quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

UM APELO À INOVAÇÃO EDUCACIONAL

[Texto de introdução a uma nova publicação que está no prelo]

Desde 1990 vem-se desenvolvendo na Universidade do Minho uma linha de investigação e inovação pedagógica sobre o Ensino Experimental das Ciências para crianças. No trabalho continuado ao longo de duas décadas desenvolvemos uma teoria, uma prática de sala de aula e os instrumentos didácticos de suporte ao que designamos de Ensino Experimental Reflexivo das Ciências (EERC). Nesse processo de ensino parte-se de questões, problemas e fenómenos que se tornam objecto de reflexão e investigação experimental. As situações experimentais são geradoras de diferentes ideias que suscitam a comunicação, a discussão e a argumentação entre os alunos e o professor. E todo o processo é mediado pela acção intencional do professor, que promove uma atmosfera de estimulação do pensamento e da criatividade, baseada em princípios de respeito mútuo, de liberdade de comunicação e de expressão da afectividade.

Os resultados da nossa investigação* demonstram de forma clara que, nesta forma de ensinar, as crianças desenvolvem as suas capacidades cognitivas, melhoram a qualidade das suas aprendizagens no domínios da língua e das ciências**, desenvolvem competências de resolver novos problemas do quotidiano e tornam-se mais reflexivos, face aos seus pares. Os alunos tornam-se pensadores activos e críticos, desenvolvem competências sociais, promovem a sua auto-estima, a motivação intrínseca, a autonomia, a capacidade de tomar decisões e aprendem a lidar de forma positiva com as situações de insucesso. E vivem a aprendizagem com alegria e elevada satisfação pessoal. Esta vivência de aprendizagem promove a inteligência emocional dos alunos, o que eleva o desempenho do seu intelecto e faz deles sujeitos com mais elevada consciência de si próprios.

Propomos neste guia uma investigação orientada pelo professor em que aos alunos:

1. Exprimem os seus conhecimentos e ideias do quotidiano sobre o tópico da aula
2. Discutem essas ideias e fazem previsões de resultados experimentais
3. Testam experimentalmente as suas previsões: plano + execução experimental
4. Fazem observações experimentais e fazem os correspondentes registos
5. Contrastam as previsões com as observações
6. Apresentam novas ideias explicativas e discutem-nas com os seus pares e o professor
7. Ampliam o conhecimento de todos em discussão/reflexão focalizada pelo professor
8. Consolidam e expandem o conhecimento em forma de trabalho escrito na ficha do aluno

As questões-chave apresentadas no início de cada actividade, são as questões que pretendem sugerir ao professor os aspectos centrais a serem objecto de estudo e investigação experimental. As aprendizagens podem ter incidência em diferentes domínios: conceptual, processos científicos e técnicas e procedimentos; isso está assinalado com X em cada tabela de aprendizagens. O domínio conceptual diz respeito aos conhecimentos adquiridos; o domínio dos processos científicos diz respeito às capacidades de construção do conhecimento científico aplicadas e desenvolvidas; o domínio das técnicas e procedimentos diz respeito ao desenvolvimento de destrezas de manipulação dos instrumentos e dos materiais e à execução dos procedimentos experimentais. Na secção O professor ensina os alunos a investigar são apresentadas orientações que pretendem ajudar o professor a conduzir as actividades de ensino experimental.

Estas práticas foram testadas e validadas por outros professores, em diferentes anos de escolaridade. Faço pois um apelo entusiástico a todos para que ousem dar aos seus alunos a oportunidade de realizarem os percursos de aprendizagem aqui propostos.
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*Sá, J. G. (1996). Estratégias de Desenvolvimento do Pensamento Científico em Crianças do 1º Ciclo do Ensino Básico. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga; Sá, J. (2002). Renovar as Práticas no 1º Ciclo pela Via das Ciências da Natureza. Porto: Porto Editora, 2ª edição; Sá, J. com Varela, P. (2004). Crianças Aprendem a Pensar Ciências: uma abordagem interdisciplinar. Porto: Porto Editora; Sá, J. & Varela, P. (2007). Das Ciências Experimentais à Literacia: uma proposta didáctica para o 1º ciclo. Porto: Porto Editora; Varela; P (2010). Ensino Experimental das Ciências no 1º Ciclo: construção reflexiva de significados e promoção de competências transversais. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga.

**Não testámos a hipótese de que o EERC promove melhores desempenhos em Matemática, mas a experiência de sala de aula torna essa hipótese tão plausível quanto as que foram testadas. As capacidades cognitivas são uma ferramenta com que o aluno opera na construção das aprendizagens de diferentes domínios curriculares, o que sustenta essa hipótese.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A avaliação "interna" dos professores: os custos, os benefícios e as alternativas

O modelo de avaliação de professores que vem sendo discutido desde há 4 anos, mantém no actual acordo entre Ministério e Sindicatos parte significativa dos seus aspectos anteriores. Uma das minhas grandes reservas sempre foi a de saber se uma avaliação inter-pares poderá ser justa, promotora de um clima de colaboração e de bom relacionamento entre os professores, de modo a resultar em efectivo benefício da qualidade do ensino e das aprendizagens.

Não é isso que se tem visto no ensaio já efectuado com o modelo anterior. Há sinais de revolta e indignação por parte de professores experientes e dedicados que se sentem humilhados por colegas sem perfil pedagógico, exercendo funções de chefia burocrática, que não perderam tempo e a oportunidade de mostrarem "quem manda", usando o poder da avaliação. Uma forte componente de avaliação externa parece ser essencial não só para evitar fenómenos desta natureza, mas também para que as diferenças de mérito resultantes da avaliação não sejam imputadas pelos professores como "injustiças" praticadas pelos colegas, o que contribuiriria para a degradação do relacionamento no seio da classe. Lídia Jorge, em depoimento ao Público (10/01/10), suscita de certo modo essa questão:

[...] este acordo histórico ainda não terminou. Ele só ficará selado quando Isabel Alçada verificar a que professores, durante estes dois anos, foram atribuídas as notas de excelente, e tirar daí as suas conclusões. Talvez resolva anular os seus efeitos. É que os professores duma escola constituem uma família. Experimentem criar um escalão de avaliação entre os membros duma mesma família que se autovigia. Sobre os métodos de avaliação desejo a Isabel Alçada e aos sindicatos muitas noites de boa maratona.

Alguém de fora da "família" deverá ter um papel importante na avaliação. Do meu ponto de vista essa componente de avaliação externa deverá envolver as instituições de formação.

Outro aspecto que se me afigura muito problemático é o da exigência de observação de aulas. Por mais atributos de objectividade que se pretendam imputar a esse método de avaliação, é sempre uma situação isolada e artificial, e por esse motivo aquele momento é susceptível de múltiplas contingências. Acresce tratar-se de um processo muito trabalhoso, logo, bastante caro, e perturbador da vida das escolas.

Eu avalio intervenções pedagógicas de alunos meus, da formação inicial, da formação contínua e de pós-graduação através de diários de aula (narrativa da aula) método sobre o qual eles recebem formação previamente. Nesse método um professor pode revelar-se um investigador do seu próprio ensino. A natureza dos posts deste blog podem elucidar o leitor sobre o que poderá ser um diário de aula.

Vão já muitos anos de experiência e a validade e a consistência do método têm sido comprovados. Com um ou dois diários de aula e a sua discussão com o avaliador dispensar-se-ia uma maratona de milhares de horas de aula a assistir.