Sabemos que as crianças são contraditórias, mas isso não significa que não têm apreço pela lógica. Como exemplo demonstrativo apresento-vos um diálogo que travei com um grupo de crianças de 5 anos. Iniciei a discussão com um frasco de viro na mão (ver http://hdl.handle.net/1822/8097):
- O que há dentro deste frasco?, perguntei.
- Não tem nada, disseram.
- Nada? Já ouviram falar de ar?, perguntei.
- Já.
- Há ar nesta sala?
- Não, só se abrirmos uma janela.
- Mas vocês respiram ou não dentro da sala?
- Sim, respiramos.
- E o que é preciso para vocês respirarem?
- Ar.
- Então o que é preciso haver na sala para vocês poderem respirar?
- É preciso ar.
- Então na sala há ar ou não?
- Há.
- E dentro deste frasco o que há?
- Tem ar.
Esta situação, a par de muitas outras ocorridas com crianças mais crescidas, põe em evidência o seguinte:
- a falta de lógica da criança tem as suas raízes na ausência de consciência das suas contradições.
Temos, porém, verificado que a criança tem um grande apreço pela lógica, e empenha-se na eliminação da contradição logo que toma consciência dela. A tomada de consciência das contradições e incongruências do seu pensamento, por parte da criança, tem uma importância nuclear na promoção do seu raciocínio lógico. Para isso tem um papel fundamental o desenvolvimento de competências da estimulação reflexiva do adulto. Um dos importantes aspectos desse processo consiste em ajudar a criança a trazer à consciência conhecimentos do quotidiano que já possui, permitindo que ela os confronte com as ideias que está a expressar numa situação de aprendizagem.
É muito corrente as crianças tratarem o conhecimento do quotidiano como dissociado das situações escolares de aprendizagem. Neste caso, as crianças têm já o conhecimento de que respiram e de que precisam de ar para respirar. Todavia, não recorrem a esses conhecimentos para responder se há ar na sala e respondem de forma contraditória com o seu próprio conhecimento.
A este propósito vale a pena evocar do conceito de memória de trabalho (Damásio, 1995). Corresponde à quantidade de informação, imagens, conhecimentos, etc. que são mobilizados em simultâneo e se mantêm activados na mente enquanto o sujeito se confronta com uma questão ou problema. Neste caso, de início os conhecimentos sobre a relação entre ar e respiração estavam fora da memória de trabalho da criança. O questionamento do adulto ajudou a criança a ampliar a sua memória de trabalho, ficando apta a fazer face à questão. Assim foi resolvida a contradição entre o conhecimento que a criança já possuía e a sua ideia inicial de que não existia ar na sala.
1 comentário:
Parabéns pelo Blog!
Temos em comum a educação das crianças, embora em vertentes diferentes...
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