domingo, 30 de novembro de 2008

Três teorias quanto à duração da chama: a causalidade baseada na covariança de dois factores.

ESTUDO DA COMBUSTÃO IV
Os alunos notaram que em alguns dos frascos a vela se apaga primeiro do que noutros. Pegar então nesta questão seria uma forma de ir mais fundo na busca das ideias dos alunos quanto à causa de extinção da chama. Porquê então as diferenças de tempo?, perguntei. Aí é introduzido o factor tamanho dos frascos. Que importância tem o tamanho do frasco?, perguntei de novo. A Vânia (9 anos) acha que esse factor não tem importância, mas o Zé Pedro (9 anos) argumenta que os maiores têm mais ar. O Filomeno (9 anos), reafirmando a ideia de que é o aquecimento que faz a vela apagar-se afirma que nos frascos pequenos aquece mais depressa e por isso a vela apaga-se primeiro. O Luis (9 anos) diz que a vela precisa de ar para se manter acesa. O Zé Pedro (9 anos) afirma que o calor sobe e por isso quanto mais alto for o frasco, mais tempo a chama dura porque tem espaço para subir. Note-se que o mesmo aluno (Zé Pedro) que havia introduzido o factor quantidade de ar, volta-se agora para a teoria do calor dando-lhe uma outra nuance.

Análise interpretativa

Três teorias: 1) aquecimento do frasco; 2) quantidade de ar; 3) espaço para o calor subir

Em síntese, as ideias explicativas para o menor tempo de combustão nos frascos mais pequenos são: a) o frasco pequeno aquece mais depressa; b) no frasco pequeno há menos ar; c) no frasco grande há mais espaço por cima da vela para o calor poder subir.

Estas explicações das crianças contêm três teorias implícitas que se podem tornar explícitas nestes termos:

a) quanto mais depressa aquece o frasco mais depressa a chama se apaga;
b) quanto menos ar tiver o frasco mais depressa a chama se apaga;
c) quanto mais espaço houver por cima da chama para o calor subir mais tempo dura a chama.

Vários alunos dizem que todas as teorias são correctas. O ponto de vista dos alunos é compreensível, pois nenhuma das três teorias foi refutada pela evidência. De facto os frascos mais pequenos aquecem mais depressa e aí a chama extingue-se mais rapidamente; há menos ar nos frascos mais pequenos e aí a chama extingue-se também mais rapidamente; nos frascos maiores que foram usados há uma maior distância entre a chama e o fundo do frasco e verifica-se que nesses frascos a chama tem maior duração do que em frascos menores.

Por outras palavras, diferentes alunos seleccionam como causa da mais rápida extinção da vela no frasco menor, a mudança observável que mais lhe prende a atenção. Trata-se do que Khun (1988) designa de causalidade baseada na simples covariança de factores, sendo os factores covariados dados facilmente observáveis.

O facto de os alunos aceitarem as três teorias como igualmente plausíveis revela a ausência da perspectiva científica, segundo a qual as teorias competem entre si e apenas a melhor delas acaba por "sobreviver".

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Chama apaga-se porque o frasco fica "quente"! Chama apaga-se porque o frasco fica "embaciado"!

ESTUDO DA COMBUSTÃO III
Depois do trabalho de formulação de previsões, solicitei aos alunos que invertessem o frasco sobre a vela acesa e fizessem as suas observações. Ao verificarem que a chama se apaga, pedi que apresentassem explicações para o facto. Porque o frasco fica quente e porque o frasco fica embaciado, foram algumas das respostas. (…). Não é feita nenhuma referência ao ar (...)

Análise interpretativa

Causalidade baseada na covariança de dois factores
De facto o frasco fica quente em consequência da chama ser introduzida no fasco, acabando por se apagar. É também verdade que o frasco fica embaciado em consequência da chama ser introduzida no frasco, acabando por se apagar.

As duas teorias explicativas tomam como causa outras observações que surgem associadas ao fenómeno que se pretende explicar - a extinção da chama. A contiguidade temporal do aquecimento do frasco, bem como do embaciamento, em relação à extinção da chama, faz com que cada um daqueles efeitos seja tomados como causa. Todavia o que os alunos tomam como causas da extinção da chama, são de facto consequências da combustão.

Estamos perante uma perspectiva de causalidade baseada na covariança de dois factores: se o factor A sofre um variação visível, sendo acompanhada de uma variação de um factor B, igualmente visível, então a alteração em B é a causa da alteração em A. Esta perspectiva conduz á formulaçao de teorias não científicas. Os alunos precisam de ser ajudados pelo professor a construir outra perspectiva de causalidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A relevância do pensamento dialógico do professor!

ESTUDO DA COMBUSTÃO II
A aula sobre a combustão da vela prosseguiu. Perguntei o que achavam os alunos que aconteceria à chama se se invertesse o frasco sobre a vela - procurava eu saber se os alunos tinham a noção de que a chama se apagaria. Os alunos fazem as seguintes previsões:

- A chama apaga-se;

- O frasco fica mais quente;

- A vela derrete-se;

- A chama fica maior porque o ar não sai;

- O frasco com o calor fica preto;

- O frasco fica cheio de lume.

Nesse momento foi claro para mim que a maior parte das previsões das crianças não vinham de encontro ao propósito da minha questão. Compreendi que tinha de fazer um esforço de descentração de mim próprio e ir no encalço das ideias dos alunos.

Análise interpretativa

Pensamento dialógico do professor
Esta discrepância entre o propósito do professor e o entendimento que dele faz o aluno é uma situação muito comum na sala de aula, da qual o professor muitas vezes não chega a tomar consciência.

Para melhorar a qualidade do ensino é necessário desenvolver o pensamento dialógico do professor em oposição ao pensamento unilógico. O professor com pensamento dialógico tem a capacidade de se colocar no ponto de vista do aluno, valorizando, de forma genuina, as ideias e modos de pensar dos alunos, na medida em que desenvolveu a compreensão de que essa é a via para que as crianças pensem realmente. A discrepância entre o propósito que o professor tem em mente, com as actividades de ensino, e a interpretação que dela fazem os alunos, adoptando estes propósitos não coincidentes com os do professor, dificulta a comunicação na sala de aula e reduz as possibilidades da aprendizagens pessoalmente significativas para os alunos.

sábado, 22 de novembro de 2008

FAZER OS ALUNOS PENSAR SOBRE AS SUAS IDEIAS: promover aprendizagens de superior qualidade!

ESTUDO DA COMBUSTÃO I
Numa turma do 4º ano fazia-se o estudo experimental da combustão de uma vela dentro de um frasco. Quando a professora solicitou a previsão acerca do que aconteceria, se se invertesse um frasco sobre a vela acesa, houve quem dissesse que a vela se apagaria "porque o frasco tapado não tem ar". Eu, que participava na aula, senti-me impelido a intervir pois esta resposta oferecia boas possibilidades de explorar e discutir ideias. De frasco na mão perguntei se o ar nele contido deixava de existir ao ser tapado com a mão. Ao mesmo tempo que fazia a pergunta eu tapava o frasco. O André Jorge (9 anos) depois de reflectir respondeu:

- O frasco aberto tem mais ar porque pode entrar sempre, o ar entra e sai quando o frasco está aberto.

Perguntei se o frasco podia entrar sempre, por forma a aumentar a quantidade de ar do frasco. O Zé Pedro (9 anos) respondeu:

- Não, porque o frasco tem um certo tamanho.


Após uma razoável discussão, os alunos concluíram que não havia razão para as quantidades de ar serem diferentes antes e depois de se tapar o frasco. A quantidade de ar era determinada pelo tamanho do frasco.

Análise interpretativa

A ideia de que o frasco tapado não tem ar é equivalente à noção encontrada em crianças mais pequenas de que mesmo em recintos fechados não há ar. Por exemplo, uma sala só tem ar se tiver uma janela aberta. Estas ideias sugerem uma noção embrionária de ar indissociável das circunstâncias em que a criança o sente (no rosto, nos cabelos, etc), ou em que são visíveis os seus efeitos (movimento de objectos, abanar de árvores, etc.). A noção de ar da criança é então o ar em movimento, o que, do seu ponto de vista, se torna incompatível com recipientes fechados.

Mas se a criança admite que, antes de tapado, o frasco tem ar e considera que, depois de tapado, deixa de ter ar, há uma consequência lógica com a qual a criança tem que ser confrontada:

- O ar sai instantaneamente quando o frasco é tapado?

Verifica-se que a criança não considera plausível que o ar saia, se já lá estava, e a atenção logo se volta noutra direcção: saber se há mais ar no frasco tapado ou aberto. A ideia de que o frasco aberto tem mais ar, "porque o ar pode entrar sempre" é ainda um reminiscência da noção de ar associada a movimento. Todavia a reflexão e troca de pontos de vista conduz à compreensão de que a quantidade de ar é determinada pela dimensão do frasco.

As crianças têm uma grande capacidade de melhorarem a qualidade das suas ideias quando são estimuladas a pensar sobre as próprias ideias, mesmo antes das evidências experimentais. Embora sejam frequentemente contraditórias, as crianças têm grande apreço pela lógica, reagindo muito positivamente à estimulação tendente à eliminação das suas contradições e incongruências (Sá, 1996, http://hdl.handle.net/1822/8165 ).

Mas podemos olhar este mesmo fenómeno por um outro ponto de vista: o professor que investiga as ideias dos alunos, e ensina no diálogo crítico com essas ideias, é dotado de elevadas competências de ensino e com naturalidade obterá elevadas aprendizagens dos seus alunos.

Na última aula com os meus alunos de Mestrado (1) diziam-me alguns que a forma de actuação acima descrita requer uma grande perspicácia do professor. E eu lhes digo que o Mestrado que estão a frequentar é um programa de treino que os habilitará a serem professores perspicazes, com elevadas competências de perscrutar a mente dos alunos, desse modo ficando aptos a estimular o seu pensamento, promovendo as capacidades cognitivas e elevando a qualidade das aprendizagens. E essas competências serão extensivas a diferentes áreas curiculares.

1) Mestrado em Ensino Experimental das Ciências no Ensino Básico, a decorrer na Universidade do Minho.

sábado, 15 de novembro de 2008

AVALIAÇÃO: OS PROFESSORES TÊM RAZÃO!

Faço um desvio á linha temática deste blog para me pronunciar sobre a grave situação que se vive nas escolas básicas e secundárias, devido à imposição do Modelo de Avalição dos Professores. Li o Decreto Regulamentar da Avaliação, analisei cuidadosamente as fichas e finalmente li as perguntas e respostas do Portal do Ministério da Educação. O que aqui faço é transcrever excertos de texto da responsabilidade do ME, que faço seguir dos meus comentários.
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No Portal do Ministério da Educação consta um resumo do Decreto Regulamentar da Avaliação dos Professores (Decreto Regulamentar nº2/2008 de 10 de Janeiro). Aí lê-se que a avaliação de desempenho tem como referência os objectivos e as metas fixados no projecto educativo e no plano anual de actividades dos agrupamentos e das escolas, podendo ainda considerar os objectivos definidos no projecto curricular de turma (artigo 8º).

Comentário:

Se “o projecto curricular de turma” consubstancia os objectos de aprendizagem dos alunos, nas diferentes áreas curriculares, e a consequente acção do professor na sala de aula, pode-se então concluir que não é isso o principal foco de interesse da avaliação dos professores. Só a título subsidiário esse aspecto é referido: “podendo ainda considerar…” . O que parece ser verdadeiramente importante na acção do professor é o que é periférico à acção de ensinar e fazer aprender, tais como “projecto educativo e plano anual de agrupamentos e escolas” – um tipo de expressões que são fundamentalmente muita parra e pouca uva. Por isso os professores ficam nas escolas até ás 9 da noite em intermináveis reuniões (frequentemente 9, 10, 11 e 12 horas na escola, como tenho constatado), em vez de prepararem as suas aulas e preservarem uma vida familiar saudável, numa sociedade progressivamente desestruturada e desumanizada.

Analisei as respostas e questões do Portal do ME, de que dou conta a seguir, com os meus comentários (faço notar que essa lista de respostas e questões já foi alterada).

P: Quem avalia os professores?

R: Os professores são avaliados nas suas escolas pela direcção executiva e pelos professores coordenadores de departamento curricular. O presidente do Conselho Executivo pode delegar a avaliação nos restantes membros da direcção executiva, e os coordenadores do departamento curricular podem delegá-la noutros professores titulares. Os professores responsáveis pela avaliação são, em regra, os professores mais experientes.

Comentário

A avaliação de professores é uma competência de grande complexidade e exigência, que requer formação a ser fornecida por especialistas, que podem ser recrutados em instituições de formação de professores. Tem que haver alguma forma de habilitar e certificar as competências de avaliador. A condição de professor coordenador ou membro do Conselho Executivo não confere em si mesmo, como que por magia, competência para a avaliação dos professores.

P: O que se avalia no desempenho dos docentes?

R: A avaliação incide sobre duas dimensões do trabalho docente: (1) (...) (2) e um momento de avaliação, realizado pela direcção executiva, que avalia o cumprimento do serviço lectivo e não lectivo (assiduidade), a participação do docente na vida da escola (por exemplo, o exercício de cargos/funções pedagógicas), o progresso dos resultados escolares dos alunos e o contributo para a redução do abandono escolar, a formação contínua, a relação com a comunidade (em particular com os pais e os encarregados de educação), entre outros.

Comentário

Um dos parâmetros de avaliação será então o "progresso dos resultados escolares dos alunos e o contributo para a redução do abandono escolar”. Esta formulação atira para os ombros do professor todo o peso da responsabilidade pelos resultados escolares e pelo abandono escolar. No actual clima de controlo e sentimento de bode expiatório que a classe carrega, esse sentimento torna-se mais acentuado. Ora, sabemos bem que para tais resultados concorrem múltiplos factores, entre os quais o professor é apenas um deles, e muitas vezes o de menor relevância. Isto é particularmente válido no que diz respeito ao abandono escolar. (Que pode fazer o professor perante filhos de famílias desestruturadas, sem meios para ter uma refeição diária, que vivem o tempo todo na rua, etc.?)

O melhor contributo que um professor pode dar para os bons resultados dos seus alunos e para contrariar o abandono escolar é uma genuína prática de ensino responsável e com a melhor qualidade que lhe é possível. Todavia a prévia fixação de metas, em torno de resultados que escapam ao seu controlo, sem que seja possível estabelecer um critério válido para as previsões, tenderá a impor sobre o professor o stress de ter que inventar “expedientes” para se apresentar em conformidade com os padrões de uma “boa avaliação”, subvertendo assim o carácter genuíno das práticas de ensino. Este cenário tende a transformar o ensino numa “engenharia mecanicista” para satisfazer padrões externos ao que deveria ser a saudável dinâmica de uma comunidade de aprendizagem turma-professor.

P: Como se faz a avaliação?

R: A avaliação (...) Inicia-se pela definição de objectivos individuais e inclui o preenchimento da ficha de auto-avaliação, a observação de aulas, a análise de documentação, e culmina com o preenchimento das fichas de avaliação pelos avaliadores, a realização de entrevista individual dos avaliadores com o respectivo avaliado e, finalmente, a realização da reunião dos avaliadores para atribuição da avaliação final. Está também prevista uma conferência de validação das propostas de avaliação com a menção qualitativa de Excelente, de Muito Bom ou de Insuficiente pela comissão de coordenação da avaliação.

Comentário

São evidentes os sinais de que os professores e as escolas não sabem como lidar com isto. O resultado mais óbvio que até hoje se conhece é uma atmosfera de vigilância, de controlo e de profundo mal-estar nas escolas. É isso que os professores têm revelado sentir e é isso que têm repudiado de forma maciça. Nesta luta estão unidos os professores avaliadores e os professores avaliados - os avalidos não confiam nas decisões dos avaliadores e os avaliadores não confiam em si próprios para tomar as decisões que têm de tomar. Esta desconfiança e insegurança só podem suscitar sentimentos de desorientação e revolta. Tais estados de alma afastam a atenção dos professores do que deve ser uma tranquila dedicação aos seus alunos. Eu diria mais: o que as imagens fazem chegar a nossas casas são o desespero dos professores, perante os discursos autistas da Ministra e do Primeiro-Ministro, que apregoam a normalidade. Já ninguém pode acreditar que acreditem no que dizem.

P: E os professores e as escolas estão preparados para avaliar?

R: Sim. Por um lado, os professores estão bastante familiarizados com o acto de avaliar, uma vez que a avaliação dos seus alunos é uma componente essencial e permanente do seu trabalho.

Comentário

Presumir que o facto de os professores avaliarem os seus alunos os habilita para a avaliação de professores é de uma tão grande demagogia que só a ignorância de quem não sabe do que fala pode explicar. Aquele “sim” [os professores e as escolas estão preparados], face ao estrondoso clamor dos professores é um insulto.

P: Como se mede o progresso dos resultados escolares?
Comentário 1
Começo por comentar a pergunta. Os “resultados escolares” são as notas, dadas pelo professores, que podem exprimir ou não a qualidade das aprendizagens. Falar de notas e de qualidade de aprendizagens são pois coisas bem distintas. Nos tempos que correm, o País está possuído de um estranho ilusionismo que toma a classificação, o certificado, o canudo, etc. como sinónimos de sucesso, de mérito, independentemente de como são obtidos e do que valem em termos de conhecimentos e competências. Esse fenómeno percorre todos os escalões de ensino, desde o 1º ciclo ao mestrado e doutoramento nas universidades. Um trabalho sério em favor do conhecimento e competência efectivos deve começar pela honestidade do labor de cada dia, pondo de parte o pensamento nas notas. Essas serão o sucedâneo natural do trabalho rigoroso e sério do quotidiano dos professores e alunos. E esse é o melhor caminho para melhorar os índices de literacia em estudos internacionais, onde as notas dadas pelos professores nada contam.

R: (...) As escolas têm muitos instrumentos de avaliação do progresso dos resultados escolares. Pode contabilizar-se o progresso dos resultados escolares dos alunos no ano/disciplina face ao ano lectivo anterior; o progresso das aprendizagens verificado, por exemplo, relativamente a um teste diagnóstico realizado no início do ano;

Comentário 2
A ideia-chave não é afinal “resultados escolares”, mas sim “progresso dos resultados escolares”. O professor terá que ter sempre em mente a nota que o aluno já teve e a nota que lhe virá a dar. Para ter boa avaliação é de toda a conveniência fazer subir a média da turma. Quem pode garantir que esta situação não vai induzir mecanismos de defesa, como dar melhores notas do que as do ano anterior, apenas para evidenciar o desejado “progresso”? Isto é absolutamente contrário ao rigor, exigência e honestidade necessários a) para melhorar a qualidade das aprendizagens dos alunos, e b) para promover o desenvolvimento profissional dos professores.

A sugestão de um teste diagnóstico para medir o “progresso dos resultados escolares” brada aos céus - venha de lá um pingo de bom-senso. Só quem nunca foi professor não sabe que o teste diagnóstico destina-se, por definição, a dar ao professor conhecimentos sobre o grau de preparação dos alunos, em determinada matéria, no momento em que inicia o processo de ensino, a fim de melhor decidir como e por onde começar. Jamais um teste diagnóstico poderá servir para verificar se no final do ano houve progresso dos resultados. Com bom ou mau ensino, os alunos terão sempre melhores resultados num determinado teste no final do ano do que no início. Se a diferença for nula é porque o professor teve 100% de absentismo.

P: Considerar o progresso dos alunos vai inflacionar as notas?

R: Isso não é possível, porque não são as notas que contam, mas, sim, os progressos observados. Por outro lado, existem mecanismos que impedem a mera inflação artificial das notas: são comparados resultados dos alunos num ano com os do ano anterior, com outros alunos da mesma disciplina e com outras disciplinas da mesma turma, ou com os objectivos definidos pelas escolas. Estão também definidos mecanismos de correcção de desvios, tendo em conta as diferenças entre classificações internas e classificações externas. Esta é, aliás, uma falsa questão; que releva do desconhecimento do trabalho docente e do processo de avaliação. Desde logo porque as classificações são públicas, comparáveis, recorríveis e facilmente escrutináveis. Mas também, e principalmente, porque as notas têm de ser fundamentadas em vários elementos de avaliação aferidos e validados pelos professores e pelos órgãos de gestão pedagógica das escolas. Os conselhos de turma e os conselhos pedagógicos têm uma intervenção fundamental no controlo da avaliação dos alunos. Além disso, o facto de os objectivos individuais e das escolas serem definidos pelos professores no seu conjunto é a principal garantia de que não há enviesamentos inflacionistas, por um lado, e de que é tido em conta o contexto socioeducativo, por outro.

Comentário - conclusão

Se a confusão já era grande, ao chegar a este naco de prosa não consigo mais resistir ao esforço de tentar ser esclarecido pelas perguntas-respostas do Portal do ME. Interrogo-me se compreende o que diz quem escreveu este último parágrafo. Interrogo-me se quis dizer alguma coisa, de facto, ou quis apenas proferir palavras, num exercício gratuito de pseudo-erudição (vejo muito disso …). E interrogo-me acima de tudo se há um pequeno vislumbre do caos que tudo isso representa, se tomado à letra, fosse objecto de um ensaio prático.

As fichas que analisei cuidadosamente não permitem a tomada de decisões fiáveies, válidas e criteriosas. Para cada enunciado genérico, cada avaliador tem apenas como referência a sua experiência de professor, o que dará lugar a uma disparidade de critérios impossível de gerir. Sem formação em avaliação e sem um período experimental, com a correspondente avaliação, não é possível erguer um sistema de avaliação justo, que inspire confiança entre os professores, que potencie efectivamente a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos, bem como o desenvolvimento profissional dos professores.
Concluo que:

OS PROFESSORES TEM RAZÃO!

JAMAIS ESTE MODELO DE AVALIAÇÃO PODE TER SIDO OBJECTO DE UM TRABALHO DE CONSTRUÇÃO REFLECTIDA, IMBUÍDO DE UM SENTIDO DE RESPONSABILIDADE PLENA, COMPATÍVEL COM A COMPLEXIDADE DO PROBLEMA QUE SE PROPÕE RESOLVER.

É POSSÍVEL UM MODELO SIMPLIFICADO, VÁLIDO, CREDÍVEL E EXEQUÍVEL!

ESTE MODELO DEVE SER SUSPENSO PARA DAR LUGAR A UM OUTRO!

PROPOSTAS? CLARO QUE HÁ PROPOSTAS. PROCURANDO, SEM SECTARISMO POLÍTICO, HÁ MASSA CRÍTICA NO PAÍS PARA CONTRIBUIR PARA UMA BOA SOLUÇÃO.

A EDUCAÇÃO NÃO PODE CONTINUAR A SER O CAMPO DE BATALHA EM QUE ESTÁ TRANSFORMADA!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

UM BARCO "FUNDO" AGUENTA MAIS PESO

De facto o esquema explicativo leve-flutua e pesado-afunda não resolve uma grande variedade de fenómenos sobre o comportamento dos objectos na água, com que a criança já está familiarizada. Se evocarmos esse conhecimento do quotidiano e ajudarmos a criança a fazer o confronto desse conhecimento com uma "teoria" que exibe num determinado momento, ela tomará consciência de que há algo de errado no seu pensamento. Desse modo a criança torna-se mentalmente activa e inicia um processo de construção de novas teorias que sejam coerentes com o seu conhecimento.Por exemplo, a criança sabe que um navio é pesado, e no entanto flutua; e que o grão de areia é muito mais leve que o navio, e no entanto afunda-se.

Um bocado de plasticina afunda-se na água, mas se for moldada em forma de barco flutua. Isso é algo que as crianças descobrem ao tentarem moldar a plastician de diferentes modos. Todavia nem todo o "barco" de plasticina flutua.

O Óscar (10 anos) tentava construir um barco de plasticina, mas a cada tentativa de o fazer flutuar na água da bacia ele afundava-se. Argumentava então o Nelson (10 anos) que a água não tinha força que chegue para aguentar o barco.

- Que fazer então?

- Pôr mais água na bacia, respondeu o Óscar.

Atendendo ao ponto de vista da criança, considerando a sua limitada experiência, a sugestão avançada apresenta uma lógica aparentemente incontestável. Se um homem não consegue pôr em movimento um carro empanado, talvez dois o consigam, talvez três... Este conhecimento tem-no o Óscar a partir da sua experiência. Da sua experiência ele sabe igualmente que a quantidade de que é feita uma estrutura é tanto maior quanto maior o peso que tiver que sustentar: uma ponte para passagem de automóveis, camiões, comboios, etc., tem incomparavelmente mais madeira, mais ferro, mais cimento armado, do que uma simples passagem aérea para passagem de peões. Por que não pensar então que maior quantidade de água teria "força" suficiente para fazer flutuar o barco (1)?

O Óscar fez exactamente aquilo que era sugerido pela sua explicação para o facto de o barco não flutuar: encheu a bacia até cima e colocou novamente o barco na água. Constatou que o barco continuava a afundar-se e abandonou a sua hipótese de que a quantidade de água tinha importância. Olhando os outros barcos a flutuar em pouca água, concluiu que o problema poderia estar no próprio barco. O Luis diz que as paredes do barco devem ser altas. O Óscar empenhava-se agora na construção de um barco com paredes bem altas.

No diálogo com os alunos, num apelo à constante reflexão sobre o que eles próprios estavam conseguindo fazer e observar, surgiu a ideia de que quanto mais fundo for o barco (maior concavidade) melhor ele flutua. Eis-nos perante uma hipótese que as observações sugerem.

- Haverá alguma maneira de termos a certeza de que é realmente assim ?

Então o Nelson sugere fazer-se dois barcos, com concavidades diferentes, e ver qual aguenta mais peso.

- Com que quantidades de plasticina vamos fazer os barcos?

- Duas barras para cada barco, foi a resposta.

Tendo-se discutido o plano de investigação nos seus múltiplos aspectos, processo em que os alunos já vinham a ser treinados, foi realizada a investigação. Apresenta-se a título de exemplo, os dados da investigação de um grupo de alunos.


Barco Grande: tamanho da concavidade - 25 cm3; numero de taxas que sustenta - 93

Barco Pequeno: tamanho da concavidade - 12 cm3; numero de taxas que sustenta - 28

O procedimento de medição da dimensão da concavidade foi uma questão difícil de resolver, que exigiu muita reflexão e discussão na turma. Acabou por ser reconhecido que o volume de água que a concavidade pode conter é equivalente ao volume da concavidade. Assim, utilizando um recipiente graduado com determinada quantidade de água, deitou-se água na concavidade até esta ficar cheia. O volume da concavidade é dado pelo resultado da diferença entre o volume de água inicial no recipiente e o volume de água no final.


1) Evidentemente pode-se argumentar desde logo que no mar a quantidade de água é imensa, e no entanto nem todos os objectos flutuam aí. Mas essa discussão é já outra fase de abordagem da questão.