terça-feira, 7 de outubro de 2008

As crianças são contraditórias, mas tem apreço pela lógica.

Sabemos que as crianças são contraditórias, mas isso não significa que não têm apreço pela lógica. Como exemplo demonstrativo apresento-vos um diálogo que travei com um grupo de crianças de 5 anos. Iniciei a discussão com um frasco de viro na mão (ver http://hdl.handle.net/1822/8097):

- O que há dentro deste frasco?, perguntei.
- Não tem nada,
disseram.
- Nada? Já ouviram falar de ar?,
perguntei.
- Já.
- Há ar nesta sala?
- Não, só se abrirmos uma janela.
- Mas vocês respiram ou não dentro da sala?
- Sim, respiramos.
- E o que é preciso para vocês respirarem?
- Ar.
- Então o que é preciso haver na sala para vocês poderem respirar?
- É preciso ar.
- Então na sala há ar ou não?
- Há.
- E dentro deste frasco o que há?
- Tem ar.


Esta situação, a par de muitas outras ocorridas com crianças mais crescidas, põe em evidência o seguinte:

- a falta de lógica da criança tem as suas raízes na ausência de consciência das suas contradições.

Temos, porém, verificado que a criança tem um grande apreço pela lógica, e empenha-se na eliminação da contradição logo que toma consciência dela. A tomada de consciência das contradições e incongruências do seu pensamento, por parte da criança, tem uma importância nuclear na promoção do seu raciocínio lógico. Para isso tem um papel fundamental o desenvolvimento de competências da estimulação reflexiva do adulto. Um dos importantes aspectos desse processo consiste em ajudar a criança a trazer à consciência conhecimentos do quotidiano que já possui, permitindo que ela os confronte com as ideias que está a expressar numa situação de aprendizagem.

É muito corrente as crianças tratarem o conhecimento do quotidiano como dissociado das situações escolares de aprendizagem. Neste caso, as crianças têm já o conhecimento de que respiram e de que precisam de ar para respirar. Todavia, não recorrem a esses conhecimentos para responder se há ar na sala e respondem de forma contraditória com o seu próprio conhecimento.

A este propósito vale a pena evocar do conceito de memória de trabalho (Damásio, 1995). Corresponde à quantidade de informação, imagens, conhecimentos, etc. que são mobilizados em simultâneo e se mantêm activados na mente enquanto o sujeito se confronta com uma questão ou problema. Neste caso, de início os conhecimentos sobre a relação entre ar e respiração estavam fora da memória de trabalho da criança. O questionamento do adulto ajudou a criança a ampliar a sua memória de trabalho, ficando apta a fazer face à questão. Assim foi resolvida a contradição entre o conhecimento que a criança já possuía e a sua ideia inicial de que não existia ar na sala.

1 comentário:

Rosa Silvestre disse...

Parabéns pelo Blog!
Temos em comum a educação das crianças, embora em vertentes diferentes...