sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Elevar cada criança ao limite superior do potencial que há dentro de si .

São de referir vários factores que conferem à faixa etária dos 5/6 aos 11/12 anos, um período óptimo cujas potencialidades deveriam ser mais exploradas:

a) o elevado poder interrogativo das crianças1

b) o elevado potencial de criatividade que se apresenta ainda no seu estado natural quase-virgem2;

c) a plasticidade das suas ideias e esquemas mentais, o que significa ausência de concepções alternativas enraizadas e resilientes, e ausência do “síndrome” de resposta "certa"3, o que propicia elevada capacidade reflexiva;

d) a frequente ocorrência de noções intuitivas que, ao invés de antagónicas com os conceitos científicos, correspondem a uma fase embrionária de um processo de evolução conceptual;

e) o elevado ritmo de maturação das estruturas cognitivas.

Este conjunto de factores contribuem para uma banda larga da zona de desenvolvimento proximal proposto por Vygotsky (1987). Quer isto dizer que há uma acentuada discrepância entre a idade mental evidenciada pela criança, quando resolve problemas sozinha e o nível que ela pode alcançar quando socialmente estimulada, ora pelo adulto, ora pela interacção com outras crianças. Isso significa que há uma grande margem de superação dos níveis tradicionalmente reconhecidos às crianças, quer do ponto de vista da aprendizagem, quer do ponto de vista do desenvolvimento intelectual.

A resolução cooperativa de problemas de Ciências, induzida e intencionalmente estimulada pelo adulto, é uma estratégia educacional poderosíssima para as crianças. É ao longo dos primeiros anos de escolaridade que as funções psicológicas superiores estão em fase de amadurecimento (Vygotsky, 1987). Assim esses primeiros anos afiguram-se como um período óptimo de aprendizagem e desenvolvimento por via do processo experimental reflexivo.

Os sistemas educativos deveriam rentabilizar a fecundidade dessa faixa etária, promovendo uma intervenção educacional orientada para elevar cada criança ao limite superior do potencial que há dentro de si.

1 As crianças manifestam perplexidades e colocam questões em relação a factos e fenómenos que muitos adultos já não questionam, embora continuem a não os entender. Por exemplo, perguntam as crianças: " Se a Terra é redonda e há pessoas por baixo de nós, com as pernas para o ar, como é que essas pessoas não caem?". Vários professores do 1º ciclo têm-nos dado conta dessa questão, entre outras, e reconhecem que aceitam como adquirido esse facto, sem contudo o compreenderem, não dispondo de qualquer explicação para a criança. E no entanto basta às crianças explorarem um íman, para depois serem induzidas a estabelecer uma analogia entre a Terra e o íman para que elas concluam, "pois é, a Terra é tipo íman". Há um nível de compreensão inteligível e plausível para a criança que não passa de modo algum pela abordagem do princípio da interacção gravitacional.

2 Um dos factos mais marcantes que temos constatado nas intervenções na sala de aula, é o inesgotável potencial de boas ideias que as crianças conseguem apresentar nas suas discussões e reflexões de grupo. Ao professor compete saber agir como catalisador de um processo de refinamento e melhoria da qualidade dessas ideias.

3 Pode dizer-se que são mais suaves os obstáculos epistemológicos à construção do novo conhecimento. Ou seja, se o novo conhecimento se constrói contra um conhecimento já existente (Bachelard, 1972), no caso das crianças o conhecimento já existente é um obstáculo menor.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As crianças versus adultos face a problemas experimentais.

A formação inicial e contínua de professores, a par das intervenções em salas de aula do 1º ciclo, têm-me permitido analisar as diferenças de abordagem de adultos e crianças face a problemas idênticos. Constata-se que há uma variada gama de problemas e questões práticas que as crianças resolvem de forma mais rápida e fluente do que os adultos.

Por exemplo, como fazer flutuar um pedaço de plasticina?

Em qualquer turma do 2º, 3º ou 4º anos de escolaridade (1), há sempre um aluno que ao fim de alguns minutos resolve fazer um "barco" de plasticina e num ápice a ideia é apropriada por toda a turma. Rapidamente todos os grupos têm os seus barcos de plasticina a flutuar. Todavia, os professores ou estudantes da formação inicial têm mais dificuldades.

É notório que as crianças admitem um grande leque de possibilidades para resolverem as questões colocadas e manifestam um grande empenho em as tentarem, sem quaisquer constrangimentos. Pelo contrário, o número de possibilidades admitidas pelos adultos é muito limitado, manifestam uma grande preocupação em tentarem apenas soluções tidas apriori como “correctas” e evitam o “ridículo” de tentativas “extravagantes”.

Em conclusão, o que faz a diferença no maior grau de sucesso por parte das crianças é o seu mais elevado potencial criativo e o carácter lúdico de que se revestem os desafios colocados, o que suscita neles iniciativa e grande empenhamento; ao contrário os adultos ficam frequentemente numa atitude passiva à espera da solução após as primeiras tentativas falhadas.

Talvez isso explique um facto que me causou grande perplexidade. Apliquei um teste de conhecimentos e capacidades científicos elementares em duas turmas do 4º ano de escolaridade, em que se havia desenvolvido uma intervenção de cerca de 15 horas; as médias obtidas as foram 62,8% e 74,0%. Decidi aplicar o mesmo teste a uma turma de estudantes universitários do 1º ano do curso de professores do 1º ciclo e a média foi de 47,7% (Sá, 1994; 2002 http://www.portoeditora.pt/ficha.asp?ID=34060 ).

A questão de fundo que toda esta situação suscita é a seguinte:

- não estaremos nós a desperdiçar um tempo irrecuperável ao negligenciarmos esforços de iniciação à abordagem experimental reflexiva das Ciências numa faixa etária tão fértil?

(1) Não refiro o 1º ano porque não tenho experiência dessa actividade nesse ano.

domingo, 14 de dezembro de 2008

As crianças aplicam o conhecimento adquirido sobre a combustão a situações novas.

Sugere-se ao leitor, caso queira ter a visão cronológica do desenvolvimento da aula, que leia, de baixo para cima a sequência dos posts desde ESTUDO DA COMBUSTÃO I em http://geniociencia.blogspot.com/2008/11/fazer-os-alunos-pensar-sobre-as-suas.html até este post.

ESTUDO DA COMUSTÃO VII
A finalizar a aula, foram colocadas algumas questões que exigiam dos alunos a aplicação do conhecimento adquirido a situações novas:

- Se distraidamente um automobilista, tiver provocado um incêndio no interior do seu carro, aconselhá-lo-ias a abrir ou a fechar as janelas, depois de saír? Porquê

- A uma pessoa cujas roupas se incendiassem, expô-la-ias ao vento para que as chamas se apagassem, ou embrulhá-la-ias com um cobertor? Porquê?

- Ao remexer-se um braseiro, o brilho das brasas aumenta ou diminui? Porquê?

- No combate aos incêndios, os bombeiros preferem dias de vento ou dias calmos? Porquê?

Na primeira questão as crianças manifestaram-se divididas. Estava-se já no fim da aula e pressa com que a questão foi colocada parece não ter deixado claro que a permanência de janelas abertas ou fechadas ocorreria com o condutor já fora do carro. Isso poderá ter levado alguns alunos a imaginarem a situação aflitiva em que ficaria uma pessoa fechada dentro de um automóvel dentro do qual se desencadeara um incêndio. Perante a afirmação de um aluno de que as janelas deveriam ficar abertas, um outro ri-se comenta com ironia: Depois das experiências que fizeste ainda dizes isso. Nas restantes questões os alunos não tiveram dificuldade em dar as respostas correctas.

Em conclusão, é notória a capacidade dos alunos aplicarem a novas situações o conhecimento de que o ar é necessário para os fenómenos de combustão e que as alterações que vai sendo sujeito confere ao ar propriedades que levam à extinção da combustão.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O ar é necessário para a chama estar acesa! O ar transforma-se na presença da chama, acabando esta por se apagar!

ESTUDO DA COMBUSTÃO VI

Proponho aos grupos que façam medições do tempo de duração da chama, no mesmo frasco, várias vezes consecutivas. Apenas um grupo obteve tempos sensivelmente iguais. Peço que discutam em grupo as explicações para as diferenças encontradas nos tempos de duração da chama medidos.

As explicações revelam ideias bastante evoluídas:

a) a diminuição progressiva do tempo de combustão acontece em resultado de, nas 2ª e 3ª vez, haver restos de ar da experiência anterior;

b) quando da 2ª medição para a 3ª há um aumento do tempo de combustão, há quem explique a quebra da tendência de diminuição dizendo que demoraram mais tempo entre a 2ª e a 3ª experiência, o que terá permitido a renovação do ar;

c) nos casos em que os tempos são iguais alguns alunos dizem que o frasco terá ficado aberto bastante tempo o que terá permitido a total renovação do ar.

Análise interpretativa

O ar é necessário para a chama estar acesa!
O ar transforma-se na presença da chama, acabando esta por se apagar!

De um modo geral há uma compreensão de que o ar se altera com a combustão, ficando em piores condições para que a chama se mantenha acesa. É essa a explicação que dão para a diminuição do tempo de duração da chama em sucessivas medições no mesmo frasco. Essa ideia é bastante consistente, de tal modo que, mesmo quando essa diminuição de tempo não ocorre, os alunos apresentam explicações que referem o facto de, por diversos motivos, ter ocorrido uma renovação não intencional do ar. A compreensão do papel do ar na combustão foi adquirida pela acumulação de evidência favorável a essa teoria. E é essa acumulação de evidência que faz prevalecer a teoria do ar em detrimento das restantes.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Um experiência que reforça a teoria da importância do ar na combustão

ESTUDO DA COMBUSTÃO V
Sugeri então aos alunos que fizessem a seguinte experiência: inverter o frasco sobre a vela e retirá-lo quando a chama estivesse para se apagar: a chama reaviva-se instantaneamente. A actividade foi realizada com visível satisfação. Concedi tempo para que as crianças brincassem, repetindo a experiência algumas vezes consecutivas. Porque ficou a chama outra vez maior?, perguntei a dada altura. A Sofia (10 anos) responde que "a vela apanhou mais ar". O Tiago (9 anos) explica o reavivar da chama quando se levanta o frasco do seguinte modo: "Quando abrimos a boca (para respirar) "é o mesmo que levantar o frasco". Pergunto se o ar no momento em que o frasco é invertido sobre a chama e após a extinção da chama permanece igual dentro do frasco. Vários alunos dizem que não. A Francisca (9 anos) diz que "o ar lá dentro já não é 'capaz'”. Outras respostas: "o ar fica usado"; "tem que haver movimentos de ar"; "a vela é como uma pessoa, se fecharmos a boca e o nariz morremos"; "a vela com o mesmo ar morre".

Análise interpretativa

A importância do ar para conservar a chama
A experiência é bastante elucidativa para os alunos reconhecerem a importância do ar no reavivar da chama. Isso está patente nas analogias com o fenómeno da respiração. Surge agora a ideia de que o ar sofre algum tipo de transformação em consequência da chama e que a renovação do ar é necessária para que a chama não se apague: tem que haver movimentos de ar; a vela com o mesmo ar morre.

Todavia alguns alunos continuam a afirmar que são válidas as três diferentes teorias anteriormente sustentadas para explicar as diferenças de tempo de combustão em frascos de diferentes tamanhos. Parece persistir ainda a causalidade baseada na covariança de dois factores e a ausência de perspectiva científica.