O Ensino Experimental das Ciências nos primeiros anos de escolaridade está na moda, depois que o governo decidiu dar relevância política a essa dimensão educativa. O tempo dirá se em termos políticos isto é uma arremedo conjuntural; se o for, toda a agitação que anda no ar se transformará num balão vazio sem rasto nas escolas e nas instituições. Historicamente está demonstrado que transformações desta natureza são muito complexas e demoradas, mas observo que as coisas vão sendo encaradas como se fossem simples. De repente é tudo para ontem, sem o cuidado de um plano de intervenção consequente para produzir efeitos duradoiros.... Há uma grande dose de confusão e é necessário começar este tipo de trabalho bem pela base. A título de exemplo conto aos meus leitores este episódio:
Certo dia um grupo de alunas do curso de formação de professores do 1º ciclo do Ensino Básico, preparava a “experiência da salada de frutas”, que lhes tinha sido proposta na escola no âmbito das actividades de núcleo de estágio. Com alguma perplexidade perguntei:
- O que é a “experiência da salada de frutas”?
Compreendi que a palavra “experiência” pretendia significar uma preocupação com a promoção de um ensino experimental. Ficou patente que uma actividade rotineira de manuseamento de objectos e materiais, por parte dos alunos, era o significado atribuído à expressão “ensino experimental” pelos estagiários. Tenho constatado com inusitada frequência que, ora o construtivismo ora o ensino experimental, são entendidos como processos que dão aos alunos oportunidades de manipulações sensório-cinestésicas quaisquer, mesmo que acompanhadas de uma amálgama de interacções verbais sem nexo e sem rumo. É a aparência de acção que conta, sem se ter em consideração os processos mentais associados à acção dos alunos.
Naturalmente impunha-se perguntar a que propósito se tinha decidido dedicar uma aula à actividade de fazer uma salada de frutas. Fiquei a saber que no dia em que decorreria essa aula se comemorava o dia mundial da alimentação e que na escola se costumava fazer essa “experiência”.
Havia pois um motivo para a realização da actividade, mas continuavam sem resposta várias questões, designadamente:
- quais são as aprendizagens que esperam que os alunos realizem com essa actividade?
- o que é suposto que vocês façam nessa aula, como professores, para promoverem tais aprendizagens?
- e o que é suposto ser o papel dos alunos, tendo em vista a consecução de tais aprendizagens?
As respostas a estas três questões básicas consubstanciam a intencionalidade de um professor ao planear uma actividade de ensino, a saber:
i) a identificação das aprendizagens a realizar pelos alunos,
ii) a selecção dos recursos didácticos e das actividades docentes, entre as quais merece especial destaque...
iii) uma antevisão de como induzir nos alunos a conduta adequada à realização pessoal das aprendizagens esperadas.
Naturalmente, esta intencionalidade posta em acção aponta para uma modelação das práticas em situação de ensino, e para uma revisão crítica do processo, tendo em conta o grau de consecução dos objectivos e a adequação das estratégias. Por outras palavras, intencionalidade implica reflexividade.
Esta situação, em que os estudantes-estagiários são induzidos a promover uma actividade de sala de aula, supostamente experimental, sem questionarem os seus fundamentos e objectivos educacionais, configura um processo de socialização dos futuros professores em práticas rotineiras que se afastam do processo reflexivo. Os professores não reflexivos não se interrogam sobre o que fazem e porque o fazem, aceitando sem discussão e de forma acrítica os valores e as práticas dominantes de uma determinada instituição, perdendo de vista as metas e os objectivos da sua actividade docente quotidiana (Zeichner, 1993). É por isso que os jovens professores, em grande parte, se deixam tomar pela cultura das práticas enraizadas nas escolas.
Ao falarmos da intencionalidade do professor teremos que falar igualmente da intencionalidade do aluno. A intencionalidade de um professor nas suas actividades de ensino é indissociável da intencionalidade que consegue (ou não) induzir nos alunos em relação às suas actividades de aprendizagem. Só assim é possível promover nos alunos uma aprendizagem activa e reflexiva no processo experimental.
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