vista, enveredar por explicações que passem po aí. Mas é importante que os professores conheçam bem o princípio de Arquimedes que envolve a densidade e poderão então explorar até onde podem as crianças ir. É frequente em situações práticas o afloramento na mente das crianças de um noção qualitativa e intuitiva de densidade, como já relatei num dos meus livros.

A densidade é uma medida da concentração da matéria num corpo ou material, sendo dada pela divisão entre a massa e o volume (m/v). A densidade da água, por exemplo, é de 1g/cm3. Quando comprimimos uma certa quantidade de ar dentro de uma seringa, estamos a diminiuir-lhe o volume, mantendo-se igual a massa. Isso significa que a densidade do ar é maior quando empurramos o êmbolo para baixo do que quando puxamos o êmbolo para cima.

É frequente a ocorrência de explicações sobre a flutuação, ora com recurso ao peso e impulsão, ora com recurso à densidade do corpo e à densidade do líquido, como se de duas explicações diferentes se tratasse. É importante sublinhar que se trata da mesma explicação, ou, melhor dizendo, a relação de grandeza entre as densidades é uma consequência matemática da relação de grandeza entre o peso e a impulsão.

Com efeito, se considerarmos o corpo inteiramente mergulhado no fluido (volume do corpo imerso igual ao volume do próprio corpo: Vci=Vc), a relação de grandeza entre o peso do corpo e a impulsão é equivalente à relação de grandeza entre a densidade do corpo e a densidade do fluido.


Vejamos.

De acordo com o princípio de Arquimedes, o valor da impulsão (I) é igual ao peso do fluido deslocado pelo corpo. Tratando-se de um líquido, calcula-se o peso do volume de líquido deslocado pelo corpo. Teremos então:

I = dl .Vc . g

E quanto ao peso (P) teremos

P = dc .Vc . g

dl - densidade do líquido
dc – densidade do corpo
Vc – volume do corpo
g – aceleração da gravidade

Conjugando I e P assim definidas matematicamente,

P > I → dc .Vc . g > dl .Vc. g → dc > dl → corpo afunda-se
e
P <>

Se teve dificuldade em compreender estas deduções matemáticas, atente fundamentalmente no seguinte: quando o peso do corpo é superior à impulsão verifica-se também que a densidade do corpo é superior à densidade do fluido: o corpo afunda-se; quando o peso do corpo é inferior à impulsão verifica-se também que a densidade do corpo é inferior à densidade do fluido: o corpo sobe até à superfície e fica a flutuar. Quando ocorre a flutuação o peso e a impulsão tornam-se iguais (a impulsão, que era superior ao peso, diminui quanto o corpo fica parcialmente fora da água).

domingo, 21 de junho de 2009

Rolhas, esferovite, bolas para evidenciar a força de Impulsão

Jorge Gouveia, seguidor deste blog, é Professor de Física e Química na ilha da Madeira. Desde 2005 dedica parte do seu tempo livre a promover actividades experimentais de ciências com crianças do Pré-Escolar e do 1º Ciclo. Escreveu no post anterior o comentário que aqui reproduzo e comento de seguida.

Em parceria com os professores do 1º ciclo tenho explorado com alunos do 1º ano a flutuabilidade dos objectos utilizando diversos materiais. Tenho seguido algumas das suas sugestões de exploração, tais como as que refere para explorar o conceito de impulsão. As rolhas são muito boas para fazer isso, mas como as crianças têm revelado conhecer a esferovite, consegue-se pedaços deste material ainda maior, o que se revela mais eficiente, porque muitas vezes ao pressionar a rolha, esta tem tendência a se desviar ou rodar e a criança tem dificuldade em sentir a força de impulsão. As crianças gostam deste tipo de experiências, deste modo cria-se um ambiente para questioná-las sobre o que estão a sentir assim como confrontar com outros objectos. Acho que não tenho conseguido explorar o facto de outros objectos sofrerem uma impulsão. É preciso estar concentrado na linguagem das crianças, e no 1º ano é um desafio. Continuarei a tentar.

Visto que de um modo geral os professores do primeiro ciclo utilizam a palavra peso em vez de densidade, mesmo sabendo que são conceitos distintos, gosto muito de utilizar a folha de alumínio para abordar o conceito de densidade. Encorajo as crianças a amachucar o papel com o pé, até que este fique espremido e afunda na água. Nesta actividade a questão do peso surge sempre, tanto por parte dos professores como dos alunos, mas é aí que conseguimos evidenciar a contradição. Numa sessão do 1º ano uma das crianças ao ser questionada sobre as razões da flutuabilidade de um determinado objecto, referiu que esse objecto afundava porque “era mais denso”. Quis saber onde é que tinha aprendido essa palavra, e constatei que tinha sido no canal televisivo O PANDA. Penso eu, que foi num programa em que o PANDA visitou o museu da marinha e o oficial explicou como é que funciona um submarino utilizando um tubo de ensaio e uma rolha. A partir daí comecei a olhar com outros olhos para o canal PANDA.


O meu comentário

Meu caro Jorge Gouveia, muito obrigado pelo seu comentário. Tomo a liberdade de aqui o trazer para ilustrar a natureza do debate que é necessário fazer sobre a Educação nas nossas escolas, a a saber: trazer para o primeiro plano a discussão e reflexão sobre a qualidade das aprendizagens dos alunos, sobre o como se processam e sobre o papel que nelas devem assumir os professores. Isso implica deslocar o enfoque da retórica generalista e macrossistémica para o ser e o saber-fazer na sala de aula, na acção de ensinar. O grande desafio da formação é o de ser capaz de promover no futuro professor a construção do ser e do saber fazer de uma relação pedagógica fecunda para levar o aluno a aprender algo (matemática, ciências, língua materna, ...etc.).

Sobre o conteúdo do seu comentário tenho a dizer o seguinte. Concordo com as suas objecções acerca da funcionalidade das rolhas para evidenciar a impulsão; na verdade eu não explicitei que o modo como as costumo usar consiste em espetar-lhe uma agulha no centro de uma das bases e depois, com a ajuda de uma palhinha de refresco comprida, pode-se empurrá-la para o fundo, mantendo-se a agulha introduzida na palhinha. Se se utilizar um recipiente alto transparente, pode-se observar o movimento ascendente no seio do líquido, ao abandonar a rolha no fundo.

Concordo igualmente com a sua ideia de utilizar pedaços grandes de esferovite para fazer as crianças "sentirem o força de impulsão", como diz - gostei muito desta sua expressão pela forma como transpõe o conceito para o plano da experiência directa da criança. Sugiro igualmente a utilização de bolas grandes que fazem as crianças tomar consciência de como é difícil levá-las ao fundo de um balde com água. As crianças fazem força para baixo e a água não "deixa", faz força para cima.

Acho muito pertinente a sua observação sobre a necessidade de se "estar concentrado na linguagem das crianças". É fundamental captar a linguagem das crianças, descortinar-lhes os significados subjacentes para, questionando-as, as engajar num processo reflexivo gerador de significados mais enriquecidos, expressos em novas linguagens, que são afinal as aprendizagens. É na linguagem das crianças que se pode ancorar uma interacção pedagógico-didáctica inteligente.

No seu comentário faz referência à confusão entre peso e densidade nos professores. Esse é um outro problema da formação: o défice de conhecimentos dos professores nas áreas curriculares de docência.

Finalmente, em relação ao caso da criança que refere a densidade para explicar o afundamento de um corpo, que terá aprendido no canal PANDA, eu seria cauteloso em relação à ideia de que a criança esteja a usar o conceito de densidade. É mais provável uma mera correspondência linguística sem que haja o conceito. A criança pode memorizar uma correspondencia do tipo "mais denso" vai com "afundar" e "menos denso" vai com "flutuar", o que não deixa de ser uma aquisição relevante. As crianças gostam de usar palavras novas, sentem-se "importantes" na medida em que isso as distinga das demais. Temos que que ir mais fundo na pesquisa dos significados para sabermos quando é que há conceito ou apenas correspondência de termos.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sugestões para os professores sobre flutuação-afundamento

Nos 1º/2º anos de escolaridade é importante que os alunos comecem por observar e descrever os fenómenos de flutuação e afundamento, que façam previsões sobre o comportamento de determinados objectos, que registem as suas observações e que confrontem as suas observações com as previsões. É igualmente importante aceder às suas teorias e, na medida do possível, dar aos alunos as primeiras oportunidades de testarem as suas ideias.

Prosseguindo, sugerimos uma abordagem experimental e de questionamento orientada para a compreensão de que a água exerce uma acção sobre os objectos. Alunos do 1º/2º ano de escolaridade, ao observarem e serem questionados sobre a ascensão de uma rolha de cortiça no seio da água, são capazes de explicar o fenómeno nestes termos: “a água empurra a rolha para cima”. Daí poder-se-á evoluir para a formulação de que a “água faz força na rolha para cima”. A partir do momento em que os alunos compreendem que a água exerce uma força sobre os objectos, podemos introduzir o termo impulsão para designar essa força.

As crianças começam por admitir uma força sobre os objectos que sobem e ficam a flutuar, mas têm mais dificuldade em reconhecer que essa força se exerce igualmente sobre os objectos que afundam; falta o efeito observável da força – subir e ficar a flutuar. Deverá então explorar-se a possibilidade de as crianças generalizarem a ideia de que a água exerce uma força sobre todo e qualquer objecto nela introduzido, independentemente de flutuar ou não. Esta generalização é uma aprendizagem de valor cognitivo claramente superior à de que a água exerce uma força sobre os objectos que flutuam. O questionamento reflexivo é uma competência fundamental do professor no sentido de estimular o pensamento dos alunos.

– Vejamos o prego. Será que a água também empurra o prego para cima?

– Na mesma água há um prego e uma rolha. Por que razão a água “escolheu” empurrar a rolha e se “esqueceu” do prego?

Será de explorar até que ponto faz sentido para as crianças que “a água também empurra o prego, mas não tem força que chegue para o fazer subir”.

Também ao nível dos 3º e 4º anos é desejável que se faça esta abordagem, no caso de os alunos estarem pela primeira vez a estudar estes fenómenos. Depois, recomenda-se uma orientação para o desenvolvimento da compreensão de que o comportamento do objecto na água é o resultado do balanço entre duas forças. Numa experiência imaginária, em que subitamente a água fosse retirada do recipiente, é claro para os alunos que o objecto a flutuar cairia no fundo do recipiente. Porquê? Os alunos compreenderão que é o peso dos corpos que os faz cair (“o peso puxa para baixo”). E poderão então compreender que os objectos introduzidos na água ficam sujeitos a duas forças se sentidos contrários: o peso a impulsão. Uma figura, em que as duas forças são representadas através de segmentos de recta orientados (vectores), tornará mais claro o modelo do objecto sujeito à acção de duas forças.

Recorrendo a situações experimentais de afundamento e de ascensão, no seio da água, seguida de flutuação, poderemos então fazer os alunos reflectir sobre a relação de grandeza entre o peso e a impulsão, em cada uma das situações. Podem ocorrer as seguintes possibilidades:

a) Peso menor do que a Impulsão [ P< I]

O corpo sobe no seio do líquido, até á superfície, ocorrendo a situação b)

b) Peso igual à Impulsão
[ P = I ]

O corpo flutua.
Ao chegar à superfície, parte do volume do corpo fica fora do líquido, o que origina a diminuição do valor da impulsão que iguala então o valor do peso. Os alunos deverão reflectir sobre o facto de um corpo estar todo mergulhado enquanto sobe e ficar parcialmente de fora do líquido, quando flutua.

c) Peso superior à Impulsão [ P > I ]

O corpo afunda-se.

Finalmente poderão ser objecto de investigação situações em que os objectos se afundam ou flutuam, consoante modificações neles introduzidas (folha de papel de alumínio comprimida afunda; plasticina em forma de barco flutua). Estas investigações poderão levar à construção de relações entre as modificações efectuadas e o aumento/diminuição da “força da água”, a impulsão.

Nota final

Tendo em vista a compreensão científica dos fenómenos aqui tratados, condição necessária para uma adequada reflexão e compreensão das questões didácticas suscitadas, recomenda-se o estudo dos seguintes tópicos científicos:
- fluido;
- massa, volume e densidade;
- força, peso e impulsão;
- a relação do valor da impulsão com a parte do corpo submersa no fluido;
- condições de flutuação, considerando:
i) a relação de grandeza entre o peso do corpo e o valor da impulsão;
ii) a relação de grandeza entre a densidade média do corpo e a densidade do fluido.

Indo um pouco mais além, poderá ainda estudar-se como é que os fluidos geram forças verticais, dirigidas para cima, sobre os corpos. A impulsão é a resultante das forças de pressão exercidas pelo fluido sobre os corpos nele imersos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Flutuação-afundamento: o resultado de um jogo de forças aplicadas sobre o objecto

Excerto do diário de aula
No início da aula (4º ano de escolaridade) sobre flutuação-afundamento, ainda antes de qualquer actividade experimental, questionei os alunos: - Porque razão há objectos que flutuam e objectos que se afundam? Foi sugerido aos alunos que discutissem a questão em grupo, o que era já um hábito de muitas aulas anteriores. (…) No grupo 2 diz-se: a plasticina vai ao fundo porque é mais pesada do que a água; a água empurra para cima mas a água não aguenta a plasticina. Há um aluno que comenta: é como se tivesse os braços a segurar. (…) O Tiago do grupo 4 afirma: a água tem força.

Análise interpretativa
Há já o conhecimento de que um pedaço de plasticina se afunda, sendo porém reconhecido, de forma muito clara, que água exerce sobre o objecto uma força dirigida para cima. De forma menos explícita há alunos que revelam a compreensão de que a "força da água" se opõe à tendência natural do corpo para cair: a água empurra para cima mas a água não aguenta a plasticina. Das palavras destes alunos é possível inferir um modelo de duas acções de sentidos opostos, e que o comportamento do corpo depende do balanço entre essas duas acções: peso do corpo, para baixo, e impulsão, para cima.

Excerto do diário de aula
Na parte final da aula, depois de concluídas as actividades experimentais (1), suscitei a discussão com vista a levar os alunos a considerar duas forças sobre o corpo de cuja relação depende a flutuabilidade. Por analogia com a situação de um objecto sustentado sobre a minha mão, os alunos reconhecem que a mão faz força sobre o objecto, do mesmo modo que a água faz força sobre o barco que flutua. – A água faz força para cima ou para baixo? – perguntei. – Para cima, respondem vários alunos de forma peremptória. Com naturalidade os alunos introduzem a expressão força da água. – Porque é necessária a força da água para os corpos flutuarem?, perguntei. – Por causa da força do corpo, responde o Alexandre (9 anos). Proponho que reflictam sobre o que é a "força do corpo". O Tiago responde que é o peso dele. (…). A ideia de que as duas forças têm sentidos inversos está clara na seguinte formulação: A força da água empurra para cima e a força do corpo puxa para baixo. O Filomeno (8 anos) foi chamado ao quadro e desenhou um corpo a flutuar com as setas correspondentes ao peso e à impulsão com os respectivos sentidos. O Zé Pedro não teve dúvidas de que as forças eram iguais no caso da flutuação, mas vários alunos inclinavam-se para a ideia de que para ocorrer a flutuação a "força da água" tem que ser maior do que o peso.

Análise interpretativa
As ideias que já tinham sido expressas no início da aula manifestam-se agora com maior clareza. O corpo, depois de introduzido na água, fica sujeito a duas forças de sentidos opostos: A força da água empurra para cima e a força do corpo puxa para baixo, dizem os alunos. A força do corpo, dirigida para baixo, é o peso dele. Não foi introduzido o termo impulsão, mas cremos que os alunos assimilariam com facilidade essa nova palavra. A representação gráfica das duas forças, surgiu com uma naturalidade não esperada, da parte de um aluno com menos de 9 anos de idade. O modelo de duas forças de sentidos inversos actuando sobre o corpo, revelou-se bem mais acessível do que imaginávamos. Pelo contrário, a noção de conservação do peso, quando introduzimos modificações num corpo, revelou-se ser de grande complexidade.

1) As actividades experimentais são:
a) uma bolinha de papel de alumínio flutua e, depois de comprimida, afunda-se. A compressão causa uma diminuição de volume e, por isso, passa a ser menor o volume de líquido deslocado, logo a impulsão diminui. O peso passa então ser maior do que a impulsão e, consequentemente, dá-se o afundamento;
b) uma bolinha de plasticina afunda-se e, depois de moldada em forma de barco, flutua. A forma de barco faz com que o volume de plasticina imerso na água passe a ser maior, logo aumenta o volume de água deslocado e, consequentemente aumenta o valor da impulsão. O valor da impulsão passa a igualar o peso, ocorrendo assim a flutuação.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

FLUTUAR-AFUNDAR: concepções da criança V

[Continuação de FLUTUAR-AFUNDAR: concepções da criança IV]

Reflexão crítica: um renovado olhar…

Os alunos do 4º ano de escolaridade, depois das experiências de flutuação da bolinha de papel de alumínio e do seu afundamento (após a compressão do papel de alumínio - diminuição de volume), manifestam, aquando da dicussão, muitas dúvidas e incertezas quanto à equivalência de significados entre a conservação da quantidade de matéria e a conservação do peso1. O Tiago, um aluno especialmente reflexivo e inteligente, não está convencido de que há conservação do peso, que ficou igual. Ou seja, não reconhece que a variável peso foi controlada, por forma a deduzir que a diminuição do volume é a causa do afundamento. Apenas um aluno se pronuncia no sentido da conservação do peso, e sobre essa opinião há a concordância tácita de outros - não foi possível ao investigador recolher verbalizações explícitas do seu pensamento. Do ponto de vista do adulto, a uma quantidade de matéria constante (não acrescentei, nem retirei) equivale um peso constante, mas não é assim do ponto de vista das crianças. Isto obriga-nos a reflectir um pouco mais à luz das teses de Piaget & Inhelder (1971) sobre o desenvolvimento das noções de conservação de substância, de peso e volume. Segundo estes autores:

no curso de uma primeira etapa (até cerca de 7-8 anos, em média), a criança não admite a conservação de substância, nem a do peso nem a do volume; durante a segunda (de 8 a 10 anos, em média), ela admite a conservação da substância mas não a do peso nem a do volume; durante a terceira etapa (de 10 a 11-12 anos, em média), admite a da substância e a do peso, mas não ainda a do volume; por fim, a partir da quarta etapa (ou seja a partir dos 11-12 anos), ela admite simultaneamente as três formas de conservação. (Piaget & Inhelder, 1971: 37).

Quer isto dizer que uma determinada quantidade de água é vista como variável pelas crianças de 7-8 anos, ao passar por diferentes recipientes (1 litro de água, é "mais" água num recipiente estreito do que num recipiente largo - a criança toma o nível como indicador da quantidade); pelos 8-10 anos a criança reconhece que nesse processo de transvaze a quantidade de água se mantém constante, mas que o seu peso e o seu volume variam; pelos 10 a 11-12 anos desenvolve-se a noção de conservação do peso; e a partir dos 11-12 anos adquire a conservação do volume, passando a criança a dominar as três formas de conservação. Do ponto de vista do desenvolvimento psicológico da criança as noções de conservação da matéria, do peso e do volume têm valores cognitivos diferentes, numa ordem crescente da primeira para a última.

Os alunos do estudo a que nos vimos referindo têm entre 9 e 10 anos e apenas alguns têm já 10 anos de idade. Ou seja, do ponto de vista daqueles autores a maioria deles situar-se-ia na metade superior do intervalo da conservação da matéria (8-10 anos) e uns poucos situar-se-iam no início do intervalo de conservação do peso (10 a 11-12 anos).

Diversos estudos de inspiração Vygostskiana2 demonstram que o desenvolvimento das estruturas cognitivas e de estádios conceptuais podem ser antecipados em relação às idades preconizadas por Piaget3, por via de situações de aprendizagem apropriadas. Todavia, a progressão possível não é arbitrária. No caso em análise seria necessária uma antecipação da noção de conservação do peso em 2 a 3 anos. E todavia, os alunos não beneficiaram de um processo de aprendizagem especificamente orientado para o desenvolvimento da noção de conservação do peso.

Conjugando os dados recolhidos com a visão Piagetiana, concluímos que, só a título muito excepcional, poderá algum aluno incorporar a noção de que o peso se mantém constante, no seu raciocínio sobre o fenómeno de afundamento do papel de alumínio, depois de comprimido. À luz desta reflexão, assumimos que a questão Ao apertar a bolinha de papel de alumínio tirei (ou não) papel? pode-nos esclarecer quanto à compreensão de que a quantidade de matéria é constante, mas não quanto à conservação de que o peso é constante. Adiante voltaremos a esta questão.


1 Massa e peso são conceitos científicos distintos. A massa de um corpo é a medida da quantidade de matéria de que é feito; a massa permanece constante, qualquer que seja o lugar em que o corpo se encontre e por isso é uma característica desse corpo. O peso é a força com um corpo que é atraído para a Terra; essa força aumenta com a diminuição da distância entre o corpo e o centro do planeta. Por isso, o peso diminui com a altitude e aumenta do equador para os pólos (o achatamento dos pólos diminui a distância ao centro da Terra). Sendo variável em função do lugar, o peso não é uma característica do corpo. Porém, num determinado lugar, o peso tem um valor constante que depende apenas da quantidade de matéria do corpo. É por isso que para um determinado lugar é legítimo estabelecer-se a equivalência entre peso e massa. Esta diferença conceptual, do ponto de vista científico, corresponde também a uma diferença entre quantidade de matéria e peso, do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo da criança.
2 A actividade sócio-cognitiva que acompanha o processo de aprendizagem, bem como o produto da aprendizagem, promovem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (Vygotsky, 1987; 1998).
3 Ver a título de exemplo o desenvolvimento do conceito de “ser vivo” no âmbito do Projecto ENEXP (Sá com Varela, 2004).


[Continuação em Flutuar-afundar: concepções da criança V]

segunda-feira, 11 de maio de 2009

FLUTUAR-AFUNDAR: concepções da criança IV

[Continuação de Flutuar-afundar: concepções da criança III]

A) A bolinha de papel de alumínio
(continuação)

Os alunos são convidados a comprimir bem a bolinha de papel de alumínio e a verificarem experimentalmente o seu comportamento na água. Depois da observação de afundamento (antes flutuava) segue-se um processo de reflexão.

Questão 3

– O peso da folha de alumínio ficou diferente?

A Rita (9 anos) comenta: afundou-se porque não tem ar. Pergunto se o peso da folha de alumínio se alterou. Segundo o Tiago (9 anos) ficou inferior; a Rita (9 anos) é de opinião contrária: ficou superior; o Zé Pedro (10 anos) e o Tiago (9 anos) introduzem a variável volume do corpo: o volume ficou inferior; a Sofia (10 anos) discorda: o volume ficou igual. (…) O Fernando (10 anos) afirma que o peso não é o mesmo porque senão ficava a flutuar, só se depender do volume. Este aluno acaba de introduzir a possibilidade de a flutuação depender da coordenação entre peso e volume do corpo, porém não tem ainda a noção de conservação do peso. Alguém diz ainda que o ar faz que a bola tenha menos peso (situação inicial). (…)

Análise interpretativa

O Tiago, que é um dos melhores alunos, parece estar a pensar no volume (a questão referia-se ao peso) ao afirmar que ficou inferior. Logo adiante ele afirma que o volume ficou inferior, o que é revelador da dificuldade em se pronunciar sobre o peso, preferindo pronunciar-se sobre algo que para si está claro: a diminuição volume. O Fernando sustenta que houve variação do peso (senão ficava a flutuar), mas considera também que o peso pode constante se a variação de volume tiver influência na flutuação (na mente do aluno estará a diminuiçaõ de volume). A Rita, ao ver papel de alumínio afundar-se, diz que o peso ficou superior, o que corresponde à utilização do esquema leve-flutua/pesado-afunda. Talvez a Sofia fale do volume pensando no peso, pois é notório que o material foi comprimido: o volume ficou igual. Os alunos revelam muita dificuldade em operar com os conceitos de peso e de volume como entidades distintas entre si, e independentes do contexto dos fenómenos em estudo no momento.

Excerto do diário

Nesta altura senti necessidade de sublinhar a distinção entre peso e volume, dado que entre os alunos parecia existir essa confusão. Fiz referência a objectos familiares com o mesmo peso e diferentes volumes, por um lado, e objectos com o mesmo volume e diferentes pesos, por outro lado (…). Alguns alunos compreendem que há diminuição do volume quando o papel de alumínio se afunda, pois, a bolinha foi apertada e ficou mais pequena. Mas o Tiago insiste que isso é só nessa matéria. A fim de conhecer melhor as ideias dos alunos quanto ao peso, pergunto: – Ao apertar a bolinha de papel de alumínio tirei papel? Todos respondem que não, em coro. Pergunto se acrescentei papel e todos respondem também que não. – Então que podemos dizer acerca do peso, antes e depois de apertar a bolinha? É o mesmo, fica maior ou menor depois de apertada? O João (10 anos) conclui que o peso fica igual porque não fica com mais nem com menos papel. Alguns alunos manifestam a sua concordância. (…) Circulo pelos grupos e observo um aluno que comprime a bolinha de papel de alumínio, pisando-a com o sapato; observo ainda que alguns tentam dar à folha de alumínio afundada a forma inicial para a fazerem flutuar de novo. Entre os diversos comentários registo o seguinte: A bolinha amassada fura melhor a água. Pergunto porquê. Um aluno responde: Porque o peso uniu-se no mesmo sítio. Estamos perante uma noção intuitiva de densidade.

[Continuação em Flutuar-afundar: concepções da criança V]

domingo, 10 de maio de 2009

FLUTUAR-AFUNDAR: concepções da criança III

[Continuação de Flutuar-afundar: concepções da criança II]

5. Objectos com a mesma quantidade de material
1 podem flutuar ou não

Na discussão de turma (Sá, 1996), em dado momento os alunos oscilam entre o esquema leve-flutua/pesado-afunda, por um lado, e a ideia de que flutuar ou não é uma característica inerente ao material2 de que é feito objecto, por outro. Decidimos então promover situações de aprendizagem em que os alunos investigariam se objectos feitos de um mesmo material e com a mesma quantidade de material, logo com o mesmo peso (num determinado lugar), poderiam ter diferentes comportamentos na água.

Investigações realizadas em duas turmas do 4º ano de escolaridade

Tenha-se na devida consideração o facto de que tudo o que se relata a seguir ocorreu em turmas do 4º ano, já na parte final de uma intervenção pedagógica de cerca de 54 horas, distribuídas ao longo do ano lectivo, durante a qual os alunos foram treinados a pensar cientificamente no contexto de actividades experimentais, relacionadas com diversos tópicos científicos do programa do 1º ciclo (Sá, 1994, 2002; Sá, 1996).

A) – A bolinha de papel de alumínio

Questão 1

– Que acontecerá a esta bolinha de papel de alumínio se a colocarmos na água?

A maioria dos alunos é de opinião de que a bolinha de papel de alumínio se afunda. Esta previsão fundamenta-se no facto de tal objecto ter a aparência de ser feito de metal. Provavelmente estamos em presença da ideia de que é característico dos objectos de metal afundarem na água.

Os alunos realizam a actividade experimental e constatam que as evidências contrariam as suas previsões.

Questão 2

– Haverá alguma maneira de fazer com que o papel de alumínio passe a comportar-se de outro modo na água?

As ideias são escassas, mas são apresentadas algumas sugestões: pôr menos água; esticar a folha; a plasticina plana na água segura melhor. A Rita (9 anos) apresenta uma ideia bastante elaborada: A bola de alumínio se tiver ar flutua (situação inicial), não está completamente amassada. Esta explicação para a flutuação contém implicitamente uma ideia sobre o que fazer para que a bolinha se afunde. - Que fazer então para a bolinha afundar? – perguntei. Vamos amassá-la mais – respondeu um aluno.

Uma ideia, já anteriormente identificada, surge de novo: a quantidade de água influencia o fenómeno (pôr menos água). Nas palavras dos alunos estão implícitas novas ideias quanto aos factores que interferem no fenómeno da flutuação:

a) a superfície de contacto com o líquido (esticar a folha; a plasticina plana…)
b) ter ar ou não ter ar (a bola de alumínio se tiver ar flutua, não está completamente amassada).

Os alunos são convidados a comprimir bem a bola folha de papel de alumínio e a verificarem experimentalmente o seu comportamento. Depois da observação de afundamento segue-se um processo de reflexão.

Questão 3

– O peso da folha de alumínio ficou diferente?


1 Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo da criança, a noção de conservação de quantidade de matéria não é equivalente à noção de conservação do peso, como veremos mais adiante.

2 Note-se que em rigor, quando falamos de materiais ou substâncias puras, a densidade é uma sua característica que determina o seu comportamento na água. A densidade do ferro é superior à densidade da água, logo uma porção maciça de ferro afunda-se; a densidade da madeira é inferior à densidade da água, logo um fragmento de madeira flutua. Mas na abordagem destes fenómenos com as crianças devemos centrar a nossa atenção no comportamento dos objectos, cujas densidades médias dependem não só do material de que são feitos, mas igualmente do facto de terem ou não cavidades interiores ou concavidades.


PS:.[Continua em Flutuar-afundar: concepções da criança IV]

quarta-feira, 22 de abril de 2009

FLUTUAR-AFUNDAR! As concepções das crianças-II

[Continuação de Flutuar-afundar: concepções da criança I]

3. Flutuar ou afundar é um atributo do material de que é feito o objecto, que se transmite ao objecto

ferro sempre vai ao fundo; madeira sempre flutua.

Muitas crianças desenvolvem esta teoria quando se dão conta de que há objectos “grandes” e “pesados”, feitos de uma grande quantidade de material “leve”, que afinal flutuam. Um bocado de madeira flutua “porque é leve”, mas um tronco de árvore é “pesado” e no entanto também flutua. O esquema explicativo leve-flutua/pesado-afunda é posto em causa porque há objectos reconhecidos como “pesados” que afinal flutuam. Basta para isso ajudar os alunos e evocar determinados conhecimentos do seu quotidiano, como antes foi referido.

4. Flutuar ou não depende da quantidade de água e do nível da água

Numa turma do 4º ano, (em que se desenvolvia a investigação) com a devida anuência da professora, introduzi a seguinte questão:

- Porque razão há objectos que flutuam e objectos que se afundam?

Foi sugerido aos alunos que discutissem a questão em grupo, o que era já um hábito de muitas aulas anteriores. Ao fim de alguns minutos os grupos comunicam as suas ideias ao grupo-turma, através do respectivo porta-voz e de algumas intervenções complementares de outros alunos. No grupo 1 são apresentadas as seguintes ideias: o volume e o nível da água têm importância; se for mais leve flutua e mais pesada afunda; a quantidade de água tem importância, flutua melhor em muita água.

Nesta narrativa, para além do esquema explicativo muito corrente pesado/afunda-leve/flutua, surge com bastante clareza a ideia, já identificada em adultos, segundo a qual quanto maior a quantidade de água maior é a probabilidade de o objecto flutuar. O nível do líquido surge também como factor distinto da quantidade de água: acredita-se que quanto maior for a distância entre a superfície livre do líquido e o fundo do recipiente, mais facilmente o objecto flutuará.

Perante tais ideias, as questões poderão despertar nos alunos um renovado olhar.

- Então achas que o objecto flutua melhor em muita água! Ora no mar há imensa água; será que no mar nenhum objecto vai ao fundo?

- E no alto mar, é muito fundo, tem muita água por baixo! Será que uma pedra deixada cair de um barco no alto mar fica a flutuar, à superfície da água?

PS:.[Continua em Flutuar-afundar: concepções da criança III]

terça-feira, 21 de abril de 2009

FLUTUAR - AFUNDAR! As concepções das crianças-I

1. O objecto flutua porque:

é fino; é plano; é comprido; é gordo, é pequeno; é leve…

São “explicações” que começamos a ouvir nas crianças por volta dos 4/5 anos e que em muitas delas se prolongam no 1º ciclo. Referem-se a uma característica visível do objecto, tendo um carácter descritivo e não explicativo. A característica que a criança invoca como explicação é o elemento perceptivo do objecto que aos seus olhos assume especial relevância. Por isso, tais “explicações” têm um carácter muito particular, variando, na mesma criança, de objecto para objecto, e, no mesmo objecto, de criança para criança.

2. Objectos “leves” flutuam e objectos “pesados” vão ao fundo

Trata-se de uma primeira tentativa de generalização, que se baseia na experiência quotidiana das crianças com objectos flutuantes, que na linguagem corrente se dizem “leves” (objectos feitos de madeira, de cortiça, de plástico, etc.) e com objectos não flutuantes, que vulgarmente se dizem “pesados” (objectos feitos de metal, pedras, etc.).

Porém, é muito frequente verificar-se que o esquema mental leve-flutua/pesado-afunda leva as crianças a mudarem de opinião acerca do que é leve ou pesado, formulando o seu juízo “definitivo”, depois de observarem o comportamento do objecto na água. Quando assim é, ser leve ou pesado não é o que determina o comportamento do objecto na água; é antes o comportamento do objecto que determina o juízo quanto ao que é ser leve ou pesado.

Significa isto que, na visão da criança, causa e efeito se confundem, podendo permutar entre si. Porém, a criança dá-se conta de que este jogo de inter-mutabilidade entre causa e efeito está viciado, quando é confrontada com situações que ela reconhece não fazerem sentido, como por exemplo:

- Bom, tu achas que o que é pesado afunda e o que é leve flutua! Então um grão de areia é pesado e um navio é leve?!

As crianças facilmente percebem que algo "não bate certo"... Trata-se de trazer à consciência das crianças conhecimentos que elas já possuem, para se promover o confronto entre esses conhecimentos e a teoria que estão a sustentar no momento. A consciência da contradição estimula a actividade mental de construção de novas teorias, bem como o confronto de diferentes pontos de vista. Aquele paradoxo gera grande tensão sócio-cognitiva nos alunos, o que põe em marcha o seu potencial reflexivo e criativo.

PS:.[Continuação em Flutuar-afundar: concepções da criança II]

sábado, 4 de abril de 2009

As boas questões conduzem ao conhecimento!

Num pequeno grupo de crianças de 5 anos apresentei-lhes um frasco de vidro e travei com elas o seguinte diálogo:

P - O que há dentro deste frasco?, perguntei.

R - Não tem nada, disseram.

P - Nada? Já ouviram falar de ar?, perguntei.

R - Já.

P - Há ar nesta sala?

R - Não, só se abrirmos uma janela.

P - Mas vocês respiram ou não dentro da sala?

R - Sim, respiramos.

P - E o que é preciso para vocês respirarem?

R - Ar.

P - Então o que é preciso haver na sala para vocês poderem respirar?

R - É preciso ar.

P - Então na sala há ar ou não?

R - Há.

P - E dentro deste frasco o que há?

R - Tem ar.

Este exemplo de questionamento revela que as crianças são frequentemente contraditórias, mas isso não significa que não tenham apreço pela lógica. A contradição reside na ausência de consciência da contradição. As boas questões estimulam as crianças à reflexão, conduzindo assim à tomada de consciência da contradição - esforçam-se então por eliminar a contradição logo que dela tomam consciência.

Neste caso, as crianças compreendem que não é compatível o conhecimento de que respiram com a ideia de que não há ar na sala. Isso leva-as ao reconhecimento de que existe ar na sala e que sendo assim será natural que exista ar no frasco. A simples reflexão das crianças, pela via do questionamento do adulto, conduz ao conhecimento de que há ar na sala, sendo assim abandonada a ideia contrária inicial.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O ESTADO DE FLUXO: tornar fácil o que é difícil!

Nas Práticas EERC o professor promove um processo de aprendizagem que, exigindo de início uma actividade cognitiva simples, vai induzindo os alunos em actividade cognitiva progressivamente mais complexa. As crianças descobrem o prazer de pensar e deixam-se ir... Deste modo tem sido possível promover o estado de fluxo (Goleman, 2000) na sala de aula.

O estado de fluxo caracteriza-se por um alto nível de concentração e desempenho intelectual, associado a um estado de êxtase e reduzido esforço que, consequentemente, retarda o efeito de fadiga, podendo prolongar-se no tempo. Trata-se de uma aparente impossibilidade que, todavia, tem fundamentos neurobiológicos:

Quando observamos alguém em estado de fluxo, ficamos com a sensação de que o difícil é fácil; o desempenho óptimo parece natural e simples. Esta impressão equivale ao que se passa no interior do cérebro, onde se repete um paradoxo semelhante: as tarefas mais exigentes são desempenhadas com um dispêndio mínimo de energia mental. No fluxo, o cérebro encontra-se num estado de “controlo” perfeito em que a excitação e inibição dos circuitos neuronais estão sintonizadas com as exigências do momento. Quando as pessoas se entregam a actividades que, sem esforço, lhes captam e prendem a atenção, os seus cérebros “acalmam-se”, no sentido de que há uma diminuição da excitação cortical (Goleman, 2000:113).

Goleman, D. (2000). Inteligência emocional. Lisboa: Temas e debates, Ltda.

quinta-feira, 19 de março de 2009

O QUE SÃO PRÁTICAS EERC?

O ensino que vimos preconizando neste blog é resultado de um trabalho continuado ao longo de quase duas décadas. Desenvolvemos uma teoria e uma prática de sala de aula a que designamos de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências (EERC).

Nesse processo de ensino parte-se de questões, problemas e fenómenos que se tornam objecto de reflexão e investigação experimental. As situações experimentais são geradoras de diferentes ideias que suscitam a comunicação, a discussão e a argumentação entre os alunos. Estes podem recorrer de novo ao processo experimental para avaliarem a conformidade das ideias com a evidência, o que permite o abandono de certas ideias e acolhimento de outras. E todo o processo é mediado pela acção intencional do professor, que promove uma atmosfera de estimulação do pensamento e da criatividade, baseada em princípios de respeito mútuo, de liberdade de comunicação e de expressão da afectividade.

Assim, nas Práticas EERC as crianças (Sá c/ Varela, 2004):

a) Explicitam as suas ideias e modos de pensar sobre questões, problemas e fenómenos;

b) Argumentam e contra-argumentam entre si e com o adulto quanto ao fundamento das suas ideias;

c) Submetem as ideias e teorias pessoais à prova da evidência com recurso aos processos de investigação;

d) Recorrem à escrita de forma regular na elaboração de planos de investigação, na elaboração de relatórios e no registo das observações e dados da evidência;

e) Avaliam criticamente as suas teorias, expectativas e previsões no confronto com as evidências e com outros pontos de vista e argumentos;

f) Adquirem conhecimentos científicos partindo de diferentes perspectivas pessoais sobre as evidências, depois de discutidas e serem objecto de um processo de "decantação".

Isto acontece realmente, em grupos bem organizados, trabalhando com alto sentido de responsabilidade, por onde o professor vai passando regularmente, por sua iniciativa ou a pedido do grupo.

A competência fundamental do professor é a do questionamento reflexivo, que em cada situação e momento, fornece o estímulo intelectual e a adequação do grau de dificuldade, indispensáveis para que as crianças vão evoluindo para patamares de pensamento cada vez mais elevados (Sá, 1996; http://hdl.handle.net/1822/8165 , Sá & Varela, 2007).

As boas questões são as que vão de encontro à zona óptima de dificuldade na mente do aluno, ou seja, as que captam a zona cognitiva mais produtiva, fazendo o pensamento avançar. Deste modo - diz-nos a experiência de sala de aula e os resultados da investigação - as crianças são capazes de superar complexos desafios de natureza cognitiva, com prazer e sentimento de realização pessoal. Atingem elevados níveis de sucesso em termos dos objectivos de natureza cognitiva, tradicionalmente valorizados, mas vão muito para além disso. Tornam-se pensadores activos e críticos, desenvolvem competências sociais, promovem a sua auto-estima, a motivação intrínseca, a autonomia, a capacidade de tomar decisões e aprendem a lidar de forma positiva com as situações de insucesso. A cada insucesso, avaliam a situação com a ajuda do professor e recomeçam com maior zelo e empenho.

Os resultados da nossa investigação (Sá, J & Varela, P.) demonstram de forma clara que as Práticas EERC desenvolvem nas crianças as suas capacidades cognitivas (tornam-se mais inteligentes), melhoram a qualidade das suas aprendizagens no domínios da língua(1), no domínio das ciências, desenvolvem competências de resolver problemas novos e tornam-se mais reflexivos face aos seus pares. Foram medidos indicadores de todas estas variáveis.

(1) Ainda não testámos esta hipótese ao nível da Matemática, mas temos como certo que se confirmará. As capacidades cognitivas têm uma natureza transversal, ou seja, são uma ferramenta com que o aluno opera na construção das aprendizagens de diferentes domínios curriculares.

domingo, 15 de março de 2009

Aula sobre circuitos eléctricos no 4º ano de escolaridade!

Os alunos do Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico da Universidade do Minho têm vindo a realizar aulas de ensino experimental das ciências em turmas do 1º ciclo. Essas actividades integram-se no próprio processo de formação. Assim se dá corpo à filosofia do Mestrado que preconiza uma formação transformadora e renovadora das práticas de ensino, numa relação dialéctica entre o contexto da sala de aula e o contexto institucional da formação. Move-nos a busca dos processos de optimização do potencial cognitivo e de aprendizagem que há nas crianças, e a construção de uma vivência educativa mais estimulante para os professores e os alunos. Sim, também os professores precisam... para um renovado sentido da sua profissão.

A aluna Graciete Costa orientou uma aula sobre circuitos eléctricos (do mesmo modo que os outros alunos do curso o fizeram noutras turmas) numa turma do 4º ano na Escola EB1/JI Estrada - Turma 8.

Aí temos: a) aquisição de novos vocábulos plenos de significado; b) trabalho de comunicação oral e escrita; c) aprendizagens científicas; d) o recurso ao desenho para representação do modelo de circuito; e) pensamento reflexivo (quanto esforço mental é necessário para descrever correctamente as ligações do circuito em palavras próprias! quanta atenção é necessária para desenhar correctamente essas ligações!); f) destrezas manipulativas e competências de observação, exploração e descoberta (não é dito aos alunos como fazer as ligações; são antes direcciondos pelo questionamento do professor). Deixo-vos o link do blog da turma onde poderão encontrar notícia dessa aula:

http://estt8.blogspot.com/2009/01/experiencias-com-electricidade.html

Parabéns Graciete. Este exemplo constitui um repto para nós, docentes e alunos do Mestrado, encontrarmos uma forma de dar pública visibilidade às actividades de sala de aula que vimos realizando.

P.S.: Aos professores que pretendam realizar a actividade podem encontrar o guião e os resultados de investigação em Sá, J.(2002). Renovar as Práticas no 1º Ciclo pela Via das Ciências da Natureza. Porto: Porto Editora, 2ª Edição.

http://www.portoeditora.pt/ficha.asp?ID=34060

sexta-feira, 6 de março de 2009

Uma grande confusão acerca do que é o ensino experimental!

O Ensino Experimental das Ciências nos primeiros anos de escolaridade está na moda, depois que o governo decidiu dar relevância política a essa dimensão educativa. O tempo dirá se em termos políticos isto é uma arremedo conjuntural; se o for, toda a agitação que anda no ar se transformará num balão vazio sem rasto nas escolas e nas instituições. Historicamente está demonstrado que transformações desta natureza são muito complexas e demoradas, mas observo que as coisas vão sendo encaradas como se fossem simples. De repente é tudo para ontem, sem o cuidado de um plano de intervenção consequente para produzir efeitos duradoiros.... Há uma grande dose de confusão e é necessário começar este tipo de trabalho bem pela base. A título de exemplo conto aos meus leitores este episódio:

Certo dia um grupo de alunas do curso de formação de professores do 1º ciclo do Ensino Básico, preparava a “experiência da salada de frutas”, que lhes tinha sido proposta na escola no âmbito das actividades de núcleo de estágio. Com alguma perplexidade perguntei:

- O que é a “experiência da salada de frutas”?

Compreendi que a palavra “experiência” pretendia significar uma preocupação com a promoção de um ensino experimental. Ficou patente que uma actividade rotineira de manuseamento de objectos e materiais, por parte dos alunos, era o significado atribuído à expressão “ensino experimental” pelos estagiários. Tenho constatado com inusitada frequência que, ora o construtivismo ora o ensino experimental, são entendidos como processos que dão aos alunos oportunidades de manipulações sensório-cinestésicas quaisquer, mesmo que acompanhadas de uma amálgama de interacções verbais sem nexo e sem rumo. É a aparência de acção que conta, sem se ter em consideração os processos mentais associados à acção dos alunos.

Naturalmente impunha-se perguntar a que propósito se tinha decidido dedicar uma aula à actividade de fazer uma salada de frutas. Fiquei a saber que no dia em que decorreria essa aula se comemorava o dia mundial da alimentação e que na escola se costumava fazer essa “experiência”.

Havia pois um motivo para a realização da actividade, mas continuavam sem resposta várias questões, designadamente:

- quais são as aprendizagens que esperam que os alunos realizem com essa actividade?
- o que é suposto que vocês façam nessa aula, como professores, para promoverem tais aprendizagens?
- e o que é suposto ser o papel dos alunos, tendo em vista a consecução de tais aprendizagens?

As respostas a estas três questões básicas consubstanciam a intencionalidade de um professor ao planear uma actividade de ensino, a saber:

i) a identificação das aprendizagens a realizar pelos alunos,

ii) a selecção dos recursos didácticos e das actividades docentes, entre as quais merece especial destaque...

iii) uma antevisão de como induzir nos alunos a conduta adequada à realização pessoal das aprendizagens esperadas.

Naturalmente, esta intencionalidade posta em acção aponta para uma modelação das práticas em situação de ensino, e para uma revisão crítica do processo, tendo em conta o grau de consecução dos objectivos e a adequação das estratégias. Por outras palavras, intencionalidade implica reflexividade.

Esta situação, em que os estudantes-estagiários são induzidos a promover uma actividade de sala de aula, supostamente experimental, sem questionarem os seus fundamentos e objectivos educacionais, configura um processo de socialização dos futuros professores em práticas rotineiras que se afastam do processo reflexivo. Os professores não reflexivos não se interrogam sobre o que fazem e porque o fazem, aceitando sem discussão e de forma acrítica os valores e as práticas dominantes de uma determinada instituição, perdendo de vista as metas e os objectivos da sua actividade docente quotidiana (Zeichner, 1993). É por isso que os jovens professores, em grande parte, se deixam tomar pela cultura das práticas enraizadas nas escolas.

Ao falarmos da intencionalidade do professor teremos que falar igualmente da intencionalidade do aluno. A intencionalidade de um professor nas suas actividades de ensino é indissociável da intencionalidade que consegue (ou não) induzir nos alunos em relação às suas actividades de aprendizagem. Só assim é possível promover nos alunos uma aprendizagem activa e reflexiva no processo experimental.

domingo, 1 de março de 2009

Ensino Experimental Reflexivo das Ciências! O que dizem as crianças de práticas EERC? - 4

Excerto de um diário de aula que escrevi aquando da aula de observação das rãs numa turma do 4º ano:

A professora sugere que durante cinco minutos observem e brinquem com a rã sem a molestarem. Observo que em dois grupos os alunos se dão conta de que a rã é mais escura fora da água do que dentro, algo que eu desconhecia e prendeu a minha atenção. É visível o interesse e satisfação dos alunos em observarem, mexerem, pegarem nas rãs. Passado esse tempo é dada a indicação para registarem o maior número de observações. Durante os registos os alunos interrogam-se acerca dos termos a utilizar e sobre como se escrevem. Quando não conseguem resolver as suas dificuldades quanto aos vocábulos necessários para registar observações, pedem ajuda ao investigador ou à professora. (...) Num dos grupos viram a rã ao contrário para constatarem que tem a parte de baixo branca. Os alunos estão altamente interessados e completamente absorvidos. Não resisti, por isso, a pôr-lhes uma pergunta, ainda antes da discussão das observações:

- "Imaginem que em vez de terem aqui as rãs dávamos esta aula de outra maneira. Eu dizia-vos por palavras como era a rã, escrevia no quadro para vocês copiarem e até podia fazer um desenho. Que acham vocês de uma aula assim?"

Instantaneamente muitos braços se erguem no ar para pedirem a palavra, sendo algumas das respostas as seguintes:

- "Nós ficávamos a saber que o Dr Sá sabe coisas acerca da rã mas nós ficávamos sem saber nada”;

- "O Dr Sá tinha observado uma rã e nós também queríamos observar para aprender como ele";

- "Com a rã aqui na sala nós descobrimos por nós mesmos", diz o Fernando enfatizando o significado das palavras com o gesto de bater com a mão no peito;

- “Se o Dr Sá desse esta aula a escrever coisas no quadro nós perdíamos o interesse”;

- “A professora às vezes diz que desiste das aulas de Ciências por causa do barulho, mas se estas aulas fossem dadas só a escrever no quadro éramos nós que desistíamos” (Tiago, 9 anos.

Fiquei completamente siderado perante a impressionante força da mensagem expressa pelas crianças. Muita da psicologia da aprendizagem contida nos manuais estava ali, dita em palavras simples de crianças de 9/10 anos.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Ensino Experimental Reflexivo das Ciências! O que dizem as crianças de práticas EERC? - 3

A metaprendizagem é a consciência e o conhecimento que os alunos desenvolvem acerca de como são ensinados e dos processos de aprendizagem que vivenciam. Quando os alunos apreciam a forma de aprender que lhes é proporcionada, essa consciência reforça neles a capacidade de aprenderem mais e melhor: são alunos dotados de elevadas competências metacognitivas.

Na composição livre que foi solicitada aos alunos de duas turmas do 4º ano, depois de 60 horas de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências, foram identificados comentários com carácter de metaprendizagem que se incidem nos seguintes aspectos:

a) valorização da sua participação (5; 12,5 %);

b) valorização das responsabilidades assumidas (3; 7,5 %)

c) reconhecimento do papel experimentação/manipulação na aprendizagem (4; 10 %)

d) reconhecimento do desenvolvimento da capacidade de pensar (9; 22,5 %)

Apresentam-se alguns excertos textuais das composições dos alunos:

a) valorização da sua participação

Exemplos:

Fazemos os nossos planos de investigação, tiramos as nossas próprias conclusões. (...) São aulas em que todos participamos muito e que nos vão ajudar para o futuro. (Paula Alexandra, 8 anos)

De início tivemos algumas dificuldades em acompanhar as aulas mas habituámo-nos a elas e, então, desenvolvemos as nossas capacidades, tendo a oportunidade de participar activamente. Nas aulas fomos fazendo experiências com seres vivos, observando o seu comportamento. Construímos vários aparelhos e concluímos da sua utilização. (Sofia, 10 anos)

Ao primeiro eu sentia uma coisa que me dava um bocado de tristeza porque não sabia nada. Depois ao longo do tempo fiquei a saber mais coisas e a me entregar mais ao trabalho. (Tiago, 9 anos)

b) valorização das responsabilidades assumidas

Exemplos:

Quando conheci o Dr. Sá fiquei com uma grande admiração por ele, porque a maneira que ele nos ensina as coisas é a mais correcta. Acho que aos poucos e poucos eu comecei a entusiasmar-me mais com as Ciências porque eu percebi que tinha de trazer material também percebi que tinha responsabilidades. (Vítor, 9 anos)

c) reconhecimento do papel da experimentação/manipulação na aprendizagem

Exemplos:

Foi uma ideia muito engraçada (as aulas de Ciências) pois nós fazendo experiências, não esquecemos aquilo que observamos. (Alexandra, 8 anos)

Acho que só com experiências verdadeiras que nós realizamos pudemos chegar ao conhecimento verdadeiro das Ciências da Natureza e assim estarmos motivados para uma disciplina tão bonita. (Teresa, 9 anos)

(...) durante cada aula que foi passando eu ia ficando cada vez mais interessado e espantado, pois as aulas foram sempre interessantes e cada vez eu ia aprendendo mais coisas. E agora que está no fim eu pego num objecto e sei que se eu o observar e investigar vou saber tudo acerca dele. (Tiago, 9 anos)

d) reconhecimento do desenvolvimento da capacidade de pensar

Exemplos:

Eu gosto muito das aulas de Ciências porque é um dos meios onde nós aprendemos. (...) Eu também gostei que o doutor Sá nos ensinasse a pensar. (Vânea, 9 anos)

Ao fim destas experiências e dos planos de investigação cheguei à conclusão que as aulas de ciências são muito interessantes e desenvolvem-me a cabeça e o meu raciocínio. (Joana, 9 anos)

Com estas aulas descobri muitas coisas engraçadas sobre o que acontece à nossa volta, sem nos darmos conta delas. Fez-me, por isso, olhar para a Natureza com outros olhos. ( Inês, 9 anos)

Eu penso que no futuro estas aulas nos vão ser úteis. Com elas podemos provar várias coisas que outras pessoas não acreditam. (Teresa, 9 anos)

(...) se não fosse o Dr Sá eu não sabia como investigar, como fazer planos de investigação... Eu acho que o Dr Sá nos tornou uns pequenos Cientistas. (Tiago, 9 anos)

Quando começaram as ciências eu estava com um bocado de medo mas quando eu ví que não era assim tão difícil correu tudo bem. Mas depois ia sendo mais difícil. Eu comecei a perceber que as aulas de ciências estavam-me a por a cabeça a funcionar e a desenvolver para os problemas e principalmente para os planos de investigação. (Francisca, 9 anos)

Os alunos foram de facto treinados a pensar de forma muito intencional e deliberada. Mesmo assim, foi para mim uma surpresa e motivo de grande satisfação constatar que 9 alunos demonstraram essa consciência, por sua livre iniciativa, transmitindo-me a sua descoberta de que o pensar lhes proporciona prazer e satisfação pessoal.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Ensino Experimenta Reflexivo das Ciências! O que dizem as crianças de práticas EERC? - 2

Ao fim de duas intervenções pedagógicas de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências (EERC), de cerca de 60 horas, distribuídas ao longo de um ano, em duas turmas do 4º ano de escolaridade, foi solicitado aos alunos que escrevessem livremente o que pensavam e sentiam em relação às aulas. A análise dos textos permitiu a identificação de 7 categorias de conteúdo. Apresentam-se a seguir essas categorias, bem como o número de sujeitos e a correspondente percentagem em cada uma delas:

- Comentários relativos a nervosismo e expectativas iniciais desfavoráveis que se dissiparam (16; 40%)

- Comentários relativos a prazer, alegria e divertimento vivenciados (17; 42,5%)

- Evocação e/ou descrição de experiências que mais gostaram (22; 55,0%)

- Referências às suas descobertas e conhecimentos adquiridos (15; 37,5%)

- Comentários relativos à oportunidade de aprender coisas novas nas actividades experimentais (18; 45,0 %)

- Comentários relativos à utilidade das aulas com vista ao 2º ciclo ou vida futura (12; 30%)

- Comentários com carácter de metaprendizagem* (10; 25 %)

Apresentam-se de seguida, a título ilustrativo, alguns dos excertos mais significativos das composições dos alunos:

Com estas aulas dadas já me apetecia ser professor de Ciências. Isto resume-se numa coisa apenas. As Ciências são um espectáculo. (Vítor, 9 anos)

Eu me ri tanto a fazer experiências. (Sandrina, 11 anos)

Eu cada dia que faço experiências sinto-me outra pessoa, mais adulta e sempre contente. Foram as aulas que eu mais gostei. (Rosa, 9 anos)

Ao princípio eu achava que ia ser uma chatice mas depois quando comecei a fazer experiências foi uma maravilha. Só não gosto quando o professor se vai embora. Eu gostava de ter aulas de experiências todos os dias, menos ao fim de semana. (Carla, 9 anos)

As experiências são muito boas e eu para o ano gostaria de continuar nesta escola. (Hugo, 9 anos)

Quando terminou essa aula ficei muito feliz porque a primeira vez que vi as rãs tinha um medo desgraçado e ao fim eu já não tive medo delas. (Sónia, 9 anos)

Agora quando o professor de experiências entra na sala toda a gente fica contente com um sorriso nos lábios. (...) Todos gostam destas aulas de experiências e quem me dera ter sempre estas aulas, só que quando acabar estas aulas tenho a certeza que todos ficarão muito tristes. (Miguel, 10 anos)

Quando a professora falou das experiências eu pensei que não ia gostar. Mas depois da primeira experiência eu percebi que estava em grande. (Liliana, 11 anos)

Ao princípio eu estava nervoso, por ser a minha primeira aula de ciências com um professor de ciências a sério. Mas lá consegui bater o meu nervosimo. Gostei muito da aula (...). E daí em diante foi sempre assim, muito entusiasmo e muita alegria. (Pedro, 9 anos)

Nós sentimos uma sensação muito boa durante estas vinte e duas aulas, e agora temos muita pena por não termos mais aulas de ciências. (Rui, 9 anos)

Quando a primeira aula acabou eu fiquei amaravilhado. As aulas passavam e cada vez eram melhores. (Jorge, 9 anos)

Na primeira aula reparei que me ia dar bem com o Doutor Sá. Foram passando as aulas e eu comecei a reparar que aquilo era uma entrada para o nosso futuro. Mas agora que chegámos a este ponto que me disseram que as aulas iam acabar eu fiquei assim meia confusa e triste por que gosto muito das aulas. (Rita, 9 anos)

Bem, foi incrível da primeira vez pois tivemos uma aula de plantas. Bem foi cada vez mais emocionante. (Filipa, 9 anos)

Eu gosto das aulas de ciências porque descobrimos coisas fantásticas e maravilhosas. (Marisa, 10 anos)

Depois da primeira experiência, e das outras que se seguiram percebi que as aulas de ciências seriam úteis para o nosso futuro e para perceber e conhecer melhor o nosso mundo. (Ricardo, 9 anos)

*A metaprendizagem refere-se à consciência desenvolvida pelos alunos sobre a natureza dos processos de aprendizagem que vivenciaram. No post seguinte daremos maior atenção a este aspecto.