quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Controlo de variáveis no 1º CEB: pobre de significado para os alunos e frustrante para os professores

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

Actividade B (guião "Sombras e imagens") [ http://sitio.dgidc.min-edu.pt/experimentais/Paginas/Recursos_Didacticos.aspx ]

Voltamos à reflexão iniciada sobre a exploração em sala de aula do guião sobre «Sombras e Imagens», incidindo agora nas actividades B. Com estas actividades pretende-se investigar os factores de que depende a sombra de um objecto.

Questão-problema I: «O que acontece à sombra de um objecto se aumentar o comprimento deste?»

“Antes da experimentação”, como é sugerido, tentámos focar a atenção dos alunos na questão O que vamos mudar… (identificação da variável independente). Fizemos algumas tentativas inicias para induzir aquilo que queríamos que os alunos referissem – o tamanho do objecto. Tínhamos o material à sua frente e estabelecido um diálogo em torno das diferentes dimensões dos objectos. Após essas tentativas infrutíferas, fomos avançando, não ditando, mas quase…

Passámos à questão O que vamos medir… (identificação da variável dependente). Mediante a nossa insistência, os alunos lá iam dizendo que utilizariam a régua para medir.

Seguiu-se O que vamos manter e como… (identificação e modo de controlo das variáveis). Mais uma vez foi muito difícil para os alunos.

Quando se abordou O que e como vamos fazer… os alunos conseguiram expressar alguns procedimentos.

Quando chegámos à tabela Os nossos registos… os alunos mediram e registaram o comprimento de cada objecto. No entanto, a sombra não foi medida três vezes como o sugerido, pois isso não fazia sentido, dava o mesmo valor. Tanto os professores como alunos não percebiam para quê fazer várias medidas do mesmo comprimento, para em seguida se fazer uma média aritmética.

Quanto a O que pensamos que vai acontecer e porquê… foi necessário introduzir questões do género “qual é a tua opinião, a sombra irá ficar maior, menor ou igual?”. Só com este tipo de questões, que contém todas as possíveis respostas, os alunos são capazes seleccionar a opção correcta. Foi necessário proceder do mesmo modo quanto às razões da previsão seleccionada.

Na fase de Experimentação … os alunos alternaram os vários materiais de diferentes tamanhos e observaram e muitos esqueciam-se de medir o comprimento da sombra. A posição dos resultados da medida gerou alguma confusão devido ao formato da tabela: contempla espaços para comprimentos que não foram realizados por considerarmos desnecessário.

Quando chegou A resposta à questão-problema é … pretendíamos fazer um debate em grande grupo. Este é um momento com muito significado para os professores, pela possibilidade que oferece de ficarem a saber que aprendizagem foi realmente conseguida pelos alunos. No entanto, nesta altura os alunos já se apresentam cansados. Na realidade, todo aquele trabalho que supostamente iria convergir para uma clarificação da questão inicial, simplesmente não acontece para a maioria dos alunos. A questão inicial revelou-se, mais uma vez, uma situação nova, desligada do que se supunha ser um processo de investigação.

Um desabafo pessoal…
No fim das sessões, sentia-me com a consciência tranquila, pois tinha dado o meu melhor para aqueles alunos passarem momentos maravilhosos. Por outro, era uma frustração ao sentir que os alunos não conseguem acompanhar o processo. Depois, nas sessões seguintes tentava melhorar mas apareciam novas situações e mantinha-se sempre o mesmo padrão.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Questão-problema, previsão e resposta à questão-problema

Por Jorge Gouveia,
Professor de Físico-Química na Madeira

No ano lectivo 2006/2007 através do Despacho nº 2143/2007, DR, 2ª série, Nº29, 9-02-2007, o Ministério da Educação lançou o «Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências para Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico». Este programa tem sido prorrogado e está previsto até o ano lectivo de 2009/2010. Em consequência deste programa, a comissão técnico-consultiva de acompanhamento concebeu e editou um conjunto de guiões didácticos para apoiar os professores e alunos envolvidos neste programa. Estes recursos didácticos estão à disposição do público interessado, em particular os professores do 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB)
[http://sitio.dgidc.min-edu.pt/experimentais/Paginas/Recursos_Didacticos.aspx ]

No ano lectivo transacto, 2008/2009, tive a oportunidade de explorar na sala de aula, em parceria com os professores titulares de três turmas do 3º ano do 1º CEB, o tópico de experiências com a luz. Isto passou-se em São Martinho, na Ilha da Madeira.

A minha experiência permite-me sustentar alguns dos aspectos apontadas pelo professor Joaquim Sá na sua reflexão sobre a manipulação e controlo de variáveis. As considerações que pretendo fazer dizem respeito ao guião sobre «Sombras e Imagens» incluindo o caderno de registos para crianças. Tendo em vista contribuir para a reflexão necessária, submeto à crítica de todos aqueles que trabalham no terreno. Apresento este primeiro texto a que se seguirá um outro.

Actividade A

Questão-problema I:«Porque não vemos os objectos no escuro?»

Esta actividade revelou-se muito útil e interessante para alunos e professores. O que significa este sucesso? Os trabalhos começaram do seguinte modo: observar um objecto dentro de uma caixa através do orifício. Os alunos foram confrontados com actividades altamente motivadoras, onde tiveram oportunidade de opinar, prever, observar e fizeram registos. As opiniões dos alunos foram de um modo geral no sentido correcto: ver o objecto luminoso ou iluminado e não ver o objecto não iluminado. Ficou claro ser necessário conduzir a actividade com grande atenção às ideias dos alunos, ouvindo e clarificando o significado das palavras "objecto iluminado" e "objecto luminoso". Se as palavras dos alunos não forem aproveitadas nos devidos momentos, origina-se uma confusão entre os dois termos. Foi isso que aconteceu nalgumas turmas. As crianças esquecem-se facilmente do significado de cada uma das palavras “iluminado" e "luminoso” e têm dificuldade em preencher o quadro de registos que é proposto. Por isso, fiquei com dúvidas se devia de insistir muito no termo sem repetir as experiências.

Para as crianças que erravam, demos oportunidade para repetir. Tentámos que o registo fosse efectuado com o material à sua frente e a experimentação acompanhada de algumas questões de modo a diagnosticar possíveis contradições. Resultou? Após a experimentação, foi patente que a maioria dos alunos já não se lembrava da questão-problema de partida. Aqui tinha sempre a mesma dúvida: será mesmo assim? Compreendi esta situação ao ler o que diz o professor Joaquim Sá sobre memória de trabalho: “Uma dimensão muito crítica na planificação de uma investigação (...) é a reduzida memória de trabalho dos alunos, nesta idade.».

Outra dificuldade que surgiu foi o facto de os alunos acharem desnecessário voltar a responder à questão-problema, depois das actividades experimentais. Como já tinham respondido à questão em forma de previsão, ao ser-lhes explicado que depois das actividades deviam voltar a dar uma resposta, ficavam admirados e diziam “já respondi”.

Nas duas sessões seguintes abordámos as questões-problema II e III: «Como se propaga a luz?» e «Será que todos os materiais se deixam atravessar pela luz?», respectivamente. Estas decorreram de uma forma muito semelhante à primeira sessão. Na previsão da questão-problema II, desenharam rectas a partir de uma fonte luminosa. A palavra «propagação» mereceu algumas considerações, pois os alunos não sabiam o seu significado. O discurso que utilizei passava pela exemplificação de um determinado percurso/caminho (isto é, a trajectória). Geralmente a trajectória desenhada pelos alunos contempla rectas. O registo na tabela - visibilidade da luz através de uma mangueira, em curva, em linha recta e com um nó (vejo a luz; não vejo a luz) - revelou-se relativamente fácil. Foi mais difícil estabelecer a relação entre os resultados da experimentação “vejo a luz” e o facto desta viajar em linha recta. Por último, mais uma vez, esqueceram-se da questão inicial. As suas respostas iam ao encontro das suas previsões pictóricas iniciais.

Relativamente à questão-problema III, decorreu de modo semelhante à II, despertando muito interesse. Os professores distribuíram vários materiais pelos alunos: cartão, papel, vegetal, acetato não colorido, acetato colorido, plástico, espelho e celofane colorido. De acordo com o que observavam ou não através do material, registaram na tabela (vejo o objecto: nítido, pouco nítido, não vejo o objecto). Alguns materiais geraram algumas contradições interessantes. Foi o caso do espelho. Alguns afirmavam que o espelho deixava passar a luz. Gerava um debate interessante e o(s) aluno(s) tentavam corrigir a contradição.

Foi moroso seleccionar os objectos/materiais tendo em conta os seguintes grupos: a) materiais através dos quais foi possível ver o objecto de forma nítida; b) materiais através dos quais não foi possível ver o objecto de forma nítida; e c)materiais através dos quais não foi possível ver o objecto. Após esta sistematização, os materiais ficavam classificados de acordo com as suas características: transparentes, translúcidos, opacos. Por último, a resposta à questão-problema surgiu como algo de novo e quando foram relembrados das previsões, não ficaram admirados como tinha acontecido na questão anterior. Pelo contrário, ao constatarem que tinham errado na previsão, mostravam interesse em responder correctamente, pois a maioria tinha previsto apenas uma possibilidade (deixa-se atravessar ou não se deixa atravessar pela luz).

Comentário:

A memória de trabalho pode ser treinada e desenvolvida. Ela é tanto mais crítica quanto maior for a "distância" entre a questão-problema e o retorno final à questão-problema.