sábado, 22 de novembro de 2008

FAZER OS ALUNOS PENSAR SOBRE AS SUAS IDEIAS: promover aprendizagens de superior qualidade!

ESTUDO DA COMBUSTÃO I
Numa turma do 4º ano fazia-se o estudo experimental da combustão de uma vela dentro de um frasco. Quando a professora solicitou a previsão acerca do que aconteceria, se se invertesse um frasco sobre a vela acesa, houve quem dissesse que a vela se apagaria "porque o frasco tapado não tem ar". Eu, que participava na aula, senti-me impelido a intervir pois esta resposta oferecia boas possibilidades de explorar e discutir ideias. De frasco na mão perguntei se o ar nele contido deixava de existir ao ser tapado com a mão. Ao mesmo tempo que fazia a pergunta eu tapava o frasco. O André Jorge (9 anos) depois de reflectir respondeu:

- O frasco aberto tem mais ar porque pode entrar sempre, o ar entra e sai quando o frasco está aberto.

Perguntei se o frasco podia entrar sempre, por forma a aumentar a quantidade de ar do frasco. O Zé Pedro (9 anos) respondeu:

- Não, porque o frasco tem um certo tamanho.


Após uma razoável discussão, os alunos concluíram que não havia razão para as quantidades de ar serem diferentes antes e depois de se tapar o frasco. A quantidade de ar era determinada pelo tamanho do frasco.

Análise interpretativa

A ideia de que o frasco tapado não tem ar é equivalente à noção encontrada em crianças mais pequenas de que mesmo em recintos fechados não há ar. Por exemplo, uma sala só tem ar se tiver uma janela aberta. Estas ideias sugerem uma noção embrionária de ar indissociável das circunstâncias em que a criança o sente (no rosto, nos cabelos, etc), ou em que são visíveis os seus efeitos (movimento de objectos, abanar de árvores, etc.). A noção de ar da criança é então o ar em movimento, o que, do seu ponto de vista, se torna incompatível com recipientes fechados.

Mas se a criança admite que, antes de tapado, o frasco tem ar e considera que, depois de tapado, deixa de ter ar, há uma consequência lógica com a qual a criança tem que ser confrontada:

- O ar sai instantaneamente quando o frasco é tapado?

Verifica-se que a criança não considera plausível que o ar saia, se já lá estava, e a atenção logo se volta noutra direcção: saber se há mais ar no frasco tapado ou aberto. A ideia de que o frasco aberto tem mais ar, "porque o ar pode entrar sempre" é ainda um reminiscência da noção de ar associada a movimento. Todavia a reflexão e troca de pontos de vista conduz à compreensão de que a quantidade de ar é determinada pela dimensão do frasco.

As crianças têm uma grande capacidade de melhorarem a qualidade das suas ideias quando são estimuladas a pensar sobre as próprias ideias, mesmo antes das evidências experimentais. Embora sejam frequentemente contraditórias, as crianças têm grande apreço pela lógica, reagindo muito positivamente à estimulação tendente à eliminação das suas contradições e incongruências (Sá, 1996, http://hdl.handle.net/1822/8165 ).

Mas podemos olhar este mesmo fenómeno por um outro ponto de vista: o professor que investiga as ideias dos alunos, e ensina no diálogo crítico com essas ideias, é dotado de elevadas competências de ensino e com naturalidade obterá elevadas aprendizagens dos seus alunos.

Na última aula com os meus alunos de Mestrado (1) diziam-me alguns que a forma de actuação acima descrita requer uma grande perspicácia do professor. E eu lhes digo que o Mestrado que estão a frequentar é um programa de treino que os habilitará a serem professores perspicazes, com elevadas competências de perscrutar a mente dos alunos, desse modo ficando aptos a estimular o seu pensamento, promovendo as capacidades cognitivas e elevando a qualidade das aprendizagens. E essas competências serão extensivas a diferentes áreas curiculares.

1) Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico, a decorrer na Universidade do Minho.

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