quarta-feira, 25 de março de 2009

O ESTADO DE FLUXO: tornar fácil o que é difícil!

Nas Práticas EERC o professor promove um processo de aprendizagem que, exigindo de início uma actividade cognitiva simples, vai induzindo os alunos em actividade cognitiva progressivamente mais complexa. As crianças descobrem o prazer de pensar e deixam-se ir... Deste modo tem sido possível promover o estado de fluxo (Goleman, 2000) na sala de aula.

O estado de fluxo caracteriza-se por um alto nível de concentração e desempenho intelectual, associado a um estado de êxtase e reduzido esforço que, consequentemente, retarda o efeito de fadiga, podendo prolongar-se no tempo. Trata-se de uma aparente impossibilidade que, todavia, tem fundamentos neurobiológicos:

Quando observamos alguém em estado de fluxo, ficamos com a sensação de que o difícil é fácil; o desempenho óptimo parece natural e simples. Esta impressão equivale ao que se passa no interior do cérebro, onde se repete um paradoxo semelhante: as tarefas mais exigentes são desempenhadas com um dispêndio mínimo de energia mental. No fluxo, o cérebro encontra-se num estado de “controlo” perfeito em que a excitação e inibição dos circuitos neuronais estão sintonizadas com as exigências do momento. Quando as pessoas se entregam a actividades que, sem esforço, lhes captam e prendem a atenção, os seus cérebros “acalmam-se”, no sentido de que há uma diminuição da excitação cortical (Goleman, 2000:113).

Goleman, D. (2000). Inteligência emocional. Lisboa: Temas e debates, Ltda.

quinta-feira, 19 de março de 2009

O QUE SÃO PRÁTICAS EERC?

O ensino que vimos preconizando neste blog é resultado de um trabalho continuado ao longo de quase duas décadas. Desenvolvemos uma teoria e uma prática de sala de aula a que designamos de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências (EERC).

Nesse processo de ensino parte-se de questões, problemas e fenómenos que se tornam objecto de reflexão e investigação experimental. As situações experimentais são geradoras de diferentes ideias que suscitam a comunicação, a discussão e a argumentação entre os alunos. Estes podem recorrer de novo ao processo experimental para avaliarem a conformidade das ideias com a evidência, o que permite o abandono de certas ideias e acolhimento de outras. E todo o processo é mediado pela acção intencional do professor, que promove uma atmosfera de estimulação do pensamento e da criatividade, baseada em princípios de respeito mútuo, de liberdade de comunicação e de expressão da afectividade.

Assim, nas Práticas EERC as crianças (Sá c/ Varela, 2004):

a) Explicitam as suas ideias e modos de pensar sobre questões, problemas e fenómenos;

b) Argumentam e contra-argumentam entre si e com o adulto quanto ao fundamento das suas ideias;

c) Submetem as ideias e teorias pessoais à prova da evidência com recurso aos processos de investigação;

d) Recorrem à escrita de forma regular na elaboração de planos de investigação, na elaboração de relatórios e no registo das observações e dados da evidência;

e) Avaliam criticamente as suas teorias, expectativas e previsões no confronto com as evidências e com outros pontos de vista e argumentos;

f) Adquirem conhecimentos científicos partindo de diferentes perspectivas pessoais sobre as evidências, depois de discutidas e serem objecto de um processo de "decantação".

Isto acontece realmente, em grupos bem organizados, trabalhando com alto sentido de responsabilidade, por onde o professor vai passando regularmente, por sua iniciativa ou a pedido do grupo.

A competência fundamental do professor é a do questionamento reflexivo, que em cada situação e momento, fornece o estímulo intelectual e a adequação do grau de dificuldade, indispensáveis para que as crianças vão evoluindo para patamares de pensamento cada vez mais elevados (Sá, 1996; http://hdl.handle.net/1822/8165 , Sá & Varela, 2007).

As boas questões são as que vão de encontro à zona óptima de dificuldade na mente do aluno, ou seja, as que captam a zona cognitiva mais produtiva, fazendo o pensamento avançar. Deste modo - diz-nos a experiência de sala de aula e os resultados da investigação - as crianças são capazes de superar complexos desafios de natureza cognitiva, com prazer e sentimento de realização pessoal. Atingem elevados níveis de sucesso em termos dos objectivos de natureza cognitiva, tradicionalmente valorizados, mas vão muito para além disso. Tornam-se pensadores activos e críticos, desenvolvem competências sociais, promovem a sua auto-estima, a motivação intrínseca, a autonomia, a capacidade de tomar decisões e aprendem a lidar de forma positiva com as situações de insucesso. A cada insucesso, avaliam a situação com a ajuda do professor e recomeçam com maior zelo e empenho.

Os resultados da nossa investigação (Sá, J & Varela, P.) demonstram de forma clara que as Práticas EERC desenvolvem nas crianças as suas capacidades cognitivas (tornam-se mais inteligentes), melhoram a qualidade das suas aprendizagens no domínios da língua(1), no domínio das ciências, desenvolvem competências de resolver problemas novos e tornam-se mais reflexivos face aos seus pares. Foram medidos indicadores de todas estas variáveis.

(1) Ainda não testámos esta hipótese ao nível da Matemática, mas temos como certo que se confirmará. As capacidades cognitivas têm uma natureza transversal, ou seja, são uma ferramenta com que o aluno opera na construção das aprendizagens de diferentes domínios curriculares.

domingo, 15 de março de 2009

Aula sobre circuitos eléctricos no 4º ano de escolaridade!

Os alunos do Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico da Universidade do Minho têm vindo a realizar aulas de ensino experimental das ciências em turmas do 1º ciclo. Essas actividades integram-se no próprio processo de formação. Assim se dá corpo à filosofia do Mestrado que preconiza uma formação transformadora e renovadora das práticas de ensino, numa relação dialéctica entre o contexto da sala de aula e o contexto institucional da formação. Move-nos a busca dos processos de optimização do potencial cognitivo e de aprendizagem que há nas crianças, e a construção de uma vivência educativa mais estimulante para os professores e os alunos. Sim, também os professores precisam... para um renovado sentido da sua profissão.

A aluna Graciete Costa orientou uma aula sobre circuitos eléctricos (do mesmo modo que os outros alunos do curso o fizeram noutras turmas) numa turma do 4º ano na Escola EB1/JI Estrada - Turma 8.

Aí temos: a) aquisição de novos vocábulos plenos de significado; b) trabalho de comunicação oral e escrita; c) aprendizagens científicas; d) o recurso ao desenho para representação do modelo de circuito; e) pensamento reflexivo (quanto esforço mental é necessário para descrever correctamente as ligações do circuito em palavras próprias! quanta atenção é necessária para desenhar correctamente essas ligações!); f) destrezas manipulativas e competências de observação, exploração e descoberta (não é dito aos alunos como fazer as ligações; são antes direcciondos pelo questionamento do professor). Deixo-vos o link do blog da turma onde poderão encontrar notícia dessa aula:

http://estt8.blogspot.com/2009/01/experiencias-com-electricidade.html

Parabéns Graciete. Este exemplo constitui um repto para nós, docentes e alunos do Mestrado, encontrarmos uma forma de dar pública visibilidade às actividades de sala de aula que vimos realizando.

P.S.: Aos professores que pretendam realizar a actividade podem encontrar o guião e os resultados de investigação em Sá, J.(2002). Renovar as Práticas no 1º Ciclo pela Via das Ciências da Natureza. Porto: Porto Editora, 2ª Edição.

http://www.portoeditora.pt/ficha.asp?ID=34060

sexta-feira, 6 de março de 2009

Uma grande confusão acerca do que é o ensino experimental!

O Ensino Experimental das Ciências nos primeiros anos de escolaridade está na moda, depois que o governo decidiu dar relevância política a essa dimensão educativa. O tempo dirá se em termos políticos isto é uma arremedo conjuntural; se o for, toda a agitação que anda no ar se transformará num balão vazio sem rasto nas escolas e nas instituições. Historicamente está demonstrado que transformações desta natureza são muito complexas e demoradas, mas observo que as coisas vão sendo encaradas como se fossem simples. De repente é tudo para ontem, sem o cuidado de um plano de intervenção consequente para produzir efeitos duradoiros.... Há uma grande dose de confusão e é necessário começar este tipo de trabalho bem pela base. A título de exemplo conto aos meus leitores este episódio:

Certo dia um grupo de alunas do curso de formação de professores do 1º ciclo do Ensino Básico, preparava a “experiência da salada de frutas”, que lhes tinha sido proposta na escola no âmbito das actividades de núcleo de estágio. Com alguma perplexidade perguntei:

- O que é a “experiência da salada de frutas”?

Compreendi que a palavra “experiência” pretendia significar uma preocupação com a promoção de um ensino experimental. Ficou patente que uma actividade rotineira de manuseamento de objectos e materiais, por parte dos alunos, era o significado atribuído à expressão “ensino experimental” pelos estagiários. Tenho constatado com inusitada frequência que, ora o construtivismo ora o ensino experimental, são entendidos como processos que dão aos alunos oportunidades de manipulações sensório-cinestésicas quaisquer, mesmo que acompanhadas de uma amálgama de interacções verbais sem nexo e sem rumo. É a aparência de acção que conta, sem se ter em consideração os processos mentais associados à acção dos alunos.

Naturalmente impunha-se perguntar a que propósito se tinha decidido dedicar uma aula à actividade de fazer uma salada de frutas. Fiquei a saber que no dia em que decorreria essa aula se comemorava o dia mundial da alimentação e que na escola se costumava fazer essa “experiência”.

Havia pois um motivo para a realização da actividade, mas continuavam sem resposta várias questões, designadamente:

- quais são as aprendizagens que esperam que os alunos realizem com essa actividade?
- o que é suposto que vocês façam nessa aula, como professores, para promoverem tais aprendizagens?
- e o que é suposto ser o papel dos alunos, tendo em vista a consecução de tais aprendizagens?

As respostas a estas três questões básicas consubstanciam a intencionalidade de um professor ao planear uma actividade de ensino, a saber:

i) a identificação das aprendizagens a realizar pelos alunos,

ii) a selecção dos recursos didácticos e das actividades docentes, entre as quais merece especial destaque...

iii) uma antevisão de como induzir nos alunos a conduta adequada à realização pessoal das aprendizagens esperadas.

Naturalmente, esta intencionalidade posta em acção aponta para uma modelação das práticas em situação de ensino, e para uma revisão crítica do processo, tendo em conta o grau de consecução dos objectivos e a adequação das estratégias. Por outras palavras, intencionalidade implica reflexividade.

Esta situação, em que os estudantes-estagiários são induzidos a promover uma actividade de sala de aula, supostamente experimental, sem questionarem os seus fundamentos e objectivos educacionais, configura um processo de socialização dos futuros professores em práticas rotineiras que se afastam do processo reflexivo. Os professores não reflexivos não se interrogam sobre o que fazem e porque o fazem, aceitando sem discussão e de forma acrítica os valores e as práticas dominantes de uma determinada instituição, perdendo de vista as metas e os objectivos da sua actividade docente quotidiana (Zeichner, 1993). É por isso que os jovens professores, em grande parte, se deixam tomar pela cultura das práticas enraizadas nas escolas.

Ao falarmos da intencionalidade do professor teremos que falar igualmente da intencionalidade do aluno. A intencionalidade de um professor nas suas actividades de ensino é indissociável da intencionalidade que consegue (ou não) induzir nos alunos em relação às suas actividades de aprendizagem. Só assim é possível promover nos alunos uma aprendizagem activa e reflexiva no processo experimental.

domingo, 1 de março de 2009

Ensino Experimental Reflexivo das Ciências! O que dizem as crianças de práticas EERC? - 4

Excerto de um diário de aula que escrevi aquando da aula de observação das rãs numa turma do 4º ano:

A professora sugere que durante cinco minutos observem e brinquem com a rã sem a molestarem. Observo que em dois grupos os alunos se dão conta de que a rã é mais escura fora da água do que dentro, algo que eu desconhecia e prendeu a minha atenção. É visível o interesse e satisfação dos alunos em observarem, mexerem, pegarem nas rãs. Passado esse tempo é dada a indicação para registarem o maior número de observações. Durante os registos os alunos interrogam-se acerca dos termos a utilizar e sobre como se escrevem. Quando não conseguem resolver as suas dificuldades quanto aos vocábulos necessários para registar observações, pedem ajuda ao investigador ou à professora. (...) Num dos grupos viram a rã ao contrário para constatarem que tem a parte de baixo branca. Os alunos estão altamente interessados e completamente absorvidos. Não resisti, por isso, a pôr-lhes uma pergunta, ainda antes da discussão das observações:

- "Imaginem que em vez de terem aqui as rãs dávamos esta aula de outra maneira. Eu dizia-vos por palavras como era a rã, escrevia no quadro para vocês copiarem e até podia fazer um desenho. Que acham vocês de uma aula assim?"

Instantaneamente muitos braços se erguem no ar para pedirem a palavra, sendo algumas das respostas as seguintes:

- "Nós ficávamos a saber que o Dr Sá sabe coisas acerca da rã mas nós ficávamos sem saber nada”;

- "O Dr Sá tinha observado uma rã e nós também queríamos observar para aprender como ele";

- "Com a rã aqui na sala nós descobrimos por nós mesmos", diz o Fernando enfatizando o significado das palavras com o gesto de bater com a mão no peito;

- “Se o Dr Sá desse esta aula a escrever coisas no quadro nós perdíamos o interesse”;

- “A professora às vezes diz que desiste das aulas de Ciências por causa do barulho, mas se estas aulas fossem dadas só a escrever no quadro éramos nós que desistíamos” (Tiago, 9 anos.

Fiquei completamente siderado perante a impressionante força da mensagem expressa pelas crianças. Muita da psicologia da aprendizagem contida nos manuais estava ali, dita em palavras simples de crianças de 9/10 anos.